A investigação que agora expõe o percurso da filha do ex-Presidente e a forma como se tornou a mulher mais rica de África, denominada Luanda Leaks, decorreu ao longo dos últimos oito meses e foi feita pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) que teve acesso a mais de 700 mil ficheiros, entre os quais extractos bancários da Sonangol e registos de transferências do Eurobic, um banco de que Isabel dos Santos é accionista e que foi utilizado para as transferências.
E o problema, segundo o ICIJ, é que essas transferências tiveram como destino uma conta bancária de uma companhia offshore, a Matter Business Solutions, empresa de consultoria fundada por Jorge Brito Pereira, advogado da filha de José Eduardo dos Santos.
Mário Leite da Silva, braço direito da empresária angolana, que viu as suas contas arrestadas em Dezembro de 2019 pela justiça angolana juntamente com as de Isabel dois Santos e do marido Sindika Dokolo, aparece como director da empresa, assim como Paula Oliveira, amiga e sócia da filha do Ex-Presidente da República.
No entanto, as despesas para constituir a Matter Business Solutions, foram pagas por uma empresa de Isabel dos Santos, escreve o consórcio de jornalistas.
De acordo com o ICIJ, a empresária Isabel dos Santos terá canalizado centenas de milhões de dólares de dinheiros públicos para um labirinto de empresas, alegadamente "com a ajuda de uma rede de entidades financeiras, advogados, contabilistas e governantes, de Lisboa a Londres, de Valeta ao Dubai.
Apesar de todos os envolvidos negarem qualquer irregularidade, Paula Oliveira, tal como Jorge Brito Pereira, terão assinado os contratos em representação da Matter Business com a Sonangol Limited, também conhecida por Sonangol UK, uma subsidiária da petrolífera pública angolana no Reino Unido, tendo um desses contratos, que justificou uma transferência de cerca de 57,8 milhões de dólares, sido assinado cinco dias antes de Isabel dos Santos ter sido exonerada pelo Presidente João Lourenço a 15 de Novembro de 2017.
De acordo com os extratos bancários e outros documentos a que o consórcio internacional de jornalistas teve acesso, a partir de documentos fornecidos pela Plataforma para Protecção dos Denunciantes Anónimos em África (PPLAAF, na sigla inglesa), houve três transferências consecutivas ordenadas no dia em que Isabel dos Santos foi afastada da Sonangol e executadas no dia 16 de Novembro. E todas elas tiveram como destino a conta da Matter Businesse Consulting no Emirates NBD, no Dubai.
O consórcio ICIJ divulga um relatório secreto feito pela própria Sonangol, designado "Relatório de Incidente de Segurança de Informação", do qual farão parte emails enviados por Sarju Raikundalia para o private banking do Eurobic a ordenar a transferência de 38 milhões de dólares.
Um deles foi enviado às 19h01m do dia 15 de Novembro - cinco horas e meia após a publicação da primeira notícia na imprensa angolana sobre a saída de Isabel dos Santos. A resposta do Eurobic chegou uma hora e 40 minutos depois a confirmar a realização das transferências.
A maior parte das facturas terão sido criadas a 16 de Novembro às 10 horas e às 16:00. Isto é, as facturas foram emitidas no próprio dia em que seguiram para o Eurobic pela "mão" de Sarju Raikundalia, revela o jornal português Expresso, que em Portugal lidera, juntamente com a SIC, a investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação.
Sonangol UK e a falsa PCE que assinou contratos sem nunca se ter sentado na cadeira da presidência
De acordo com a investigação do consórcio ICIJ, a Sonangol UK terá sido representada por Maria Jacinto de Sousa Rodrigues, alegada presidente executiva da empresa que, na realidade, nunca o foi, tendo a própria Maria Rodrigues confirmado ao consórcio internacional de jornalistas que assinou o documento, mas que nunca chegou a sentar-se na cadeira da direcção.
E quem é Maria Jacinto de Sousa Rodrigues? É irmã de um ex-marido de Marta dos Santos, irmã do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, e, por isso, tia de Isabel.
Maria Rodrigues terá estado, de facto, para ser nomeada CEO da Sonangol UK. Conta o Expresso que Sarju Raikundalia chegou a ir a Londres para afastar Sandra Júlio da liderança da empresa para a substituir por Maria Rodrigues. A gestora Sandra Júlio, contudo, recusou apresentar a sua demissão, pois não tinha nenhuma deliberação formal da administração da casa-mãe em Luanda nesse sentido, e tal nunca veio a acontecer.
Carlos Saturnino, presidente executivo da Sonangol, denunciou estes alegados pagamentos irregulares à Matter Business numa conferência de imprensa a 28 de Fevereiro de 2018, como o Novo Jornal Online noticiou (ver aqui e aqui).
Sarju Raikundalia é suspeito de ter ordenado uma transferência (que terá tido igualmente a concordância de Isabel dos Santos) de cerca de 38,1 milhões de dólares para a Matter Business de Paula Oliveira e Jorge Brito Pereira após a sua exoneração.
Após a denúncia pública de Saturnino, a Procuradoria-Geral da República de Angola abriu uma averiguação e Isabel dos Santos e Sarju Raikundalia estão a ser investigados pelos alegados crimes de associação criminosa, peculato, abuso de poder e branqueamento de capitais.
Esta é a primeira vez que o mundo assiste a uma tão grande fuga de informação, com mais de 700 mil documentos, incidindo apenas sobre uma pessoa.
Face a esta avalanche de alegadas provas contra si, Isabel dos Santos iniciou um férrea defesa, desde logo questionando a veracidade dos documentos que a visam e a honorabilidade de todos aqueles por detrás desta investigação internacional.
"30 órgão de comunicação mundiais alguma vez investigaram uma só pessoa? Campanha concertada. SIC televisão nunca me convidou . Parem de mentir", escreve a empresária.
Através do Twitter, Isabel dos Santos afirma que a sua fortuna, palavra que coloca entre aspas, nasceu do seu "carácter", "inteligência, educação, capacidade de trabalho, perseverança".
"Hoje com tristeza continuo a ver o "racismo" e "preconceito" da Sic e Expresso, fazendo recordar a era "colônias" em que nenhum africano pode valer o mesmo que um "Europeu",escreveu.
A filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos reagiu também em inglês, lançando farpas à investigação, procurando desacreditá-la, dizendo que há muitos documentos que são falsos, referindo-se também à investigação como um "ataque político coordenado com o Governo angolano", e perguntando ainda se alguém leu realmente os 715 mil documentos a que o consórcio de jornalistas teve acesso.
"The ICIJ report is based on many fake documents and false information, it is a coordinated political attack in coordinations with the "Angolan Government". 715 thousand documents read? Who believes that?", escreveu.