Tais férias, ocorridas num momento em que a popularidade de Lourenço dentro e fora de portas estava em alta, foram avaliadas por analistas moçambicanos como "sinal de aproximação" e o "quebrar do gelo" na relação histórica entre os dois países e partidos irmãos que sempre caminharam juntos nos processos de Libertação.
Países e partidos (MPLA e FRELIMO) que se uniram na luta contra o colonialismo português, na criação da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), na Linha da Frente, na fundação da SADC e na luta contra o inimigo comum, o regime de Apartheid da África do Sul.
Entre o final do ano passado e início deste, Lourenço, também presidente em exercício da SADC, e uma comitiva de várias dezenas de veraneantes, passaram dez dias de férias milionárias nas paradisíacas ilhas Seychelles.
Das férias nas Seychelles, membro da SADC, não há qualquer registo de encontro de cortesia entre o PR angolano e o seu colega Wavel Ramkalawan, no Poder desde 2020, depois de derrotar o Presidente em final de mandato, Danny Faure, do Partido Popular, antigo partido único, que governou o País durante 40 anos.
Apesar de as relações de Angola com as Seychelles estarem muito longe do patamar do relacionamento entre Luanda e Maputo, torna-se difícil compreender que a presença do presidente pro tempore da SADC naquele arquipélago do Índico, mesmo que de férias, tenha sido ignorada pelas altas autoridades locais.
Essa atitude do pastor anglicano Ramkalawan, que não encontrou tempo na sua agenda para saudar o líder da organização que impulsiona o desenvolvimento da sua região, é sintoma de distanciamento político e programático entre as partes.
Cinco anos depois das férias em Bazaruto, Angola deu uma monumental cambalhota em termos de política externa e manifesta, em várias situações, estar do lado oposto a posições de países da região.
Desse desalinhamento, destaque para a adesão de Angola ao "apartheid de viagens" (expressão de António Guterres, secretário geral da ONU) contra sete países da SADC, e, por outro lado, uma maior subserviência vassalar aos ocidentais, nomeadamente Estados Unidos e outros, incluindo Israel.
Em obediência aos países ocidentais que tinham proibido viagens à Africa Austral devido à descoberta pela África do Sul da variante Ómicron da Covid-19, o Governo de João Lourenço isolou a Namíbia e o Botswana (com fronteiras com Angola), África do Sul, Moçambique, Zimbabwe, Eswatini e Malawi.
Na ocasião, numa reacção dura, o Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, considerou que os países africanos que aderiram ao "apartheid de viagens", incluindo Angola, agem "como os antigos colonizadores".
O citado distanciamento das Seychelles em relação ao Poder angolano é também observável em outros membros da SADC e da Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC), integrada por Angola, Burundi, Camarões, Congo, Guiné Equatorial, Gabão, Ruanda, São Tomé e Príncipe, República Centro-Africana e República Democrática do Congo, Tchad.
Há três meses, evocando razões de "agenda", João Lourenço cancelou in extremis uma visita de Estado que devia efectuar a África do Sul, "a convite" do Presidente Ramaphosa.
Inicialmente agendada para 7 de Novembro último, a seguir remarcada para dois dias depois, a deslocação seria a primeira visita de Estado do sucessor de José Eduardo dos Santos a África do Sul desde que Ramaphosa é inquilino do Union Buildings, palácio presidencial sul-africano.
A justificação, alegando razões de agenda para o adiamento, em cima da hora, de uma visita de Estado, geralmente preparada com antecedência e ao pormenor, sobretudo num País como a África do Sul com uma diplomacia eficiente, parece patética.
De assinalar, que, três meses antes, em Agosto, apesar de convidado por Ramaphosa, o Chefe de Estado angolano "fugou" à Cimeira dos BRICS, de Joanesburgo, em que participaram outros líderes regionais, nomeadamente do Malawi, Moçambique, Namíbia, Tanzânia, Zâmbia, Congo-Brazzaville, Burundi, Guiné Equatorial, Ghana, Senegal, Eritreia, República Centro Africana, entre outros.
Entretanto, em meados de Janeiro deste ano, Angola responsabilizou o Gabão por um alegado ataque à residência do presidente da Comissão da CEEAC, Gilberto Veríssimo, de nacionalidade angolana, fazendo subir de tom a escalada de tensão nas relações entre os dois países.
Em comunicado, o Ministério angolano das Relações Exteriores escreveu que "Gilberto Veríssimo viu a sua residência invadida por homens armados e fardados, de nacionalidade gabonesa, que o molestaram psicologicamente, enquanto vasculhavam os compartimentos da sua residência".
O comunicado, sem detalhes sobre o procedimento usado para aferir da nacionalidade dos "invasores", é interpretado na região como possível encenação de Angola, para pressionar os Estados da CEEAC a apoiarem a sua exigência de retirada da sede da organização de Libreville.
Angola é o único País da CEEAC que insiste nas sanções contra a junta militar que afastou Ali Bongo do Poder, através do golpe de Estado de Agosto, acabando com a dinastia Bongo que governou durante mais de 50 anos.
Por causa desse seu afã de punição de Libreville, Lourenço sentiu-se forçado a abandonar a Cimeira da CEEAC em Djibloho, Guiné Equatorial, em Dezembro, convocada pelo anfitrião Teodoro Nguema para avaliar a situação no Gabão com a participação do líder da Junta Militar gabonesa, general Brice Oligui Nguema.
Antes do encontro de Djibloho, Brice Nguema deslocou-se a todas as capitais dos países membros, excepto Angola, por recusa de Lourenço, para informar directamente aos chefes de Estado sobre a situação e os planos para transição no Gabão.
Para vincar a sua oposição às novas autoridades gabonesas, a Embaixada de Luanda em Libreville recusou-se a substituir a fotografia de Ali Bongo pela de Brice Nguema. Em retaliação, as autoridades de Libreville declinaram o convite para participar na cerimónia oficial de comemoração da Independência de Angola, organizada pela Missão Diplomática de João Lourenço.
A intransigência de Angola em aceitar um golpe consumado e com apoio popular pode ser explicada pelas relações muito próximas entre Lourenço e Ali Bongo, e também pela vontade de evitar a normalização deste tipo de mudança política, bem como impedir que o "crime compense" e se alastre.
Desde a chegada ao Poder de João Lourenço, um general formado na antiga União Soviética, Angola tem-se afastado de aliados históricos, como a Rússia, e de causas que outrora abraçava sem tibieza como a solidariedade com o Povo palestiniano, vítima do apartheid praticado por Israel.
Na queixa contra Israel pelo genocídio dos palestinianos da Faixa de Gaza, Angola, que já foi "trincheira firme da Revolução em África" e cujo Hino Nacional mostra um Povo "solidário com os Povos oprimidos", distanciou-se do País de Mandela.
Se em 2018, as férias em Bazaruto, davam sinais de aproximação e vontade de reforçar as relações com Moçambique, hoje, os comportamentos políticos dos dois lados demonstram um esfriar de relações entre Luanda e Maputo, sobretudo desde o "apartheid de viagens".
Para Março de 2022, esteve programada uma visita de Estado do Presidente angolano a Moçambique que, passados quase dois anos, ainda não aconteceu.
Por seu turno, Filipe Nyusi, primou pela ausência nas cimeiras de Luanda, da CPLP (Julho de 2021) e da SADC (Agosto de 2023), mandando em seu lugar, Verónica Macamo, ministra dos Negócios Estrangeiros.
No entanto, o Presidente moçambicano, visitante regular de países africanos, entre Maio e Junho de 2022, num périplo pelo continente que incluiu o Ghana, fez uma escala técnica muito perto de Luanda, em Brazzaville, para dar um abraço ao seu "irmão" Denis Sassou Nguesso, antes da visita oficial à Guiné Equatorial para encontros com Teodoro Nguema.
Diferentemente de João Lourenço que manifesta vontade de punir ad aeternum os golpistas, Nyusi considera as "mudanças inconstitucionais de Governos" em África como "desafiantes" para todo o continente.
De notar ainda que, para espanto de países africanos como a Argélia, Nigéria, Guiné Equatorial, Congo, entre outros, mas para gáudio de Washington, Angola saiu da OPEP em Dezembro, mostrando que segue em sentido contrário da História, tal como o ditador Salazar que, em 1965, pressionado pela Comunidade Internacional para libertar as colónias, disse que os militares coloniais portugueses em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique combatiam "orgulhosamente sós".