Na semana passada, fomos informados de que acontecerá uma revisão parcial da Constituição. Antes de ter tomado conhecimento da profundidade e largura das propostas de alteração, a primeira coisa que desejei foi que as eleições voltassem à primeira forma, isto é, legislativas e presidenciais separadas. Mas, infelizmente, depois de ouvidos todos os ângulos, que, em correrias desenfreadas, se esforçaram para as devidas explicações, percebi que este importante quesito tinha ficado acorrentado ao medo do passado e ainda não era desta vez que iria conhecer a aurora de ventos carregados de oxigénio puro, isentos de mágoas e de interesses obscuros.
A figura do candidato a presidente independente, a que qualquer cidadão que reunisse as condições que a Lei prevê pudesse concorrer, exercendo assim o mais elevado dever de cidadania, colocando a sua pessoa ao serviço da comunidade sem ter que ser militante, continuará a ser um sonho. Ao confirmar isso, a nova revisão assume que as iniciativas políticas se esgotam nos partidos políticos. Erro crasso. Existem pessoas, em todas as sociedades, que congregam muito mais simpatia, empatia, capacidade e idoneidade que muitos políticos militantes, sendo consideradas verdadeiras bússolas para qualquer nação. E esta opção muitas vezes até se torna muito mais eficaz, pois não estão amarrados a nenhum tipo de obediência partidária e, por isso, são livres e muito mais inovadores, cujo único objectivo é colocar o seu amor pela Pátria e a sua sabedoria ao serviço do País.
"Governar sem os governados" tem sido uma das causas dos reiterados erros de angústia governativa que temos testemunhado. A opinião dos cidadãos, sociedade civil não-militante e peritos independentes pode até ser ouvida, mas raramente é incluída. A concertação é um mecanismo adverso para a nossa governação. Os meios de comunicação públicos, incluindo os que foram recentemente engolidos, têm participado nesta anestesia geral. É imperativo conjugar uma reforma profunda do actual modelo democrático, cujo objectivo seja centrado na Justiça social, voltada para os pequenos sistemas: aldeia, bairro, rua, família, etc. O mundo mudou. Mudaram as relações de mercado, mudaram as relações pessoais, os modelos económicos tornaram-se flexíveis, mas a nossa democracia mantém-se estática e convicta de que, para existir, basta o povo votar. Não é por acaso que cresce a abstenção. Infelizmente não fomos surpreendidos pela positiva.
A governação entre nós continua a ser musculada, com visão unilateral e com a perspectiva do "quem não concorda é inimigo da paz". Precisamos de arejar o ambiente, de construir confiança em vez de autoritarismo. As feridas entre irmãos precisam de amor para serem curadas. E Angola tem muitas feridas que nunca foram resolvidas, sendo as de 1977 e 1992 as mais dolorosas. As democracias africanas terão imensos desafios no século XXI. Terão que ser capazes de se reinventar bem como os seus paradigmas. O século XXI transborda de informação. As regras de jogo mudaram por imposição da internet. Nunca mais os tempos de obscurantismo ganharão terreno neste século. Por mais poder que quem quer que seja pense que tenha, a informação tornou-se um excelente aliado das boas práticas e dos melhores exemplos. E neste novo tempo ganham-se e perdem-se batalhas políticas, económicas e sociais e a jusante e a montante têm inibido muitas intenções esquizofrénicas. Este novo tempo fez nascer desígnios mais abrangentes e insubordinados, conferindo um poder individual a cada cidadão que lhe garantiu a capacidade de deixar de comprar gato por lebre. As pessoas hoje sabem que têm poder e não pretendem abdicar dele.
Se o país estivesse em primeiro lugar, esta revisão reporia as eleições presidenciais e legislativas em momentos separados, para garantir que os eleitores pudessem decidir por um partido nas legislativas e por outro nas presidenciais, pelo mesmo partido em ambas as eleições ou pelos candidatos independentes que se apresentassem. Mas teríamos um presidente eleito pessoalmente. De igual modo, devolveria a plena capacidade de fiscalização dos actos do governo à Assembleia Nacional, sem truques. A função fiscalizadora é sagrada em democracia. Angola não tem instituições independentes do poder político, infelizmente. Basta olhar para a forma de nomeação dos elos mais importantes da administração do Estado e para a postura da defesa e segurança em todos os sentidos, no que à reclamação contra as desumanas condições de vida de milhões de angolanos, diga respeito. Por mais que nos queiram fazer crer que existe um país para todos, a realidade é visível à vista desarmada. Está provado que em África a acumulação de poderes é sempre um perigo para o Estado de Direito e para a liberdade dos cidadãos. Por isso, não resta à política outra opção, sendo imperativo que cresça em dignidade e em patriotismo para servir o país, sem se servir dele.