A última época chuvosa registou pluviosidade fraca em Março e Abril, em nada suficientes para armazenar líquido suficiente para o resto do ano. Como resultado, a terra apenas deu pó; os cursos de água secaram, as lágrimas dão a noção do desespero. Sol ardente e clima seco transmitem a impressão de que os sinais da desertificação ganham terreno.
O cultivo não resiste ao fenómeno e o resultado é o que está à vista. Plantações de Massango e Massambala, que não atingiram a fase de amadurecimento, colocando aquele cereal fora de uso. O gado procura comida com o focinho quase entranhado na areia, diante de um capim acastanhado e sem nutrientes para a energia e o crescimento de que necessitam.
As populações das diversas regiões, obrigadas a buscar alternativas para as necessidades alimentares, vêem-se obrigadas a andar, no mínimo, 30 quilómetros (km) para encontrar água em reservas que foram deixadas pelas últimas grandes chuvas que caíram na região.
O tempo de permanência daquele líquido no solo retirou-lhe toda a qualidade necessária para que seja consumida, mas é-o. Não há alternativa. Pessoas, bois, cabritos e cães consomem a mesma água, directamente, sem qualquer tipo de tratamento. As chimpacas, como são chamados os reservatórios ou reservas, acomodam uma água com tom, ora acastanhado, ora esverdeado ou mais escuro ainda. Os bois penetram nos lagos para consumirem a quantidade necessária para sobreviver.
É a única água que existe e que coloca em risco a saúde e a vida de muitos populares, diante da ausência de um programa de saúde. Num raio de pouco mais de 100 km, a partir da sede provincial, a realidade reflecte isso e muito mais, com uma população sem recursos porque a necessidade acaba por ser maior do que qualquer outra opção. Longas caminhadas em busca da água possível No município de Xangongo, 100 km a nordeste da capital da província, Ondjiva, a realidade parece não ser a mais alarmante até ser deixada para trás a comuna sede com o mesmo nome.
A urbanização dá lugar à terra batida e aos buracos que são encontrados na via. Pouco mais de uma centena de quilómetros são percorridos até ser encontrada uma realidade diferente, contrária a várias situações narradas por este semanário, tais como as cheias e as suas consequências.
Já dentro da localidade de Ombala- Omungo, as populações localizadas nas diferentes povoações daquela comuna percorrem uma hora e meia para chegar ao encontro da água tépida que está a ser utilizada para o banho e para a culinária. 20 litros por dia é a quantidade que é possível transportar e serve para todo o tipo de utilização.
Algumas chimpacas apresentam um aspecto que denuncia o desaparecimento da água em menos de duas semanas, sendo que algumas delas são apenas reservadas às populações. Para isso, são colocadas cercas em madeira para impedir que o gado proveniente de pontos distantes invada o local e piore ainda mais as condições daquela água, que já se apresenta longe da qualidade exigida para consumo.
Outra alternativa está em cavar buracos profundos à procura de camadas húmidas que, depois de 24 horas, poderão acumular uma quantidade de água capaz de abastecer os populares que tiverem a sorte de encontrar estes poços manufacturados. Os mesmos espaços têm um proprietário que, dada a situação de emergência, permite que outros façam uso do líquido que provém daquelas cavidades e que terão grande utilidade nos próximos anos, sempre que a realidade for igual à que se vive hoje.
Desidério Afeni, um jovem que, na companhia de vários companheiros, saiu da sua localidade, a pouco mais de 50 km do ponto de água onde o encontrámos, assegurou: A qualidade da água, nesta altura, não importa. Segundo ele, cada um encontra os meios mais eficazes para purificar a água, mas, concluiu, os recursos não são muitos para que haja água com alguma qualidade.
Ali o gado percorre 30 km por dia até encontrar as cacimbas já identificadas pela população, ao mesmo tempo que esta carece de uma intervenção humanitária para acudir às necessidades de alimentação que assolam toda a região. Os populares da povoação de Damakelo apenas lamentam.
Nada lhes resta senão o clamor de uma intervenção urgente para impedir as previsões de uma situação pior, quer a nível da água, como da distribuição alimentar.
Sem chuva, sem água, sem vida
Mais para a frente, no município da Cahama, a pouco mais de 100 km de Xangongo, a imagem é de um traçado asfáltico, que ainda está a ser aplicado, até à localidade de Umbi. O desvio leva-nos à terra batida, onde, depois de quase uma hora, voltamos a ver o alcatrão da ligação que vai propiciar uma maior fluidez na movimentação de pessoas que fazem o trajecto Lubango/Cahila/Cahama/ Umbi/Xangongo/Ondijva. São pouco mais de 400 km por percorrer.
O célebre município da Cahama é uma referência incontornável na história da guerra civil que assolou o país durante décadas, dada a sua posição estratégica. Hoje, a população vê-se a braços com uma situação diferente, pior do que noutros pontos já aqui relatados.
As localidades de Otchindjango, Uía e outras situadas nas proximidades, segundo os seus responsáveis, vivem uma situação dramática no capítulo alimentar. Abóbora verde, múcua ou ainda massango mal desenvolvido são os únicos recursos que existem para levar à boca e assim dar a volta à necessidade diária de comida. Muitos comem apenas uma vez por dia, salientam.
Uma realidade penosa também para os pastores que, em momentos mais confortáveis, movimentam o gado para outros pontos de água próximos, mas com os mantimentos à mão. Tudo agora se inverteu. Uma semana de caminhada com pouco mais de meia centena de cabeças de gado é o tempo que dura até chegar à chimpaca de Vimi, na comuna sede da Cahama, mas o pastor que abordámos vem de muito mais longe e o seu trajecto já leva dois dias.
Para chegar ao destino é necessário andar uma distância de entre 15 a 30 km por dia. Se a situação continuar assim, até Agosto, todo o gado está na eminência de morrer advertiu o administrador comunal de Otchinjango, Benicilio dos Santos.
O responsável esclareceu ainda que algumas manadas não chegam até à chimpaca de Vimi devido à distância, sendo obrigadas a chegar até à margem do rio Caculuvale. O referido curso de água, cujo caudal está muito baixo e que desagua no rio Cunene, serve também como tábua de salvação para alguns populares e para o gado que ali se desloca. Apenas na localidade de Otchinjango estão controladas 64 mil cabeças de gado que já se movimentaram para a localidade de Uía em busca de água.
Para o administrador da comuna sede da Cahama, Maurício Selela, a água da chimpaca de Vimi já não oferece condição alguma para consumo, mas, segundo ele, é a única que existe num raio de 300 km. A população, inclusive, tem- -na como único recurso e usa-a de várias formas. O grande receio daquele responsável é o facto de saber que, se não forem tomadas medidas, a situação será dramática porque a água de Vimi não vai durar muito mais tempo.