A rede social onde Isabel dos Santos descarrega a sua artilharia de defesa contra tudo e contra todos neste caso que ela própria chama "caça às bruxas" numa entrevista dada a um programa de grande audiência da BBC, apesar das evidências, como a maior parte dos analistas tem sublinhado, estarem contra ela, tem hoje uma foto sua, mesmo que tenha sido escolhida pela agência Reuters para ilustrar o texto que tanto parece ter agradado à mulher mais rica de África, filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, africana e negra...
E o texto da Reuters com que Isabel parece desafiar tudo e todos, diz que João Lourenço, apesar de parecer o contrário, tem aqui, neste caso, neste dispersar universal da cara de Isabel dos Santos, numas fotos mais jovial, noutras menos simpática, até porque uma das suas inimigas de estimação, a portuguesa Ana Gomes, antiga eurodeputada, já se lhe referiu como sendo uma mulher "bonita", um " assunto muito complicado", ou, em inglês, como Isabel parece sentir-se à-vontade, como na tal entrevista à BBC. Um "trickiest issue".
"Qual é o problema de uma cidadã angolana ter negócios com o Estado angolano?", tem questionado Isabel, seja assim, directamente, ainda na entrevista ao canal público do Reino Unido, ou no seu Facebook, onde se compara ao "português" de uma grande empresa de bebidas em Angola que se tornou bilionário sem que ninguém questione a proveniência da sua fortuna.
A Reuters, naquele texto que parece estar a fazer as delícias de Isabel, divulgado em formato de "breakingviews", uma importante secção da agência britânica criada para o comentário financeiro e económico, ou "últimas vistas", em português, língua na qual a bilionária angolana se tem, também, desdobrado em entrevistas nas últimas semanas, quando este terramoto a começou a abanar, com o arresto preventivo dos seus bens e contas bancárias em Angola nos últimos dias de Dezembro, diz que o Presidente João Lourenço está perante um "intrincado impasse" depois de este assunto, "Luanda leaks", ter alcançado uma dimensão absolutamente global.
E tudo, recorde-se, como o NJOnline tem vindo a acompanhar, depois da divulgação dos Luanda Leaks, no Domingo, pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), graças ao trabalho da Plataforma para a Defesa dos Denunciantes Anónimos em África (PLLAAF), que lhes forneceu os 715 mil documentos que incriminam, segundo a maior parte dos analistas, de fio a pavio a empresária angolana; ou que são uma "montagem" e parte de um processo de "perseguição política" montada em cima de "ficheiros falsos" ou então inóquos para a sua honorabilidade, segundo Isabel e uns poucos, e parece que, cada vez menos, analistas que ainda admitem que é preciso investigar mais para provar estas acusações, ou então apontam no sentido de gerar dúvidas porque a empresária parece ser o único "alvo" quando a corrupção, o peculato, o tráfico de influências... foram o pão nosso de cada dia nas últimas duas décadas em Angola e envolvem muita gente para além da família dos Santos.
Mas voltando ao texto de "Ultima Vista" da Reuters publicado por Isabel na sua página do Twitter.
A Reuters, uma agência britânica que tem pergaminhos a defender e tem a fama de não escrever à toa, diz que, depois do início da cruzada de João Lourenço contra a corrupção e com a família do seu antecessor na ponta da espada, dando o exemplo do seu irmão, José Filomeno, e da sua detenção devido ao caso dos 500 milhões USD transferidos para o Credit Suisse de Londres, e do seu, com o aresto de bens sentenciado pelo Tribunal Provincial de Luanda a 23 de Dezembro, mas conhecido apenas a 31, este pode ser um momento de grande melindre, ou, em inglês, assim: "However much Lourenço may like to do so, bringing the UK-educated businesswoman to book may be messy"
Mas o que Isabel deve ter mesmo gostado foi de ler que a gigante entre as agências de comunicação globais, entende que, mesmo depois de ter sido "expulsa" do Fórum Económico Mundial de Davos, na Suíça, que está a decorrer e onde deveria estar a brilhar, no rasto dos "Luanda Leaks", este não é ainda um "KO" para a mais famosa empresária em África, estatuto que se não tinha, tem agora, na certa.
O que a Reuters diz, em síntese, é que, face ao gigantismo deste processo, se João Lourenço, acusado por Isabel dos Santos de estar a trilhar uma estratégia que insere elementos de luta política interna acesa, não tiver um sistema legal sólido, eficaz e reconhecido como correspondendo às exigências internacionais, todo este movimentar das peças de xadrez pode ser visto como um caso de "assalto a bens privados" da empresária.
E depois, como cereja em cima do bolo, a agência, através do seu colunista para África, Ed Cropley, lembra que Angola ocupa uma pouco honrosa 111ª posição em 126 países no ranking do World Justice Project.
Então, e se...
Mas, se a opinião de Ed Cropley parece ter feito bem ao ego e à estratégia de defesa de Isabel dos Santos - a fotografia que surge na prosa foi feita pela Reuters durante uma entrevista em Londres -, mesmo ao lado, o céu parece estar a desabar sobre a cabeça da filha de José Eduardo dos Santos, a mais rica empresária de África, antiga PCA da Sonangol e a mais frequente angolana no jet set internacional.
Especialmente em Portugal, porque, a jusante dos "Luanda Leaks", que começou por desacreditar a sua veracidade e agora prefere dizer que em nenhum deles existem evidências de práticas ilegais cometidas por si ou por colaboradores seus, como é disso exemplo a decisão do banco EuroBic, onde detém pouco mais de 40% do capital social, ter decidido afastar-se de todos os negócios com ela, ou ainda a Sonae, com quem divide a operadora de telecomunicações NOS, a vir a terreiro dizer estar com sólidas inquietações após ter tido conhecimento dos documentos libertados pelo ICIJ.
A consultora PWC - PriceWaterhouseCoopers - já se desvinculou totalmente das empresas que controla ou onde tem participações, embora este movimento preventivo tenha despoletado dúvidas e gerado questões como esta: então o que andaram os seus consultores a fazer este tempo todo?
À BBC, Tom Keatinge, director do Centro para Estudos de Segurança e Crime Financeiro britânico, disse que a PwC andou a conceder legitimidade a Isabel dos Santos e, se não facilitou a corrupção, concedeu um ar de respeitabilidade que torna tudo o que aconteceu aceitável".
Mas não só, as alfinetadas parecem estar a surgir de todos os lados, inclusive do Banco de Portugal, o regulador, que agora já admite verificar o passado e o presente de Isabel na banca portuguesa, quando nos últimos anos, em que a "mais velha" dos filhos do antigo Presidente angolano, enchia as capas dos jornais económicos com investimentos grandiosos ou aquisições que faziam borbulhar a deprimida e desviçada economia lusitana.
Naturalmente que, como parece ser evidente, o caso onde a justiça angolana, onde os analistas que nutrem escassa simpatia por Isabel e os que por ela não escondem sentimento contrário, mesmo que todos procurem diluir intensidade no olhar quando os manifestam, assentam maior optimismo e receio é nas transferências de mais de 100 milhões de euros da conta da Sonangol no EuroBic, nas escassas horas subsequentes à demissão de PCA da petrolífera nacional, ou, como ela garante, escassíssimas horas antes de ter sido demitida pelo Presidente João Lourenço, para o Dubai, em nome da Matter Business Solutions, uma empresa que terá servido de chapéu para cobrir estas transladações de volumosas quantidades de dinheiro.
Na Justiça angolana já corria um processo por causa de 38 milhões USD transferidos de forma, alegadamente, ilegal para uma empresa de consultoria, a que se juntam agora, graças aos "Luanda Leaks", mais duas chorudas transferência para a mesma firma que, depois da sua saída da Sonangol, desapareceu tão rapidamente como surgiu, demonstrando de forma clara que o seu único propósito foi colher os milhões da petrolífera.
Provavelmente, é nesta fina linha vermelha que se irá definir a sorte de Isabel, porque a questão dos milhões em consultoria, como ela própria vem dizendo, não são um crime, visto que até diminuiu o que a empresa gastava até à sua chegada.
Ou seja, a ordem de levantamento e transferência ao EuroBic foi dada antes ou depois de ter sido demitida. É aqui que está, aparentemente, o busílis. E os documentos, se não forem falsos, como Isabel admite serem, deixam claro que a ordem foi dada quando já não tinha foro para tal, como se pode ver nas fotos incluídas neste texto.
É que, na segunda-feira à noite, num debate na TPA, o jornalista e analista político Reginaldo Silva, citando um documento interno da Sonangol de 2015, referente a 2014, elaborado pelo então PCA Francisco de Lemos, demonstrava que nesse ano os gastos em consultoria foram superiores aos do tempo de Isabel dos Santos. Mais quase 100 milhões de dólares. E já em 2013, esses gastos seriam equivalentes aos do tempo do seu mandato.
Ou seja, e se... e se a ordem foi dada depois da demissão estar oficializada, pelo menos duas conclusões: a ordem foi inválida e o banco em Portugal cometeu uma infracção grave às regras prudenciais, bem como já admitiram juristas, o dinheiro foi subtraído de forma ilegal, e é um crime de extrema gravidade; a outra hipótese é que a ordem tenha surgido antes do decreto que a exonerava dos comandos da petrolífera angolana. Os documentos parecem indicar que foi depois... E se não forem falsos, como já admitiu que poderiam ser, o problema é evidente.
A partir de Angola, de acordo com o posicionamento conhecido do Procurador-Geral da República, Pitta Grós, a abordagem é de que poucas dúvidas existem e já admite um pedido de colaboração às instituições de justiça internacional para trazer Isabel dos Santos perante a justiça angolana in loco.
Porque a lei "confere essa faculdade" à PGR, asseverou Pitta Grós, deixando entender, numa entrevista concedida à portuguesa SIC, que, a contas com o processo de branqueamento de capitais contra ela a decorrer, só ainda não foi ouvida porque está fora de Angola há quase dois anos, sossegada pelo seu passaporte russo e pela sua moradia fiscal no Dubai, um complexo esconderijo fiscal.
E o Ministério Público português também já anunciou que vai espevitar o olho no que toca ao universo da presença empresarial de Isabel por terras lusas.
E mesmo o Governo, através do ministro de Estado para a Coordenação Económica, Manuel Nunes Júnior, já veio mostrar o forte empenho de que está imbuído para "mudar o paradigma" que em reinado em Angola nas últimas décadas, onde o próprio foi ministro nas áreas económicas em governos de José Eduardo dos Santos.
Júnior sublinhou que "não há ninguém que esteja acima da lei" e, por isso mesmo, a lei "é igual para todos", o que permite visualizar uma porta entreaberta para, depois de resolvido o caso Isabel, ou enquanto este decorre, a justiça angolana vire às suas atenções para outros quadrantes.
Então e agora...
Agora, Isabel promete recorrer aos palcos onde se sente mais à-vontade e parece confiar mais que no país onde viveu e ajudou a erguer enquanto empresária de sucesso e filha mais velha do homem que governou Angola quase quatro décadas: os tribunais internacionais.
Para além das milhares de linhas publicadas no Twiter e no Facebook, onde se defende com unhas e dentes do que diz ser uma clara "perseguição política", uma dirigida "caça às bruxas" a dois ou três nomes da família dos Santos.
E de se ter declarado putativa candidata presidencial, onde alguns analistas admitem que com isso pretendia avisar os inimigos para terem menos ímpeto nos ataques, porque existe a possibilidade de um dia mandar nisto tudo outra vez, incentivar os fãs a não terem receio de sair a terreiro em sua defesa e ao MPLA e a João Lourenço disse com uma simples frase - "é possível" - que, numa corrida presidencial, contra ela, e os candidatos da UNITA e Abel Chivukuvuku, a possibilidade de ser eleito à primeira volta diminui consideravelmente, e numa segunda volta... tudo é possível.
E num comunicado que os seus assessores fizeram chegar aos jornalistas, a engenheira da maior fortuna feminina em África, diz que vai passar a batalhar num palco onde crê que estará de armas equivalentes com o Estado angolano em mãos, a justiça internacional.
"Procurarei repor a verdade dos factos e lutar através dos tribunais internacionais para defender o meu bom nome", diz neste comunicado.
E acrescenta que o ICIJ andou "meses e meses" a olhar para "supostas provas", que acabaram por dar em nada mais do que "suposições".
"O ICIJ afirma que os negócios que construí e os investimentos que fiz foram à conta dos angolanos. Mais uma vez, uma alegação extremamente séria e ainda assim nenhuma das supostas 'provas' comprovam isto", diz.
Mas uma coisa é certa, este caso está para durar.