O contágio também pode ser indirecto, como acontece com apoiantes ou integrantes de manadas de acompanhantes das estruturas partidárias. Contrariamente à via anterior, o contágio por via indirecta não implica necessariamente militância activa. Geralmente, dá-se na sequência de contactos e apoio a fundamentalistas primários.
Impedindo a construção de uma sociedade plural, assente na diversidade de opiniões, ideias e projectos políticos, o fundamentalismo ou fanatismo partidário cria o monolitismo político-partidário, atrofia a sociedade e está na base da existência de partidos-estado.
A taxa de mortalidade por fundamentalismo partidário, doença responsável pelo imobilismo, retrocesso e atraso das sociedades, é muito elevada. A patologia tem as suas impressões digitais na miséria e fome, falta de escolas, de saneamento básico, bem como de valores morais e ética republicana.
Quando o fundamentalismo partidário atinge níveis de endemia, as suas principais vítimas são a liberdade, o patriotismo, a dignidade da pessoa humana e a cidadania. O unanimismo ganha estatuto de principal estandarte, em nome de uma pretensa unidade ou coesão nacional.
Esse unanimismo, inimigo das liberdades de pensamento, artística, de expressão, de opinião, económica, política, cívica, de género e outras, passa a ser defendido pelo fundamentalista-partidário como parte integrante da cultura local, a despeito da heterogeneidade político-cultural dessa sociedade.
O fundamentalista-partidário age contra a reconciliação nacional, a estabilidade e a paz, pela partidarização do Estado e usa a intolerância política como arma de combate político, visando a manutenção do seu líder e partido no Poder.
Os fanáticos-partidários desdobraram-se em variados papéis, designadamente sipaios digitais, bajuladores, bófias e intriguistas. Praticam terrorismo mediático e digital. Cobertos pelo anonimato, criam calúnias e boatos para destruir indivíduos, organizações e carreiras.
Assumem ainda a missão de denunciador de outros membros do mesmo partido que manifestem alguma opinião discordante ou oposição ao chefe-divindade.
O fanático-partidário actua contra a independência editorial dos media de capitais públicos, que trata, naturalmente, como extensão das estruturas do próprio partido.
É também responsável pela campanha de distorção da realidade social, desencadeada por esses media que criam as chamadas realidades alternativas para manipular as populações.
O fundamentalismo partidário atinge todas as instituições do Estado, nomeadamente, a escola, a família, a justiça, assim como todos os departamentos do Estado. Os escolhidos para administrar a justiça são indivíduos com provas dadas sobre o seu fundamentalismo partidário e disponibilidade para exarar ou confirmar sentenças e outras decisões judiciais, encomendadas pela liderança do partido.
Para a nomeação de administradores e gestores de estabelecimentos de ensino básico, médio ou superior, a condição de fundamentalista-partidário tem mais peso que as habilitações e competências literárias e académicas.
No domínio da saúde, um acto humanitário, como, por exemplo, a doação de sangue, é ridiculamente convertido em iniciativa partidária. O dador surge devidamente uniformizado com as vestes do seu partido, como se a qualidade e a quantidade de sangue dependessem da filiação partidária.
Transversal e interclassista, o fundamentalismo partidário atinge todas as classes sociais, das massas às elites, particularmente, as classes média e média alta. Contudo, é na elite intelectual que a patologia social provoca mais danos irreversíveis para a credibilidade e reputação dos infectados.
Os intelectuais fundamentalistas-partidários esquivam-se da missão de problematizar e questionar criticamente as ideias, projectos e práticas políticas de quem comanda a sociedade.
O fanatismo partidário torna acéfalo, radicaliza, desumaniza e imbeciliza o seu portador de tal forma que, em nome de dogmas partidários, o fanático contribui para a sua própria desculturação, perda de identidade cultural e social.
Para esse doente social, o partido está acima do País e o líder acima do partido. Ou seja, nada no Mundo é mais importante que o líder do partido, transformado numa espécie de divindade, sem a qual a vida no País seria inviável.
Por causa desse estado patológico, o fundamentalista-partidário primário ou mesmo secundário (este último, muitas vezes usando a capa de independente) encontra qualidades no chefe do partido que os cidadãos normais não conseguem identificar.
Para o fundamentalista-partidário e a sua visão da sociedade oposta à da generalidade dos cidadãos, esse chefe-divindade é dotado de imensas qualidades e diversos poderes sobre-naturais.
Poderes e qualidades de "clarividente, sábio, visionário, dinâmico, reformador, infalível, campeão de tudo e mais alguma coisa e primeiro e melhor líder do mundo". Com tudo isso, torna-se inescrutável.
No vocabulário do fanático-partidário, um exímio propagandista, não existem expressões como mea-culpa, desculpa, perdão, arrependimento, erro, desconseguir, incapacidade, limitação ou falha do chefe-divindade.
Cegamente, mimetiza os gestos, as palavras e as orientações do chefe do partido, mesmo que estapafúrdias e bárbaras, como alienação da soberania nacional ou ordens para perseguir e eliminar fisicamente familiares e amigos que se recusam a aceitar e a seguir a cartilha da sua formação política.
Mesmo quando os dados estatísticos internos e internacionais confirmam a depauperização do Estado, os fanáticos militantes partidários, popular e sarcasticamente conhecidos por "militontos", são incapazes de reconhecer as mazelas que atingem a sociedade, bem como a responsabilidade do seu partido nesse estado.
Perante crises políticas, económicas, financeiras ou sociais e críticas ao desempenho do chefe-ídolo e do seu partido, o fundamentalista-partidário arranja sempre "inimigos internos e externos" a quem atribui as culpas pelos falhanços do partido e do respectivo presidente.
Ignorando o colectivo, encobre a incompetência, as maracutaias e falsidades do chefe e do partido de forma dogmática ou mecanizada para, com isso, lutar pela defesa do seu lugar de privilégio e por regalias materiais, pecuniárias e sociais.
Fanático-partidário que se preze é excelente bajulador ou lambe-botas, papel que desempenha em à espera de recompensa. Quanto maior for a bajulação, maior é a expectativa em relação à qualidade e quantidade da recompensa ou do prémio.
Em nome do partido e pelo partido, o fundamentalista-partidário mata sem dó, nem piedade. Física, política ou socialmente. Assassina carácter, inventando, criando calúnias, boatos, intrigas e "inventonas", contra todos os que tentam pôr em causa o seu partido, mas, particularmente o seu chefe.
Pela sobrevivência do grupo partidário, desencadeia extermínios ou genocídios, persegue cidadãos livres dentro e fora do País, principalmente, políticos, jornalistas, académicos e intelectuais.
O fanático-partidário é um ser humano insensível ao sofrimento da sua comunidade, indiferente à pobreza e fome que grassa na sociedade e, quando não responsabiliza os inimigos externos e internos pelos fracassos da governação do seu partido, atribui as culpas a catástrofes naturais, como chuvas, secas, tempestades, epidemias ou às próprias vítimas.
Mesmo quando a miséria humana atinge a sua própria família biológica, o doente afectado pelo fundamentalismo partidário continua a idolatrar o chefe como o Salvador da Nação.
Como parte dos seus deveres primordiais, o fundamentalista-partidário organiza e/ou participa em conferências, marchas ou outro tipo de manifestações de apoio ao partido, mas, sobretudo, de adulação do presidente.
Neste contexto, o fundamentalista-partidário mostra-se indiferente às práticas políticas e modelos potenciadores de pobreza e indigência ou a decisões abjectas que levem ao colapso do próprio partido, ao mesmo tempo que se bate fervorosamente pela insubstituibilidade da sua divindade partidária.
As sociedades atingidas por essa endemia, mesmo possuindo recursos, localização geográfica privilegiada e outras condições favoráveis ao desenvolvimento e prosperidade das populações, transformam-se em pedintes internacionais, vivendo da dependência e caridade externas.
O fundamentalismo partidário só pode ser extirpado de forma radical. Qualquer terapia que não passe pela remoção total da patologia, através de uma cirurgia revolucionária de alto a baixo, constitui apenas um paliativo que debela os efeitos ou consequências sem, no entanto, atacar as causas, ou seja, sem remover as raízes desse letal cancro social.