A empresária e filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, que está a braços, na condição de arguida, com um processo judicial na Justiça angolana, devido a uma alegada transferência ilegal de dinheiro para contas de empresas que detinha no Dubai, que sempre negou, afirma que "irritou muita gente" ao anular contratos que lesavam a Sonangol, entre os quais os da seguradora AAA, revelando que as contas com muito dinheiro de pessoas ligadas à petrolífera não surpreendem.
Isabel dos Santos, que foi presidente do conselho de administração (PCA) da Sonangol durante cerca 18 meses, falava hoje à rádio MFM numa entrevista centrada nos tempos em que liderou a empresa, entre Junho de 2016 e Novembro de 2017, período em que diz ter identificado e tentado resolver vários problemas.
A empresária realçou também que apresentou o diagnóstico ao executivo da altura, presidido por José Eduardo dos Santos, tendo também dado conhecimento ao então candidato à Presidência angolana João Lourenço, que a viria a exonerar, lamentando que depois da saída da sua equipa tenham regressado à Sonangol pessoas e firmas alegadamente envolvidas nos esquemas que lesavam a empresa.
Isabel dos Santos afirmou que aceitou o convite para ir "salvar a Sonangol" que se encontrava numa situação de pré-falência, sabendo que havia um "preço político" a pagar, mas com "espírito de missão".
Uma das tarefas que assumiu era a de "combater a corrupção" que existia na Sonangol, identificar para onde o dinheiro estava a ir e porque é que a petrolífera estava a perder tanto dinheiro, tendo-se apercebido que havia uma sobrefacturação em vários contratos.
"Os custos não eram os do mercado. A partir daí, fizemos muitos cortes e o que me espanta é que depois da minha exoneração uma grande parte destes contratos que eu já tinha anulado foram outra vez renovados, alguns com as mesmas empresas ou se não com as mesmas empresas, com as mesmas pessoas, que criaram empresas novas e sempre com os mesmos preços altíssimos", declarou.
A filha de José Eduardo dos Santos salientou que "a mudança não foi pacífica" e "levantaram-se vozes" contra o que estava a ser feito, mas que era necessário.
Entre os casos de sobrefacturação estavam os contratos de seguro firmados com a seguradora AAA, do empresário Carlos São Vicente, que foi esta semana constituído arguido pela Procuradoria-Geral da República de Angola por suspeitas de peculato e branqueamento de capitais, entre outros crimes, tendo uma das suas contas bancárias, onde estão depositados 900 milhões de dólares (cerca de 760 milhões de euros), sido congelada pelas autoridades suíças.
Segundo Isabel dos Santos, concluiu-se que a Sonangol podia poupar 70% com os seguros e fez um novo contrato "com valores muito mais baixos", com outra empresa.
"Se me espanta haver contas bancárias com tanto dinheiro? Não me espanta e acho que não deve ser a única conta bancárias de pessoas ligadas à Sonangol que tem muito dinheiro e este não deve ser se calhar o único caso", sublinhou.
A ex-PCA da Sonangol afirma que havia entre 400 e 500 milhões de dólares (cerca de 340 a 420 milhões de euros) a mais por ano a serem pagos pelos seguros dos petróleos, o que ao longo dos dez anos em que a petrolífera estatal foi parceira da AAA significa perdas potenciais num total 4 ou 5 mil milhões de dólares (3,4 a 4,2 mil milhões de euros).
A este valor somam-se perdas enquanto accionista, já que a Sonangol esteve na origem da criação da AAA, uma participação "que foi diluída com o tempo" mas cuja compensação não foi demonstrada, disse.
"As contas não são transparentes, não sei se foram apresentadas, nunca as vi", afirmou Isabel dos Santos, defendendo a necessidade de ser feita uma auditoria às contas da AAA e da Sonangol.
"Se esses 900 milhões, quase um bilião [mil milhões] de dólares que estão nessa conta são dividendos das AAA, quanto é que a Sonangol ganhou de dividendos em relação à AAA e porque é que a Sonangol não acompanhou os aumentos de capital e se deixou diluir, se o negócio era bom", questionou.
Isabel dos Santos afirma não ter dúvidas de que muitas das campanhas mediáticas que considera serem fabricadas contra si devem-se à "coragem de parar muitos desses contratos" e "práticas nefastas" que não eram benéficas nem para a empresa, nem para os accionistas, nem para os angolanos.
"Havia várias pessoas ligadas a Sonangol que beneficiam desse tipo de esquemas. Quando acabámos com esse tipo de contratos, irritámos muita gente e acabamos por ser exonerados", vincou.
A empresária insistiu que o combate à corrupção em Angola "é selectivo, é político, foram escolhidos alguns alvos" e destacou que seria bem-vinda uma auditoria à Sonangol para detectar "quem beneficiou destes contratos".
Isabel dos Santos salientou que enquanto estava na Sonangol recorreu a consultores externos para fazer uma auditoria "minuciosa", tendo sido muito criticada por trazer "gente de fora, o que considerou necessário para saber "quem estava dentro do esquema e quem não estava".
Estes relatórios, garantiu, foram apresentados ao executivo e a João Lourenço, na altura candidato à Presidência da República.
"Tive esperança que, depois de ter informado sobre estas questões que haveria continuidade, que algo seria feito. Foi com grande espanto que vi, depois de sermos exonerados que a equipa que voltou era a mesma e algumas dessas pessoas estavam envolvidas em alguns dos casos que detectamos e informámos o Bureau Político do MPLA" (Movimento Popular de Libertação de Angola), assinalou, apontando a Sonair, a Sonip e a parte imobiliária da Sonangol, entre as áreas problemáticas.