Nestes 20 anos tivemos todos os ventos a nosso favor e deveríamos ter saído da inferioridade de todos os índices internacionais que nos mantêm na periferia do desenvolvimento, da dignidade e da felicidade colectivas. Deveríamos ter tido acesso a um salário que fosse honesto para satisfazer as nossas necessidades inalienáveis. Podíamos ter pintado Angola com as cores da esperança devolvendo-lhe o encanto que merece. Deveríamos ter sido capazes de diversificar a economia, de ter criado sustentabilidade alimentar e de termos um serviço nacional de saúde eficiente, abrangente que salvasse vidas de forma gratuita.
Se tivéssemos construído um plano realista, credível e honesto "O SALTO DA GAZELA" poderia ter tido início no dia seguinte à assinatura dos acordos de paz e teríamos conseguido derrotar a pobreza que em 2023 atingirá 17 milhões de angolanos (1) que foram abandonados. Teríamos impedido a crueldade de uma corrupção predadora, praticada por mãos conhecidas e isentas de amor pela pátria e pelo povo, que destruiu o nosso País e nos deixou devedores, por várias gerações, de obras e projectos sem qualidade que não foram capazes de garantir o progresso, porque sempre foi escasso o sentido de oportunidade que se traduz na transformação de um fenómeno em consequências vantajosas. (1) RELATÓRIO SOCIAL DE ANGOLA 2019-2020 CEIC - UCAN
Hoje com 20 anos de paz, dos 47 anos de uma governação desorientada, infeliz, incompetente, egoísta, ineficaz, querem que acreditemos que serão capazes de fazer a diferença. Acreditam, piamente, que ainda estão em condições para contribuir para que Angola seja um lugar feliz e para todos. Fernando Pessoa defendeu que "o voto popular não é uma manifestação de opinião. O voto popular é um sentimento. Não é, por isso, qualquer pessoa que pode tomar conta dos destinos de uma nação e que ao mesmo tempo tenha o poder intelectual necessário para abranger a sociedade como um todo e para além de quem legisla" e hoje, quase 100 anos depois, tenho a certeza de que ele tinha razão.
Fernando Pessoa também acreditava que "o único problema do pós-guerra era a organização e que de nada serve organizar o trabalho, a indústria ou qualquer outra coisa, sem primeiro organizar a organização e os organizadores. Conforme este problema se resolver, se resolverão os outros, todos dependentes dele". Temo, igualmente, que este tem sido o nosso maior problema. A Lei é contornada sistematicamente por quem manda. O País mergulhou no caos da desorganização, em todos os sentidos. As instituições são fracas, não são avaliadas e são dependentes. Há uma aparência de funcionalidade. Mas é mesmo só aparência. Os velhos problemas persistem e a sua solução depende dos humores e dos planos pessoais e mesmo assim estão sempre a alterar o caminho e a modalidade a cada nomeação, pois a natureza de muitos políticos é individualista.
Deveríamos ter aprendido a olhar para as diferenças com respeito, a abandonar as atitudes musculadas e os discursos da trincheira. Devíamos ter conseguido garantir os Direitos inalienáveis e iguais à nascença para todos os filhos. Tivemos o tempo e o dinheiro suficientes para traçar, com honestidade, um rumo patriota e consciente das necessidades, mas ficámos na outra margem de todas as expectativas.
Felizmente muitos países foram capazes de dar "O SALTO DA GAZELA" porque os seus cidadãos venceram o egoísmo natural das flores que apenas se preocupam com o seu próprio perfume e consolidaram instituições que impedem que os políticos e os seus partidos tornem os países reféns da sua arbitrariedade, do seu desnorte, da sua mediocridade e da sua gula pelo poder. Nenhum país que acorrente a Justiça, que retire o poder dos Sindicatos, que sufoque a liberdade de imprensa e que não invista numa Educação universal e de qualidade será um país livre, com sucesso, desenvolvido e democrático.
As gazelas são velozes, podem atingir 97 km/hora e conseguem saltar verticalmente no ar. Mas têm apenas 10 anos de vida e, tal como muitos homens, "têm um temperamento nervoso e assustado". Em Angola, infelizmente, "O SALTO DA GAZELA" não tem qualquer virtude porque não é magnânimo, pródigo ou nobre e apenas pretende garantir a continuidade de um longevo poder, a qualquer preço, apesar da ausência de mérito governativo num país onde as eleições são livres, mas nunca provaram que são justas.