Trata-se de um serviço de assessoria técnica e orientação, que conecta a investigação com a prática agrícola, promovendo o desenvolvimento sustentável no meio rural. Por conseguinte, são acções tendentes a munir as pessoas residentes no meio rural de conhecimentos que permitam melhorar a sua condição de vida, ensinando-as a aprimorar as práticas agrícolas, incluindo a gestão doméstica e o uso de recursos locais para o fabrico artesanal de produtos (fabricação de pão, sabão, sumos, entre outros). O exemplo foi o programa de Extensão Rural de Angola (ERA), iniciado em 1969 em algumas regiões do Planalto Central no contexto de uma estratégia de contra-subversão do governo colonial português, de que fiz referência no artigo anterior.
Já o fomento agrícola consiste em acções tendentes a impulsionar a produção de um determinado produto, consubstanciado na entrega de semente, fertilizantes, pesticidas e assistência técnica, com o compromisso de o produtor vender a produção à entidade fomentadora. Existe fomento por parte de entidades públicas, nas quais, na maior parte das vezes, os recursos entregues são a fundo perdido, ou seja, não reembolsáveis, o que, a meu ver, nunca devia ser a fundo perdido, pois não é sustentável, limita a inclusão de outros produtores e, consequentemente, a continuidade do programa. Entretanto, quando desenvolvida por entidades privadas, os insumos recebidos devem ser pagos ao final da safra agrícola, é no fundo um crédito de insumos numa campanha agrícola ou safra. Em Angola, já houve casos do fomento de oleaginosas pela Induve, então pertencente à Companhia União Fabril (CUF), assim como o fomento de milho e feijão pelos comerciantes no meio rural. Há por esta altura uma empresa privada a desenvolver um programa de fomento agrícola de milho, feijão, soja, arroz, algodão, trigo, entre outras. Entretanto, a meu ver, enfrenta um grande desafio, porque actuam num ambiente pouco estudado.
A extensão rural tem de estar associada à investigação científica, sem o qual vai se agindo por intuição, ou por tentativas, o que, acarreta gastos adicionais avultados. O aprofundamento do conhecimento sobre o modo de vida dos grupos-alvo, a morfologia dos solos, as condições edafoclimáticas das áreas seleccionadas, os ensaios de sementes, entre outros aspectos, devem ser minimamente conhecidas, ou seja, devem ser estudadas, antes de se iniciar um programa de fomento de produção agrícola. O ERA apoiou-se nos dados tratados pela Missão dos Inquéritos Agrícolas de Angola (MIA), em que se associa às pesquisas do Instituto de Investigação Agrária (IIA). O êxodo rural que se assistiu depois da guerra, é resultado de actuações menos conseguidas que estimulem as pessoas a assentarem-se no meio rural, onde, de facto, se cria riqueza.
Recentemente, ao conversar com uma pessoa bem situada num dos órgãos que promovem as políticas de desenvolvimento no País, referiu que seriam necessários pelos menos 18 mil milhões de dólares americanos para impulsionar a produção agrícola no País. Discordei totalmente com essa asserção, retorqui dizendo que, na verdade, nem de 2 mil milhões precisam. Disse-lhe que o que se devia fazer era promover um programa de extensão rural, envolvendo o Instituto Nacional de Estatística (INE), o IIAA e criar um fundo de investigação científica agropecuária. Associar, a esse programa de extensão rural, um programa de fomento agrícola direccionado, inicialmente, a uma região específica, limitando os produtos que seriam alvo de fomento (milho, feijão, soja, girassol e arroz), não dispensaria a acção, numa primeira fase. Na pecuária, o foco seria o fomento da produção avícola, suína e bovina. Quanto às infra-estruturas de acesso, deve-se recorrer ao apoio das comunidades para construir pontes de madeira e tratar as vias com os recursos disponíveis, assim como foi feito no passado.
O foco é melhorar a vida das pessoas no meio rural, contribuindo para a melhoria da renda das pessoas. Não pretendo aqui fazer crer que é uma tarefa fácil, não é, dado que há uma enorme transformação do mosaico social do meio rural, o conhecimento do trabalho agrícola não tem sido passado entre as gerações, uma vez que a cultura de trabalho deve ser inculcada na mente da criança desde a tenra idade. Mas, estou em crer, que é fazível. As pessoas vão apoiar, pois, verão suas vidas a serem impactadas positivamente. Não acredito, mas é fazível que um programa dessa dimensão imponha a utilização de avultadas somas de dinheiro, mesmo pelo facto de essas regiões não disporem de condições de receber elevados fluxos de incentivos, por diversas limitações, que escusamos detalhar neste texto. Não se pense fazer em 2 anos, o que não se fez em 50 anos, não vai acontecer! O máximo que pode acontecer é o desperdício de recursos, tudo está como estava no princípio ou pior. Refere Piketty (2012), que os países que convergiram com os países desenvolvidos, ou seja, aqueles que têm conseguido reverter o quadro de subdesenvolvimento, no século XX e XXI, não foi por via do capital externo, foi, sim, por via da difusão do conhecimento.
O mosaico rural dos anos 1960 a 1970, base de concepção do ERA, mudou completamente. Nesta época, o Bié e o Huambo eram as províncias mais populosas de Angola. O grupo etnológico dessas regiões já tinha domínio de práticas agrícolas modernas, havia, nesta altura, uma enorme cobertura de comerciantes, que absorviam a produção, havia o ensino missionário, quer católico, quer protestante, que disseminavam o saber mínimo básico. A situação é completamente diferente nos dias que correm, a nova geração não vê vantagem na actividade agrícola, a rede comercial desapareceu, o sistema de ensino missionário (seminários menores, escolas das missões), também desapareceu. Portanto, há que, em primeiro lugar, compreender o novo contexto, apesar da urgência, se deve seguir com cautela, para evitar cometer-se erros, consequentemente, o desperdício de recursos. Esse tipo de programa não pode ser operacionalizado a partir do conforto dos gabinetes na capital, a operação tem de estar onde decorre o processo de fomento ou extensão. Neste pressuposto, o capital de arranque para um programa dessa natureza, não seria tão elevado. Entretanto, implica uma acção de coordenação muito grande, particularmente, entre as instituições de ensino, para a conformação dos planos curriculares dos cursos de agronomia e pecuária, da investigação científica, sem descurar os aspectos comerciais e de circulação mercantil.
O património, quer mobiliário, quer imobiliário herdado dos colonos, foi fruto da acumulação feita, essencialmente, no campo, por via da actividade agro-pecuária. As vilas e cidades foram edificadas com a riqueza gerada pela actividade agrícola. Torno a realçar que a transformação da estrutura económica deste País não vai acontecer sem a mobilização de todos os angolanos, das várias sensibilidades, não se tenha a ilusão de que apoios externos vão resolver. Como referiu Alves da Rocha (2025), a globalização benéfica e inclusiva não existe! Não há registo na história económica mundial de algum país que tenha transformado a sua estrutura económica com a ajuda externa. Tem de ser um esforço colectivo nacional, porque não tem de ser focado num único sector. A transformação tem de ser integral, esse esforço deve começar no sector primário da economia, que absorve a grande maioria da população angolana. O instrumento para promover essa transformação é a extensão rural, apoiada por um programa de fomento de produtos agrícolas que deve estar conectado à indústria.
O programa tem de ter como meta a transformação de um camponês de subsistência em agricultor da classe média, com capacidade de acesso à mecanização e irrigação, o que vai permitir o aumento da produtividade e das áreas cultivadas, o que, decerto, vai reverter o quadro de pobreza no meio rural, estacando o êxodo rural, que se assiste. Por conseguinte, a extensão rural e o fomento da produção agrícola não são uma e a mesma coisa. Porém, as coloco na primeira linha como resposta para reverter o quadro de pobreza prevalecente no País.n
*Economista
Bibliografia consultada
Alves da Rocha, José Manuel. (2025), in Promoção da Globalização Universalmente Benéfica e Inclusiva, Colecção cadernos de investigação, 1ª Edição, CEIC-UCAN, Luanda.
Castelo, Cláudia (2020) «O projecto-piloto de extensão rural do Andulo (Angola): conhecimento, desenvolvimento e contra-subversão», Ler História [Online], 76 2020, posto online no dia 30 junho 2020, consultado o 04 junho 2025. URL: http://journals.openedition.org/lerhistoria/6347; DOI https://doi.org/10.4000/lerhistoria.6347
Piketty, Thomas. (2017). Capital in the Twenty-First Century. The Bellnap Preaa of Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts, London, England.