Na biografia de Eduardo dos Santos, do nascimento no bairro Sambizanga em 28 de Agosto de 1942 passa-se logo para o Liceu Salvador Correia em Luanda, onde fez o ensino secundário, certamente na adolescência.
Essa lacuna foi muitas vezes aproveitada pelos seus adversários e detractores para engendrarem campanhas políticas e ataques de carácter, pondo em causa as suas origens, lançando boatos sobre a sua naturalidade e insinuações de que teria nascido fora do território angolano.
Fruto das divisões e desuniões, antagonismos e indisponibilidade para o diálogo por parte dos protagonistas do processo de libertação nacional, a política angolana está eivada de desconfianças, incongruências, inverdades, opacidades e atentados à transparência e lisura.
É assim que no País se tornou comum ou mesmo banal a mentira ou empolamento de dados, como elemento central de biografias, intervenções ou processos políticos com o deliberado objectivo de enganar as instituições e os cidadãos angolanos.
Falsificação geralmente feita pelos próprios políticos ou directórios dos partidos políticos onde está instalada a mania das grandezas, de criação de políticos sobredotados, de rara inteligência ou mesmo super-heróis e nunca cidadãos comuns que se ocupam da política.
Para superlativar os políticos, no País que adoptou a "doutoromania" como modus operandi , tornou-se normal apresentá-los como indivíduos cheios de títulos académicos, associando, dessa forma, tais títulos à competência e inteligência políticas.
Algumas dessas práticas estão tão naturalizadas e feitas com um amadorismo tal que os políticos e suas tribos nem sequer se dão ao trabalho de conferir a consentânea entre os diferentes dados e entre esses dados e a realidade nacional ou mundial do período em referência.
É assim que se encontram em biografias dados de duvidosa credibilidade, como uma licenciatura e mestrado feitos em menos de quatro anos, na antiga URSS, nas décadas de 70/80, do século passado, numa altura em que as licenciaturas eram feitas, em média, em cinco anos.
Quem quer ser Presidente ou vice-presidente de Angola tem de se submeter ao voto popular, por isso deve aceitar o sufrágio do seu comportamento, incluindo a análise dos dados sobre a sua trajectória e perfil político.
A mesma exigência de lisura nos dados dos candidatos a Presidente deve ser extensiva aos outros membros das listas às eleições gerais, nomeadamente ao número dois, sobretudo porque em caso de impedimento do Chefe de Estado, a liderança do País é assumida pelo(a) vice presidente, um cargo eminentemente político e um dos mais importantes do País.
Assim, seria falta de seriedade se na eleição para os principais cargos políticos do País, os candidatos e suas organizações optassem pela omissão ou camuflagem de dados básicos, como entre outros a idade, a infância, a família, as escolas dos políticos concorrentes.
Dados fundamentais para avaliar o processo de socialização da pessoa e, consequentemente, para a construção do perfil político e análise da credibilidade das informações fornecidas ao eleitorado.
Tratando-se de um lugar estritamente político, o curriculum académico, sendo importante, é manifestamente insuficiente para avaliação das qualidades políticas e, por isso, torna-se inaceitável que seja apresentado ao eleitorado como o elemento central de proposta de candidatura.
Liderar um País é sobretudo tomar decisões políticas que decorrem sempre do perfil político do indivíduo, por isso, usar apenas o curriculum académico como rampa de lançamento para alcançar o topo da hierarquia do Estado, parece uma tentativa de passar um atestado de menoridade ao eleitorado.
Integrar ou não o País em determinada organização regional ou internacional, declarar ou não guerra, apoiar ou não beligerantes, alterar ou não o tipo de regime político, são questões que dependem sempre da visão, das posições programáticas do líder, conhecimento indispensável para um voto informado.
Essa clareza contribui para combater os falsários, os populismos e os vendedores de banha da cobra que prosperam mais facilmente em processos políticos baseados em secretismo, opacidade ou falta de transparência.
E a clareza impõe-se ainda mais quando se está perante um País onde a palavra de políticos, incluindo das lideranças, entrou em descrédito completo, não só devido a uma prática contrastante com o que é teorizado, incluindo constitucionalmente, mas, sobretudo, resultado das constantes inverdades de gente que "mente como respira".
Num País em que o mais solene dos discursos, sobre o Estado da Nação, inclui dados falsos que poucos minutos depois são desmentidos por cidadãos mais directamente atingidos por essas inverdades ou por um ministro do próprio Governo, sem que o autor das inverdades se digne a pedir desculpas à Nação, para a credibilização da política a transparência tem de ser obrigatória.
Esse País precisa de um rigoroso código de conduta para candidaturas e desempenho de funções políticas e públicas a todos os níveis como um passo para o combate à falsidade de políticos e instituir o respeito pelo soberano, o povo.
Ataque à falsidade institucional que deve fazer parte do combate à corrupção política, a mãe de todas as corrupções, onde se inclui a burla política e a fuga à decência e transparência políticas. Sem essa luta, qualquer combate à corrupção não passará de "conversa para boi dormir".
Num País onde até datas sobre a fundação de partidos políticos e de actos de bravura heróica estão envoltas em contradições e polémicas, impunha-se que os líderes políticos fossem exemplares no que à transparência diz respeito para evitar que a trapaça se transformasse em norma.
Numa sociedade demasiado politizada e onde o quotidiano dos cidadãos está muito dependente de decisões tomadas pelos políticos, torna-se impreterível evitar o defraudar das expectativas das populações por causa de engenharias de linguagens que desembocam em intrujice e vigarice.
Nesse País em que a liderança política não se submete ao regular escrutínio democrático de outros poderes ou dos media, e se permite que, em nome de todos, assine acordos no estrangeiro, sem dar qualquer explicação sobre as vantagens e, sobretudo, as desvantagens desses acordos, é necessário conhecer o perfil político dos candidatos para que o soberano possa identificar e evitar os vende-pátria.
Num País em que o detalhe sobre a dívida externa está transformado em segredo do Poder, é imperioso que o perfil do político seja público para permitir ao eleitorado perceber e avaliar da sua propensão para contrair empréstimos para gastos supérfluos bem como o modelo de desenvolvimento a adoptar e os aliados para essa missão.
O perfil académico, muito útil para cargos na Academia ou tecnocráticos, não define as opções políticas dos líderes ou governantes. De nada importa saber botânica ou zoologia, se o político se mostra incapaz de ler, interpretar e traduzir para políticas públicas os anseios dos cidadãos e com isto "Resolver os Problemas do Povo".
E exemplo de que não é preciso ter currículo académico para ser bom político existem muitos, como o de Lula da Silva, um operário metalúrgico, que tirou milhões de brasileiros da pobreza e criou condições para um Brasil menos desigual, fruto dos seus ideias que nunca escondeu e soube pôr em prática quando ocupou o Palácio do Planalto.
Conhecer os ideais políticos dos candidatos serve também para evitar aquilo que o Graça Campos, em tempos, denunciou em relação ao jornalismo angolano quando escreveu que o país tem jornalistas premiados, como adidos de imprensa, de que não se lhe conhece uma única ideia.
Se é grave promover um jornalista acéfalo, é muito perigoso colocar no alto caldeirão do Poder alguém de que não se lhe conhece uma ideia política.
Angola não deve repetir esse erro em relação aos políticos, elegendo para cargos da maior responsabilidade política candidatos que empolam ou escondem dados fundamentais como idade, origens, formação e trajectória, porque assim estará a institucionalizar a corrupção como cultura política.