É um MPLA que face aos seus pergaminhos históricos se confronta com a missão de manter a sua longevidade. E, como sabemos, o MPLA tem sido um partido que se tem caracterizado exactamente pela capacidade de, chamemos-lhe assim, "saber durar" no tempo e no poder - não importa se as armas que use para lograr essa "durabilidade" são ou não moralmente correctos.

É, pois, neste rubicão e encruzilhada por que passa o MPLA, que Esteves Hilário entra em cena. Mas tudo isto significa, desde logo, que ele não está num pelouro e numa missão quaisquer. Está, sim, num posto com brasão e peso bastantes para trazer qualquer um em pulgas.

Embora não se saiba em concreto as razões e missão que o levaram a essa posição (algo sobre o qual apenas se podem tecer conjecturas), ele tem de provar que não está aí fortuitamente, por mero acaso. E que, mesmo sendo um "outsider", possui valor e peso específicos próprios.

Então, sejam quais forem as conjecturas tecidas, concluiremos sempre que ele terá uma missão ingente, rodeada de minas e armadilhas. Afinal, é o porta-voz de uma organização política que não estando em frangalhos, agora está, sim, feita numa manta de retalhos. Há correntes e alas que um neófito como Esteves Hilário não estará em condições de agradar a todos.

O MPLA tem vivido ao longo da sua história crises cíclicas das quais tem conseguido sobreviver, em virtude de uma certa disciplina interna e corrente de solidariedade que o caracterizam em tais momentos críticos.
Mas num contexto turbulento como o que está a passar actualmente, é natural que as atenções, de fora ou de dentro do partido, se fixem no seu porta-voz. Ele é essencialmente avaliado se será capaz de gerir as tensões que recaem sobre a organização.

Esteves Hilário tem, pois, diante de si, este grande desafio, sendo certo que, por ser um recém-chegado, grande parte do público, sobretudo entre os próprios militantes do partido, poderá manter um pé atrás e não lhe creditar tamanho arcaboiço.
Outro desafio seria o de mostrar que não será um mero pau mandado entre os grandes líderes do partido - sobretudo do seu presidente - e que será capaz de raciocinar fora da caixa em determinados momentos que não exijam rigorosa disciplina partidária.

Neste ponto particular, o seu predecessor, Rui Falcão, mostrou ser realmente um falcão ferino e não uma inócua pomba. No papel de porta-voz, conseguia ter pensamento próprio e expressá-lo, como foi o caso de alguns dos seus pronunciamentos feitos nos últimos tempos; julga-se, aliás, que podem ter beliscado fortemente o líder, João Lourenço.

Entre as conjecturas que se fazem, avança-se, regra geral, que terá desagradado a João Lourenço o pensamento de Falcão em relação a um putativo terceiro mandato.
Nesta matéria, um "outsider" como Esteves Hilário - que na verdade nem sequer "jovem turco" é - seria capaz de se posicionar, tão inequivocamente, contra um terceiro mandato, como o fez Rui Falcão?

Duvido que possa fazê-lo. Não por uma questão de fraqueza em termos de personalidade política, que nele ainda está em construção. Mas sustentado na conjectura de que seja exactamente para fazer uma defesa acérrima deste dossier (algo que em linguagem desportiva poderia ser comparável a uma aparatosa "defesa de carrinho") que Esteves Hilário foi chamado a dirigir o pelouro da informação e ser o porta-voz do partido maioritário em Angola.

E é neste ponto que se coloca sobre a mesa o ponto forte de Hilário: a sua irrecusável proficiência em matérias jurídicas, sobretudo constitucionais e administrativistas. Métier no qual esgrime bem as suas ideias, é aqui que ele pode, eventualmente, se revelar bastante útil, fazendo render as suas valências.

Ou seja, defender o líder junto da opinião pública com argumentos jurídicos consistentes caso seja necessário coser um novo fato constitucional para ele usar no decisivo sufrágio de 2027.
Em suma, apesar de ser claramente um "outsider", Esteves Hilário bem pode vir a ter, em última instância, uma missão espinhosa e de alto risco como essa.

Seja como for, finalmente, não se deve perder de vista que Albino Carlos, que deu lugar exactamente a Rui Falcão, também era um tecnocrata (para mais, especializado em comunicação) com carreira política em ascensão. Mas estes itens do seu curriculum vitae não tiveram peso nem força suficientes para impedir que fosse defenestrado quando o MPLA, e sobretudo João Lourenço, acharam que deveriam fazê-lo.
*Jornalista e sociólogo