As receitas dos recebimentos da Concessionária Nacional correspondem aos valores que esta recebe, em nome e a favor do Estado angolano, do petróleo que cabe a este nos Contratos de Partilha de Produção, enquanto titular dos recursos naturais concessionados; i. e., é a renda paga ao Estado pelas companhias petrolíferas pelo direito de explorarem petróleo bruto ao abrigo daqueles contratos. E tal petróleo é designado petróleo-lucro porque é uma fracção do petróleo produzido remanescente depois de as companhias descontarem a parte que se destina à recuperação dos custos dos investimentos (petróleo-custo), no quadro dos Contratos de Partilha de Produção.

O facto é que até o ano de 2019, altura em que a função concessionária foi transferida para a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANPG), a SONANGOL, E.P. sempre reteve a receita dos recebimentos da concessionária no limite dos 10% e nunca observou a exigência de discriminação das despesas ora referidas, cujo espírito era assegurar-se que tivesse retido, de facto, apenas os montantes necessários à cobertura dos custos efectivamente incorridos pela concessionária nacional. Por outro lado, a Autoridade Tributária também nunca se dignou em demandar a observância da lei.

Nos seus relatórios e contas, a SONANGOL, E.P. referia que era política financeira corporativa a exclusão dos valores que retinha da Receita da Concessionária (petróleo-lucro do Estado) dos resultados distribuídos porque "não tributáveis e não distribuíveis". O que acontecia, na verdade, é que a retenção de exactamente 10% das receitas de recebimentos da concessionária excedia largamente o valor das despesas indispensáveis para a supervisão e controlo das suas associadas e das operações petrolíferas, de modo que a companhia se dava ao luxo de contabilizar tal excesso como lucro, considerando esse lucro como "não tributável e não distribuível".

Em rigor, a alegada não "tributabilidade" e não "distributibilidade" decorria do facto de o mesmo não constituir, de facto, lucro da empresa, mas, antes, receitas entregáveis ao Estado e de que este se via privado.

Não fosse a omissão da Autoridade Tributária, como é de lei, a companhia seria obrigada a apresentar os dados das despesas efectivamente incorridas, estes seriam submetidos à auditoria e os valores retidos em excesso sobre as despesas indispensáveis recolhidos aos cofres do Estado. A omissão histórica da Autoridade Tributária, entretanto, pode ser compreendida no contexto da falta de vontade política então.
Afinal a SONANGOL, E.P. e as receitas petrolíferas constituíam, respectivamente, agente e fonte da designada política de "acumulação primitiva de capital", que se traduzia na apropriação privada de fundos públicos para benefício individual. De resto, a disponibilidade de tais recursos permitia também à empresa a acomodação, por anos a fio, de negócios inviáveis - por isso não rentáveis e insustentáveis - de várias subsidiárias, que se constituíram, elas próprias, também, em fontes de apropriação privada de recursos públicos.

Note-se, por exemplo, que a empresa referia nos seus relatórios e contas ter recapitalizado as subsidiárias com recurso aos saldos credores da SONANGOL, E.P. sobre aquelas e no limite do capital estabelecido para cada empresa subsidiária, reconvertendo os montantes eventualmente excedentes, numa base contratual, em suprimentos. Mas, conforme os montantes das prestações de reembolso foram vencendo, as subsidiárias não as pagavam, e a SONANGOL, E.P. foi convertendo-as em novos suprimentos; i. e., foi rolando indefinidamente a dívida das subsidiárias...

No que constituiu uma fuga para a frente, a partir do Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2014 - eventualmente induzido pelo choque do preço do petróleo bruto ocorrido nesse ano (com uma queda de cerca de 48,4%) e pela queda tendencial da produção que se vinha verificando desde o ano de 2008 (desde então e até o ano 2020 a produção média diária caiu cerca de 35,6%) - as leis orçamentais anuais passaram a incluir uma disposição em que a taxa de retenção da receita proveniente dos recebimentos da Concessionária Nacional era fixada em até 7% - depois reduzida a partir de 2018 para até 5% -, mas com o valor calculado com base no preço médio do petróleo bruto assumido nas projecções da receita do OGE (preço de referência fiscal).

Com a assumpção da função de Concessionária Nacional pela ANPG em 2019, o quadro não parece se ter alterado, embora a acção da Autoridade Tributária em termos de verificação das despesas incorridas na supervisão e controlo das companhias e das operações petrolíferas esteja mais facilitada, uma vez que quase todos os custos operacionais da ANPG podem ser imputados àquela acção, dado que a produção relevante de gás ainda está associada à produção petrolífera e a actividade no domínio dos biocombustíveis é, no momento, negligenciável. Com essa perspectiva e olhando para a contas da ANPG de 2020, tem-se que a instituição reteve em 2019 o equivalente a cerca de 228 milhões de dólares americanos, contra custos operacionais de perto de 100 milhões de dólares, enquanto em 2020 a retenção foi do equivalente a cerca de 143 milhões de USD, para custos operacionais de cerca de 131,5 milhões USD.

Portanto, em dois anos ficaram por recolher aos cofres do Tesouro Nacional cerca de 139,5 milhões de dólares da Receita da Concessionária. (Do lado da SONANGOL, E.P. nota-se, nos últimos anos, que a companhia se vem confrontando com a degradação sucessiva dos seus resultados, no que será determinante a perda dos excedentes sobre os custos com a supervisão e controlo das então suas associadas e das operações petrolíferas sobre as retenções que fazia de 10, 7 ou 5% da Receita da Concessionária.) Importa referir, contudo, que a ANPG estará a contabilizar erradamente tal retenção dos 5% da Receita da Concessionária como "Receita de Vendas", quando, na verdade, constitui um recebimento pela prestação de um serviço ao Estado, cujo valor este contabiliza no OGE como uma despesa, já que o rigor da contabilidade demanda que registe a receita da concessionária em 100% nas suas contas.

Então, ou bem a Autoridade Tributária assegura que sejam retidos apenas os valores suficientes para a cobertura das despesas nos termos definidos na lei, demandando assim que as mesmas sejam explicitadas, ou deve promover a revisão da lei para acomodar-se a situação vigente. Mas nada justifica que se retenham fundos do Tesouro Nacional além do que é estritamente necessário, ficando este privado de importantes recursos para atender às funções do Estado.