Um dos indícios está relacionado com o facto de a lei orçamental anual permitir, à margem do que a Lei do Orçamento Geral do Estado estabelece (a Lei n.º 15/10, de 14 de Julho, com a revisão feita pela Lei n.º 24/12, de 22 de Agosto - que é a lei balizadora das leis orçamentais anuais), que o poder executivo altere o OGE em execução sem o escrutínio da Assembleia Nacional. A Lei do OGE apenas permite que a lei orçamental anual inclua autorização legislativa para o poder executivo aprovar "créditos adicionais" nas formas de "créditos suplementares" - que se traduz na elevação do limite de uma despesa inscrita no OGE - e de "créditos extraordinários" - que se destinam a atender despesas urgentes e imprevistas, decorrentes de guerra, perturbação interna ou calamidade pública, o que pressupõe que não possam ser, à partida, inscritas no OGE. E para a aprovação de "créditos adicionais" na forma de "créditos especiais" - quando se destinam a fazer face a despesas sem dotação orçamental específica, portanto não inscritas no OGE -, assim como de quaisquer "créditos suplementares" cuja autorização não esteja incluída na lei orçamental anual, a Lei do OGE dispõe que o poder executivo deva solicitar as devidas autorizações legislativas específicas à Assembleia Nacional. Portanto, como regra, a abertura de "créditos adicionais" - suplementares ou especiais - carece de autorização prévia da Assembleia Nacional porque introduzem alterações ao OGE antes por si aprovado, mas só para a abertura de alguns "créditos suplementares" (de despesas já inscritas no orçamento) é que a lei orçamental anual pode prever autorizações específicas ao Presidente da República; para os "créditos extraordinários", dado o carácter das despesas que visam cobrir, a referida lei estabelece que o Presidente da República os abra e dê imediato conhecimento à Assembleia Nacional (cf. o Artigo 26.º da Lei do OGE). Assim fica assegurado "freio e contrapeso". Contudo, desde o OGE de 2014 que as leis orçamentais anuais têm vindo a incluir disposições que vão além de meras "...autorizações específicas ao Presidente da República para abrir créditos suplementares". Assim é que, na Proposta do OGE 2022, no seu "Artigo 3.º - Regras básicas", se podem encontrar as seguintes disposições (cf. em https://www.ucm.minfin.gov.ao/cs/groups/public/documents/document/aw4x/nzcy/~edisp/minfin1772231.pdf): "Para a execução do OGE 2022, o Presidente da República, enquanto Titular do Poder Executivo, é autorizado a: (...) c) Proceder aos ajustes, sempre que necessário, nos valores inseridos nas peças constantes do artigo 2.º da presente lei, com vista à plena execução das regras orçamentais, mormente a unicidade e a universalidade; d) Ajustar o orçamento para suplementar despesas autorizadas, quando ocorrer variações de receitas, por alterações da taxa de câmbio utilizada; e) Inscrever novos projectos de significativa importância para o alcance dos objectivos do Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022, com fonte de financiamento assegurada, e por contrapartida de projectos de baixa ou nula execução; f) Ajustar o orçamento dos órgãos para suplementar despesas necessárias para a utilização de desembolsos correspondentes; g) Ajustar o orçamento dos órgãos para suplementar despesas necessárias para a utilização de desembolsos correspondentes a doações não previstas, ou a um aumento da receita tributária petrolífera; ..." Atente-se que as peças constantes no artigo 2.º a que a alínea c) do Artigo 3.º faz referência consubstanciam o OGE, pois a Artigo 2.º dispõe que: "Integram o OGE 2022, os quadros orçamentais seguintes: a) Resumo da Receita por Natureza Económica; b) Resumo da Receita por Fonte de Recursos; c) Resumo da Despesa por Natureza Económica; d) Resumo da Despesa por Função; e) Resumo da Despesa por Local; f) Resumo da Despesa por Programa; e g) Dotações Orçamentais por órgãos." Ora, as disposições das alíneas d) e f), assim como da alínea g) no que respeita às doações - todas do Artigo 3.º - enquadram-se nas "...autorizações específicas ao Presidente da República para abrir créditos suplementares". Já as disposições das alíneas c) e d), assim como a da alínea g) no que respeita ao aumento da receita tributária petrolífera, quando tomadas em conjunto, traduzem-se na possibilidade de o Executivo alterar completamente o OGE sem o escrutínio da Assembleia Nacional. De resto, a disposição da alínea e) - que demandaria autorização da Assembleia Nacional para abertura de "crédito especial" - denuncia insuficiências do processo de elaboração e execução do OGE, ao suscitar as seguintes questões: se os novos projectos são "de importância significativa para o alcance dos objectivos do Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022", sendo inseridos no OGE preterindo-se os que já estavam orçamentados, então pode concluir-se que estes não eram prioritários; mas se assim é, por que razão terão sido orçamentados em prejuízo dos agora "novos projectos de importância significativa para o alcance dos objectivos do Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022"? De outro modo, se a nula ou baixa execução fosse consequência da falta de financiamento, então o financiamento garantido que faculta a inscrição dos novos projectos deveria ser afectado aos projectos que já se achavam inscritos no OGE... Outro dos indícios é o facto de se ter inscrito na proposta do OGE 2022 verba para o pagamento de atrasados no montante de cerca de Kz 421,94 mil milhões como se de despesa do ano de 2022 se tratasse. Esse facto constitui tecnicamente um erro e juridicamente uma ilegalidade, além de enviesar os dados das contas públicas. Do ponto de vista técnico, tal montante de despesas deveria ter sido reconhecido (registado) nos exercícios em que as despesas ocorreram e, não tendo sido pagas, a sua regularização no exercício de 2022 deveria ser tratada como uma operação financeira; i. e., como o tratamento dado ao pagamento da dívida titulada ou contratualizada. Mas o reconhecimento de tais despesas nos exercícios em que ocorreram pressupunha que nos orçamentos respectivos houvesse verba para o efeito ou, não tendo havido, a admissão de terem sido realizadas despesas à margem do OGE e do limite nele fixado; portanto a admissão de uma ilegalidade. Note-se que, com o tratamento adequado dos atrasados, o montante para o serviço da dívida na proposta orçamental corresponde a 53,2% do total de recursos. A acumulação de atrasados de pagamentos internos, que se vai tornando, entretanto, num problema "eterno", é consequência da ocorrência de desorçamentação ou da "orçamentação consciente" de atrasados, consubstanciado no seguinte: (i) a aprovação de orçamentos anuais não financiados integralmente ou com hiato de financiamento; e (ii) a fixação de limites de despesas abaixo dos compromissos existentes em atenção apenas às metas macroeconómicas. De resto, no discurso sobre o "Estado da Nação" o Presidente da República referiu que o excedente da receita em 2021, como resultado de um preço médio de exportação de petróleo bruto superior ao antecipado, seria utilizado, entre outros fins, para "...garantir um reforço orçamental para a execução de projetos do Programa de Investimentos Públicos enquadrados no OGE 2021 mas que não têm fonte de financiamento garantida... ". Os dois indícios identificados evidenciam a existência de problemas com o funcionamento dos mecanismos de "freios e contrapesos" - que asseguram a separação de poderes - e com a observância do primado da Lei e, logo, com a natureza de Estado de Direito da República de Angola. Quanto à apresentação, nota-se que, não obstante o Relatório de Fundamentação da Proposta do OGE 2022 referir que a proposta contém "...a estimativa de todas as receitas a arrecadar pelo Estado e fixa o limite de despesas autorizadas para todos os serviços centrais, institutos públicos e órgãos locais, fundos autónomos e segurança social, em respeito aos princípios da unidade e da universalidade do OGE.", falta clareza relativamente aos fluxos da Segurança Social e dos Serviços e Fundos Autónomos. Os fluxos destas entidades deveriam ser apresentados, não só na forma consolidada integrados no OGE com os fluxos da administração directa central e local, mas também de forma separada e, no caso dos serviços e fundos autónomos, no detalhe de cada um deles e todos, o que é uma responsabilidade do IGAPE. Relativamente aos fundos - pretensamente autónomos - não figuram na Proposta do OGE 2022, sem prejuízo de outros eventuais, o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Agrícola (FADA), o Fundo de Garantia de Crédito (FGC), o Fundo Activo de Capital de Risco Angolano (FACRA), o Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND) e o Fundo Soberano de Angola (FSDEA). Mas é a esses fundos e às empresas públicas que se destinarão os cerca de Kz 522,44 mil milhões de "Transferências de Capital" (entretanto mal classificado, dado tratarem-se, de facto, de "Aplicações Financeiras") e os cerca de Kz 49,46 mil milhões de "Aplicação em Activos Financeiros", valores inscritos nas Unidades Orçamentais "Encargos Gerais do Estado" e "Reservas Orçamentais". A proposta tem inscritas, contudo, verbas para o Fundo de Fomento Habitacional (FFH), o Fundo de Apoio Social (FAS), o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento da Indústria Pesqueira (FADEPA), o Fundo de Desenvolvimento do Café, o Fundo do Projecto Coca-Cola (FPCC), o Fundo Nacional do Ambiente, o Fundo Rodoviário e Obras de Emergência e o Fundo de Apoio à Juventude e ao Desporto, num montante global de cerca de Kz 75,24 mil milhões, estando todos eles tratados, indiscriminadamente - o que parece questionável e evidencia a existência de dois pesos e duas medidas -, como fundos personalizados e entidades do Sector Público Administrativo.

De resto, falta igualmente na proposta orçamental a explicitação e demonstração dos fluxos financeiros do Estado com o Sector Público Empresarial na forma consolidada e detalhada de cada uma e todas as empresas, também um responsabilidade do IGAPE.

Economista*