Quando um servidor público se apossa de dinheiros e bens do Estado em benefício próprio e dos seus, agindo com a maior normalidade e impunidade porque tem consciência que nunca será atingido pelo poder do Estado, o mesmo acontece com o cidadão que vandaliza bens públicos e instituições do Estado, que ocupa propriedades ou terrenos do Estado mesmo quando devidamente demarcados e identificados. Estas acções - muitas delas com a conivência e compadrio de agentes do aparelho do Estado - fragilizam e descredibilizam o próprio Estado junto dos cidadãos, acabando eles próprios por banalizá-lo e não acreditar no seu poder de agir.
Inspirado mesmo no lema da governação de João Lourenço, tenho defendido que, como jornalistas, fazedores de opinião ou comentadores, temos de ter o equilíbrio e a sensatez de "criticar o que está mal e elogiar o que está bem". Louvo-lhe a coragem de adoptar o combate à corrupção como uma das bandeiras da sua governação. É que durante muitos anos falar da corrupção nos meios políticos, em certos órgãos de comunicação social, era um tabu. Os partidos na oposição várias vezes acusavam o partido governante de tais práticas e abusos e o assunto morria na hora. Havia mesmo forças de bloqueio que travavam o debate na comunicação social e até mesmo no Parlamento. Por isso assumir que a existência da corrupção e da impunidade já é um bom princípio, fazer delas uma das bandeiras da governação, sabendo que elas "imperavam" no seio da sua própria governação, é algo extremamente relevante.
É claro que este combate tem as suas falhas, lacunas e fragilidades, mas era preciso tomar uma decisão, era preciso avançar, era preciso começar a moralizar a sociedade e a honrar o País. Temos uma dificuldade mental, cultural e estrutural em tomar decisões, principalmente quando elas nos podem afectar indirectamente ou criar resistências. Se quisermos ser um País levado a sério, se quisermos ter instituições fortes e de prestígio, se pretendermos ter cidadãos honrados, respeitados e respeitadores, se quisermos realmente ter País e futuro, decisões têm de ser tomadas.
Não tomar decisão é também uma decisão - a de não decidir e ver as coisas acontecerem sem nada fazer. E o Estado não pode ter medo de decidir. O Estado é a instituição mais poderosa, complexa e dinâmica da sociedade. É uma instituição em constante evolução e transformação. Sendo elementos constitutivos do Estado, o Povo, Território e Poder Político (ou Governo como uns preferem também chamar), quer dizer que, como organização política, o Estado é resultante de um Povo que vive num determinado Território e que exerce o Poder Político.
O caso das construções anárquicas e da ocupação ilegal de terrenos no perímetro do Novo Aeroporto Internacional de Luanda é um bom exemplo da perda de autoridade e banalização do poder do Estado. Administradores e funcionários das administrações municipais, coordenadores de bairro, fiscais, elementos das forças armadas e cidadãos banalizaram o poder do Estado, impedindo-o, muitas vezes, de exercer a sua actividade. Este é um lado que poucos gostam de discutir e analisar. A realidade é que as pessoas banalizaram o Estado e o próprio Estado também se deixou banalizar. Faltou contenção, informação e acção.
É preciso perceber a importância, a utilidade pública, económica e estratégica do NAIL. Há agora realmente o drama humano e a imagem dos cidadãos desalojados, nas estradas e ao relento. E o Estado, como ente de bem, deve encontrar solução para tal. É também função do Estado defender e proteger os seus cidadãos. As pessoas não podem estar abandonadas e abandalhadas, isto é um facto. Tem de se dar alternativa aos cidadãos? Sim! Mesmo até aquelas que construíram ilegalmente? Sim! O Estado falhou porque não acautelou alternativas para alojamento e acomodação dos cidadãos no pós-demolição das suas casas e agora está a correr contra o tempo.
Sabemos que já foram identificadas novas áreas para realojamento dos cidadãos e construção de novas escolas. Mas, também é necessário que fique bem claro que o Estado não pode estar a "levar ao colo" quem prevarica. O Estado tem de respeitar e proteger os cidadãos, mas também os cidadãos devem respeitar a autoridade e o poder do Estado. Não se pode estar a tentar terminar um novo aeroporto com um novo "Cassequel" já à sua volta. É uma situação que, além de barrar a certificação do NAIL, também levantaria graves situações de segurança para todos. O Estado somos todos nós. Todos devemos lutar para a construção de um Estado forte, com poder e autoridade. Não podemos banalizar o Estado e nem deixar que o próprio Estado se banalize. Temos de pensar e construir o País. Felizmente ainda somos um só povo e uma só nação.