Fruto de uma denúncia chegada à redacção deste órgão, o Novo Jornal esteve no Zango 4, onde já se encontram edificadas perto de 50 residências do tipo T2, e outras no Zango 3 de modelo geminadas com características similares, enquadradas naquilo que o PPHS definiu como sendo residências tipo-evolutivas ou de custos controlados, destinadas às famílias necessitadas ou sinistradas que estão a ser desalojados em distintos pontos de Luanda.
Modelo de casa evolutiva
O chefe de departamento do PPHS, Marco Pinho, referiu-se à tipologia dessas residências como uma resposta imediata que aquele programa está a dar para poder acudir o maior número de famílias que se encontram a viver em zonas de risco ou que estão ainda em tendas. Sendo que nessas casas com custos controlados tende-se a diminuir o máximo do espaço, uma vez que quanto menor for o número de metros quadrados do espaço de cobertura da casa mais barato é o custo.
São casas de modelo evolutivo, que não comportam inicialmente todos os compartimentos. É um modelo que apenas compreende uma sala, quarto e casa de banho, e a posterior o próprio beneficiário vai desenvolvendo a sua casa, com o projecto de arquitectura já existente que naturalmente é acompanhado por nós, a que chamamos de auto-construção dirigida, esclareceu Marco Pinho.
Confrontado com o facto se estão salvaguardados aspectos que têm a que ver com a natureza e características das famílias destinatárias das residências, como, por exemplo, o número do agregado familiar, Marco Pinho alegou que, mesmo tendo em conta esse número referencial das famílias, não é possível satisfazê-lo a cem por cento.Tem-se em conta o agregado, mas infelizmente não se consegue cumprir a cem por cento. Se assim não fosse, aí teríamos de ter outras tipologias, além desta tipologia evolutiva que são as T2, mas infelizmente este é o que temos para o contrato de construção existente, salientou.
Residências fora dos padrões
Recolhidos que foram os dados no terreno, a nossa reportagem procurou um subsídio técnico da Ordem dos Arquitectos de Angola, tendo conversado com o seu presidente, Victor Leonel, sobre a realidade constatada no Zango 4 sobre as residências T2, enquadradas no modelo de residências evolutivas. Victor Leonel, que afirmou que para qualquer projecto de residência é preciso aliar o facto ao grupo alvo, reprovou o referido modelo por este estar longe daquilo que determina o Regulamento Geral de Edificações Urbanas (REGEU).
Quando se projecta para famílias é preciso ter em conta a realidade das famílias angolanas, que anda à volta das cinco/seis pessoas. Nós sabemos que não é normal nós termos dois ou três filhos. Mas suponhamos que tenhamos só três é preciso ter a sorte de serem todos do mesmo sexo. O mínimo para uma família deve ser pelo menos três quartos, referiu.
Para o arquitecto, a primeira pergunta a colocar é quem fez o projecto. Se for angolano tem que conhecer o REGEU. Mesmo que fosse um estrangeiro tinha que conhecer o regulamento de construção em Angola. Tem que conhecer as nossas leis. Há a lei mais profunda, que só os técnicos é que conhecem, mas para um projecto deste é preciso que o técnico conheça o REGEU, enfatizou.
Para o presidente da Ordem dos Arquitectos de Angola, a solução para este caso poderia passar por uma construção em banda contínua, ou seja, sem deixar espaço na zona lateral dos lotes onde estão a ser erguidas as referidas residências.
O REGEU determina que residências tipo corrente (normais) tenham no mínimo dez metros quadrados para a sala e quarto, contrários aos nove das residências do Zango 4. Uma outra violação regista-se na área de residência e na área de compartimentos que, de acordo com o estipulado para as T2, devia ter um total de 72 metros quadrados. Os valores de espaço das residências até agora já edificadas não chegam aos 50 metros quadrados.
Reprovava se for para albergar uma família, porque não serve para uma família tradicional angolana. Serve eventualmente para um estudante, para uma pessoa que está a começar a organizar a sua vida e não para uma família. Para família se exige mais espaço. Sem contar com a dimensão do lote. A ideia de residências evolutivas está bem, mas o espaço do lote não, concluiu.
Dez famílias numa residência
Questionado sobre se existem neste momento famílias que estão a ser alocadas numa única residência, conforme denúncia, Marco Pinho disse acreditar que seja possível existirem casos do género, mas que se trata de situações provisórias, de pessoas que estavam em tendas e em zonas de risco ou que saíram da zona do bairro Dangereux, que viviam numa linha de água que foram de lá retiradas.
No entanto, a acompanhar a equipa de reportagem deste jornal esteve o coordenador da SOS Habitat, Rafael Morais, que denunciou um caso a que chamou de flagrante violação do direito à privacidade no Zango 3, onde dez famílias, oriundas do bairro da Camama, recentemente desalojadas, encontram-se a residir numa mesma residência do tipo T2.
São situações como estas com que a SOS Habitat tem estado a conviver, desabafou o activista, enquanto mostrava à equipa de reportagem a realidadedas famílias que ali habitam. Outras são casas muito pequenas, de um quarto e uma sala e casa de banho, com dimensões muito pequenas. Que reflectindo acabam por ser vários direitos que são aqui violados relacionados com esse tipo de habitações que o governo acha que está a dar às pessoas para poder resolver o problema da habitação social, acrescentou.
De acordo com o coordenador da SOS Habitat,como consequência dessa situação, constatada recentemente no terreno pela sua organização, há chefes de família que se vêem obrigados a pernoitar fora das casas para permitirem que as mulheres grávidas e crianças possam passar a noite dentro delas. Estamos no tempo de frio, está a chegar o tempo de chuva. Como é que fica a situação?, questionou.
Uma realidade recorrente
São situações recorrentes, afirmou Rafael Morais, referindo-se a uma situação prevalecente também no Panguila, de famílias oriundas do bairro Favela. A situação agora piorou porque o número cresceu. Agora são dez famílias que estão numa única casa, no Zango 4. Posso convidar as entidades a visitarem essas famílias. Elas quando reclamaram sobre a forma como estavam a ser distribuídas as casas, os camiões basculantes despejaram as coisas e foram-se embora, sem um diálogo com essas famílias, afirmou, intrigado.
Essas casas que estão a surgir no Zango, no tempo do colono, chamávamos sanzalas. É uma habitação e é um meio onde a pessoa vai habitar. Mas tratando-se do governo que está dar tem que ser uma coisa melhorada. Um lugar onde as pessoas se sintam melhor. Agora não pode dar o governo dar uma coisa que parece que foram essas mesmas famílias a fazer com parcos recursos, como se do nível deles se tratasse. Se o governo é que está dar tem que melhorar no mínimo essas condições, aconselhou.
Num relatório recentemente publicado, a SOS Habitat apresenta os avanços e recuos daquilo que são as actividades feitas pelo governo angolano em relação à habitação e à terra. Apresentou igualmente algumas denúncias como os casos das dez famílias no Zango 3 e 4, assim como a situação do bairro Areia Branca, que, segundo afirmou, deixou famílias ao relento, com pessoas que estão actualmente a deambular pelas ruas, havendo já relatos de casos de morte.