Essa geração compreendia pessoas que tinham terminado cursos básicos das antigas escolas industriais, outros tinham mesmo terminado os institutos comerciais e industriais (existiam dois institutos industrial em Luanda e no Huambo e dois institutos comercial em Luanda e no Lubango), que eram cursos médios, mas com elevadas valências profissionais. Poucos dessa geração haviam tido experiência de administrar empresas no período colonial. Sem esquecer que as empresas confiscadas ou nacionalizadas eram predominantemente empresas privadas familiares. Por conseguinte, administradas pelos seus proprietários. Portanto, é natural que não esteja impregnada na nossa cultura a prática de governação das sociedades, para além de que a dimensão e o estádio de desenvolvimento corporativo não requeria a separação entre a gestão e o dono do capital na época.
O quadro legal que orientava as UEE"s é a Lei n.º 17/77, de 15 de Setembro, descrita como a lei que define as formas mais correctas e eficazes de gestão das empresas estatais. Segundo o artigo 37.º, a gestão da empresa pode ser descrita como sendo unipessoal, porquanto, a responsabilidade era atribuída exclusivamente ao director, nomeado, por confiança política, pelo Ministério de tutela. O conselho de direcção, que integrava os chefes de departamentos, um militante do partido (membro da célula) e da comissão sindical, era um simples órgão de consulta, não é, por conseguinte, equiparável aos corpos sociais a que se refere, por exemplo, a Lei n.º 1/04, de 13 de Setembro, que regula as sociedades comercias no actual momento. Entretanto, com o lançamento do Programa de Saneamento Económico e Financeira (SEF), surgiram iniciativas de reconversão da forma de gestão que até então vigorou, o que levou a publicação de uma nova lei que regulasse a gestão das empresas estatais, a Lei n.º 11/88, de 9 de Julho, que viria introduzir algumas alterações na estrutura dos órgãos de governação das empresas detidas pelo Estado. Foi com esta lei que surgiu a designação de conselho de administração para as empresas de grande dimensão, como a Sonangol, Endiama, Caminhos de Ferro, Portos, e as de média e pequena dimensão continuaram como direcções, tendo, entretanto, aparecido o órgão de fiscalização, o conselho fiscal. No entanto, nos aspectos essenciais, a lei manteve a orientação de uma empresa socialista, não se tendo verificado alterações de substância na orientação e gestão das empresas estatais.
O leitor poderá se interrogar porque carga de água estará o articulista a desenterrar as práticas de governação de empresas do passado, que até são de má memória? Aparentemente, muitos dirão que o passado não tem grande relevância no que se faz hoje, e/ou, no que se projecta para o futuro. Tenho uma opinião diferente, os aspectos culturais, os antecedentes de organização empresarial influenciam as práticas correntes. Para melhor podermos entender o modelo de governação das sociedades, sejam elas privadas ou públicas (no sentido de que são detidas pelo Estado), que melhor se ajustam ao actual contexto e ambiente económico, vale entender como têm sido governadas as empresas ao longo do tempo. Vale ressaltar que os modelos prevalentes em Angola, quer imediatamente pós-independência, quer pós SEF, nada têm a ver com os modelos tradicionais das economias capitalistas, monista ou dualista, ou, como alguns autores ou algumas literaturas os denomina, modelo anglo-saxónico e o da Europa Continental. O modelo que ainda hoje influencia a governação das sociedades é, em meu entender, o modelo de inspiração socialista, de propriedade do Estado. Portanto, é assim que as empresas do sector empresarial público são todas governadas na base de gestão unipessoal (o chefe máximo é que manda).
As transformações que vão ocorrendo no mundo, particularmente, com a derrocada do bloco socialista, encetaram-se reformas, que começaram com o SEF, como já referi acima. Acresce-se o desaparecimento de grande porção de empresas confiscadas e/ou nacionalizadas nos termos da Lei n.º 3/76, de 3 de Março, sendo que algumas faliram, porque foram redimensionadas e alienadas para pessoas que nada conheciam do negócio, ou do propósito para a qual a empresa havia sido criada. Outras foram açambarcadas no conflito que deflagrou a seguir as eleições de 1992. Entretanto, nos últimos 3 anos, vêm emergindo um dinamismo empresarial, mesmo que ainda insuficiente para impulsionar o crescimento económico, digno de realce. Portanto, importa reflectir: Como é que estas empresas são governadas? Qual é o modelo predominante de governação dessas novas empresas? Regra geral, os falhanços corporativos que se vão assistindo por todo o lado estão associados a violação das boas práticas de governação corporativa.
Track (2019) define governação corporativa como um sistema de regras, práticas e processos pelos quais uma empresa é dirigida e controlada. Estabelecer e implementar estas práticas implica equilibrar os interesses das diversas partes interessadas (stakeholders) de uma empresa, incluindo: funcionários, accionistas, gestores, clientes, fornecedores, credores, diversos níveis de governo (municipal, provincial e central), e as comunidades onde essas empresas estão inseridas. Este conceito está em linha com o que Mayer (2024), em capitalismo e crises, refere que as empresas são criadas para resolver um dado problema da sociedade, obtém lucros oferecendo produtos ou serviços que solucionam os problemas, e não para criar problemas, e assim obter lucro à custa dos problemas que cria para a sociedade. Por isso, implica que a governação das empresas, no mundo contemporâneo, seja participativa, não seja da responsabilidade exclusiva dos executivos dessas empresas. Aqui reside a principal diferença entre o modelo monista e o dualista.
O critério definidor do modelo de governação é a estrutura do conselho de administração, se é mono (one tier) conselho, ou duo (two tiers) conselho. No modelo monista existe apenas um único conselho de administração, em que o presidente do conselho (chairman) é o mesmo presidente do conselho executivo (Chief Executive Officer-CEO), quem dirige as operações também acumula a função de supervisão. Já o modelo dualista há uma separação entre a função executiva e de supervisão, o presidente do conselho executivo apenas se ocupa de executar a missão e a estratégia definida pelo conselho de administração. O Conselho de administração dualista é composto por administradores não executivos e outros independentes. Enquanto o conselho de administração monista é constituído por administradores executivos (os C-suits), não executivos e independentes. O conselho de administração é o órgão incumbido de definir o propósito, a visão estratégica da empresa, estabelecer os objectivos, enquanto o conselho executivo, tal como o nome indica, encarrega-se de executar a visão da empresa. Vai havendo a discussão de qual dos modelos melhor se ajusta ao contexto angolano.
O primeiro aspecto a ter em conta que é o modelo monista ou anglo-saxónico está assente no direito comum, enquanto o dualista é suportado pelo direito civil, o romano-germânico. Mas, essencialmente, no modelo monista, o foco está em satisfazer as aspirações do detentor do capital, o accionista. Enquanto o modelo dualista tem a inclusão dos interesses de todos os interessados (stakeholders) na empresa, que na base do conceito de Cadbury (1992), a que fiz referência num artigo anterior, publicado a 30 de Maio do corrente ano, neste espaço, a empresa tem cada vez mais um carácter social, não tem que ver só com a obtenção do lucro, antes perseguir o lucro, mas de forma a não criar problema à sociedade. A actividade empresarial tem sempre as externalidades positivas, mas também negativas que afectam as comunidades onde operam, os interesses dos trabalhadores, os clientes, os credores, o Estado, enfim, uma infinidade de entidades, que devem ser tidos em conta, para o bem-estar colectivo. A resposta à minha questão inicial, se no actual contexto de Angola, qual o modelo que melhor se ajusta? A resposta depende do tipo de empresa. Para as empresas do Estado, sem sombra de dúvidas iria para o modelo dualista, mas, essencialmente, conceder uma efectiva autonomia e responsabilização dos órgãos sociais, quer pelos êxitos, quer pelos fracassos. Para as empresas privadas geridas pelos seus fundadores, certamente, o modelo que melhor se ajusta é o monista, pois o risco não estará na assimetria de informação entre o agente e o principal. O risco estará no facto de que com o alargar da dimensão da empresa, as decisões estratégicas devem ter um filtro maior, não podendo assentar apenas na cabeça dos donos. O sector financeiro bancário, a meu ver, cujas empresas são as mais bem organizadas do País, nos termos da Lei n.º 14/21, de 19 de Maio, Lei do Regime Geral das Instituições Financeiras, predomina o modelo dualista. Por conseguinte, sou pelo modelo dualista porque o equilíbrio é necessário quando se trata de decidir sobre o interesse de um grande número de entidades interessadas na empresa, que não são apenas os accionistas. Da mesma forma como temos de cuidador bem das famílias individualmente para termos uma sociedade saudável, temos também de saber governar as nossas empresas, pois são o prelúdio de uma economia saudável.
* Economista

Bibliografia consultada;
Mayer, Colin (2024). Capitalism and Crises - How to Fix Them. Oxford Press, UK.
Chonoperekweyl, Justine, (2018). Notion Press, India.
Lei n.º 1/04, de 13 de Setembro, Lei das Sociedades Comerciais.
Lei n.º 3/76, de 3 de Março, Lei sobre Nacionalização de Empresas e Outros Bens.
Lei n.º 11/88, de 9 de Julho, A Lei de Bases do Sector Empresarial Público (-SEP).
Lei n.º 14/21, de 19 de Maio, Lei do Regime Geral das Instituições Financeiras.Lei n.º 17/77, de 15 de Setembro, Lei que definiu as formas de organização e gestão das empresas estatais.