O Dr. José Maria Neves foi a figura homenageada pela Revista Forbes Lusofonia, pelo seu empenho nas acções de responsabilidade social. Antes da homenagem, fez um discurso que me deixara bastante impressionado, ao referir-se sobre o compromisso que os políticos devem fazer quando decidem dedicar-se ao serviço público. O servidor público deve esquecer-se de si mesmo, dos seus interesses pessoais, para se dedicar aos interesses do colectivo de corpo e alma, afirmou.
Distribuídos os prémios, foi então o momento da homenagem, em que o homenageado teve o direito à palavra, tendo, de forma espontânea, descrito um pouco da sua trajectória política, desde a sua primeira candidatura, a presidente da Câmara da sua terra natal, Santa Catarina, ao actual cargo político, como Presidente de Cabo Verde. A ilustre figura afirmou que quando tomou posse, no primeiro mandato, como primeiro-ministro de Cabo Verde, perguntou-se a si próprio e agora, o que hei-de fazer? Dizia que tinha em mãos um país sem recursos naturais, de pequena dimensão, e com desafios climáticos? Como queremos que sejamos vistos nos palácios onde se tomam decisões do mundo, ou seja, em Washington, Roma, Pequim, Moscovo, etc., etc.? A resposta foi: é governar com transparência, trabalhar para consolidar as instituições democráticas, investir seriamente no maior activo do país, o capital humano. Dessa forma, faremos diferença e seremos motivo de curiosidade aí onde se tomam as decisões do mundo.
O aprofundamento da transparência e das instituições democráticas faz com que hoje Cabo Verde seja classificada como a democracia mais solida do continente africano. Tocou-me pessoalmente, pois como referi no artigo passado, sem nunca ter planeado imigrar, pelas circunstâncias momentâneas que a cidade de residência passou (Huambo), enquanto estudava no estrangeiro, fui forçado a radicar-me na diáspora, enfrentando os desafios que as minorias enfrentam na Europa e na América do Norte. A minha assunção foi a mesma, quem haverá de prestar atenção à um africano, que fala com sotaque a língua local, se não for o melhor? Aí convenci-me que para ser considerado em oportunidades de qualquer coisa que fosse naquele mundo, teria de ser o melhor. Este é o ensinamento que também passei aos meus rebentos.
O ano passado na Conferência sobre Educação coorganizada pela Academia Dona Leonor Carrinho e a Universidade Katiavala Buíla (UKB), que decorreu entre os dias 08 e 09 de Novembro de 2022, em Benguela, tive o privilégio de conhecer uma outra figura cabo-verdiana, o Dr. Victor Borges, que foi Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Educação dos Governos do Dr. José Maria Neves e fez, igualmente, uma prelecção sobre educação, de todo memorável, partilhando a experiência cabo-verdiana, de limitados recursos financeiros, mas de profundo empenho, dedicação e, essencialmente, vontade política de fazer as coisas acontecer no sector da educação.
Os dois encontros com essas duas personalidades da política cabo-verdiana vêm corroborar a minha percepção da forma séria como se faz política naquele país irmão. As duas figuras transpareceram seriedade no que fizeram, cujos resultados estão nos indicadores globais. Os resultados estão à vista, Cabo Verde deixou de ser país de baixo rendimento, passando a país de rendimento médio. O Índice Ibrahim da Governação Africana (IIAG) de 2022, coloca Cabo Verde em 4º lugar, precedida pelas Ilhas Maurícias, Seychelles e Tunísia, entre os 54 países africanos no ranking. Angola foi classificada em 40º, portanto está na cauda do ranking. Quanto ao índice de percepção da corrupção de 2022, Cabo Verde está 37º, o terceiro país africanos, só lhe antecedem o Seychelles (23ª), e o Botswana (36º), entre 188 países no ranking. Naturalmente, é também resultado do trabalho meritório dos Governos precedentes. Mas, vale referir que é a demonstração do compromisso do exercício do serviço público, servir o interesse colectivo, dos políticos cabo-verdianos.
Um aspecto que ressaltou da partilha do Dr. José Maria Neves, foi a sua experiência política que partiu da Câmara Municipal de Santa Catarina, sua terra natal. A política autárquica tem servido como viveiro de políticos, dando a possibilidade de uma base alargada de cidadãos, com qualidades para voos mais ambiciosos em política. Aconteceu com o Dr. José Maria Neves, como também com o falecido Presidente Dr. Jorge Sampaio, que foi Presidente da Câmara de Lisboa, do actual primeiro-ministro português, Dr. António Costa, que também foi Presidente da Câmara de Lisboa.
A aposta do então primeiro-ministro cabo-verdiano, hoje Presidente da República, no fortalecimento das instituições democráticas, facilitou a criação de condições para dissuadir as brechas, para alimentar tentações de aproveitamentos oportunistas de açambarcamento dos bens públicos. O oportunismo é a natureza humana, ou seja, corrupção existe em todo lado, o antídoto é a existência de instituições democráticas fortes, é factor dissuasor de inibir acções de aproveitamentos, permitindo uma efectiva fiscalização, quer entre as próprias instituições de soberania, quer pelos cidadãos, particularmente da comunicação social, conhecido como o 4º poder. Diz bem Daniel Ericsson, CEO da Transparency Internacional, que os líderes podem combater a corrupção e assim promover a paz, acresce dizendo que, os governos devem abrir espaço para incluir o público no processo de tomada de decisão. Em democracia, as sociedades, as pessoas podem levantar suas vozes para ajudar a erradicar a corrupção e exigir a alocação dos recursos sempre escassos, para o bem de todos. Com instituições democráticas fortes, os prevaricadores, os corruptos, são denunciados e quando apanhados, são responsabilizados e severamente punidos.
Naquela noite de Abril ganhei duplamente, são daqueles dias que, se pode dizer que, valeu a pena ter saído de casa, porque tive a oportunidade de ouvir, em primeira mão, um exemplo de integridade, de dedicação desinteressada à causa do colectivo e de um sério compromisso de serviço público. Foi com muito orgulho saber que em África também há pessoas que se doam totalmente, para o interesse colectivo. Bem-haja Dr. José Maria Neves, foi uma lição bem absorvida, espero bem tenha sido extensivo ao vasto auditório presente na sessão dos prémios Forbes Lusófona de Responsabilidade Social. Ficam expressos os meus profundos agradecimentos à Revista Forbes por ter proporcionado tão elevado momento de aprendizagem...
*Economista e professor universitário