As crianças nunca foram um factor de ponderação política nem de urgência governativa porque não votam. Os factos falam por si. A propina numa universidade privada custa entre 35 e 45 mil Kz, porque o Governo "congelou" os preços. O preço mensal de uma creche privada custa entre 120 e 500 mil Kz, e o preço é livre. A diferença de salários e de formação entre um professor universitário e uma funcionária de uma creche, que em Angola a maioria nem sequer tem formação adequada para o efeito, é épica em todos os sentidos. A razão dessa situação prende-se com o facto de os estudantes universitários terem mais de 18 anos e poderem votar.

79,2 % da população angolana tem menos de 34 anos e desta 40,8% tem menos de 12 anos, de acordo com a KEPIOS (Fonte: United Nations Census Bureau). A situação da criança, que pelos quatro cantos do País é apresentada como uma prioridade, a cada dia se torna mais preocupante pela exposição a todo o tipo de perigos que a rodeia, a exemplo da malária que, quando analisamos os óbitos por faixa etária em 2020, foi responsável pela morte de 49% de crianças dos 0 aos 4 anos, 25% dos 5 aos 14 anos e 26% de maiores de 14 anos (Cf.: Relatório Social CEIC/UCAN 2020). De acordo com o MINSA, a malária já matou 3.980 pessoas apenas no primeiro trimestre de 2022. A Saúde Preventiva nunca esteve no centro de nenhuma prioridade, e por mais hospitais que se construam, enquanto o saneamento básico não for resolvido, a maioria das doenças, que já são consideradas flagelos de saúde pública, nunca irá desaparecer.

A este drama, juntamos a fome severa, que até ao início de 2022 matava 46 crianças por dia. Importa não esquecer que a maioria das crianças em Angola sofre de algum grau de desnutrição e de anemia. Recordo que, nos últimos anos, foram encerrados mais de 260 Centros de Terapêutica Nutricional Infantil, por insuficiência de dinheiro público. O tratamento das doenças respiratórias é traído pela incapacidade de aquisição de medicamentos por parte das famílias pobres ou pelo analfabetismo da mãe que não consegue, por isso, cumprir todo o tratamento correctamente. As diarreicas agudas e a febre tifóide andam de mãos dadas com a ausência épica de saneamento básico (água potável e esgotos luxos que o Império Romano já oferecia aos seus cidadãos há 3 mil anos). Todas estas doenças, incluindo a malária, que é a principal, surgem entre as principais causas de mortalidade infantil. Podemos ainda acrescentar os sucessivos abusos sexuais a que milhares de crianças estão permanentemente sujeitas, e entre Março de 2021 e Março de 2022, 4.706 crianças foram notificadas pelo INAC como vítimas, de acordo com o Novo Jornal (01 de Abril 2022).

Temos ainda como factor de extrema preocupação o facto de termos a 6.ª maior taxa de natalidade do mundo em adolescentes, segundo o FNUAP (Novo Jornal 08.04.2022 - texto de Teresa Fukiady). Angola tem uma das maiores taxas de natalidade do mundo, e todos os anos nascem mais de um milhão de crianças sem que as estruturas sociais acompanhem este crescimento exponencial. Se continuarmos com este ritmo em 2030, Angola terá 50 milhões de habitantes, sendo que a maioria continuará a ser crianças e jovens.


Em ano eleitoral, e depois de 20 anos de PAZ, a Cesta Básica mensal, para alimentar uma família de 6 pessoas, custa 4 vezes mais do que o salário mínimo nacional e apenas permite comprar 25% da mesma no mercado informal, pois, se for comprada no formal, apenas adquire 12% dos produtos, porque são necessários sete salários mínimos para adquirir uma cesta básica no mercado formal (Expansão, 15 de Abril de 2022).

Torna-se urgente uma clarificação sobre os objectivos do avultado e constante investimento na Reserva Alimentar, beneficiários e processos. Não basta encontrar o gestor deste importante instrumento de combate à pobreza. É imperativo que ele seja minuciosamente fiscalizado, para que não se desvirtue a sua honra e o dinheiro público não sirva outro propósito.


Poderíamos ainda falar dos milhões de crianças que estão fora do sistema de Educação e das péssimas condições de ensino ao serviço dos mais pobres, sobejamente conhecidas por todos os mortais em Angola, onde um aluno frequenta a escola durante 8 anos e apenas aprende o equivalente a 3,7 anos (Index do Capital Humano em Angola - Banco Mundial).

A falta de Registo Civil de milhões de crianças que não têm Direitos. O trabalho infantil que retira a infância aos meninos pobres, que é desumano, mas que se tornou vital para ajudar a aumentar a paz no prato familiar. O crescimento exponencial de novos meninos de rua votados ao abandono e sem ninguém que os valha (falta-nos uma mão fraterna como a da ex Vice-Ministra do GURN, Dra. Eufrazina Maiato que sempre se importou genuinamente com estes filhos em tempo de guerra e não deixou ninguém para trás).


Não pretendendo ser exaustiva nos factos que nos aleijam todos os dias e retiram a qualidade de vida aos pobres e aos remediados. No fim do dia, a pergunta que se faz é: Será que em Angola a resolução dos problemas básicos é uma Ciência Oculta que impede que centenas de licenciados e doutorados, que abundam nos governos central, locais e institutos públicos, construam soluções eficazes, dignas, justas, obrigatórias e necessárias para os velhos problemas que existem há 47 anos e tornam a vida da maioria das crianças num verdadeiro inferno que dispensa a intervenção do diabo, tenham um fim? Ou será que estamos perante uma governação estéril em ideias patriotas, cujo fim seja o desenvolvimento do País e a felicidade do povo, mais especificamente a felicidade e a sobrevivência das crianças sem as quais não haverá futuro sustentável, desenvolvimento e no limite até a integridade do país estará ameaçada?


Sem um atendimento responsável, fora de todo o tipo de populismo, a sobrevivência da maioria das crianças está em perigo. Se não morrerem, terão uma escolaridade medíocre ou insuficiente, o que não lhes permitirá participar no desenvolvimento do país nem, sequer na salvaguarda da sua integridade.

A qualidade da eficiência de uma governação, em qualquer parte deste planeta, mede-se pela forma como vivem as suas crianças. E Angola tem sido classificada sistematicamente como um país onde não é bom ser criança. Este facto, que assenta em todos os dados públicos sobre a criança, devia tirar o sono a todos os governantes que se dizem lúcidos e bem-intencionados e obrigar que o seu DEVER DE SERVIR fosse capaz eliminar toda a demagogia, a visão do lucro e do apego ao poder e se concentrasse em criar um país onde as crianças angolanas fossem felizes, inspirando-se no modelo de felicidade, segurança, bem-estar e amor com que tratam os seus próprios filhos.