"Sete Candeeiros", "Os que Brilham", "Ser Madó" ou "Katinton", são alguns dos bairros de Luanda que parecem ter sido especialmente baptizados para espicaçar a nossa imaginação. Ao encontro das histórias que compõem uma cidade de moradas cada vez mais caricatas, a equipa de reportagem do Novo Jornal online "rasgou" dois bairros da comuna do Hoji-ya-Henda, no município do Cazenga, e um do Sambizanga.
Do "Tira Pistola" aos "Dos ossos", passando pelo "Cala Boca", todos os destinos revelam a mesma origem popular: Episódios do dia-a-dia dos moradores.
"Nunca me esquecerei desta história, porque envolve o meu homem", introduziu Nzumba Maria José, moradora no bairro "Tira Pistola" há mais de 40 anos.
"No dia 1 de Agosto de 1986, o meu marido vinha do serviço. Assim que caminhava havia um grupo de jovens que estava a causar tumultos na rua, então ele interveio para acalmar a confusão. Já depois de a algazarra ficar silenciosa, ao retirar-se, um dos bandidos deu-lhe um tiro nas costas. Quando ele tirava a arma para se defender, foi novamente alvejado com mais um. O meu esposo teve morte imediata, e desde essa data o bairro ficou conhecido como "Tira Pistola"", contou a viúva de João Kixixi, ex-director do Museu das Forças Armadas.
Três décadas depois do episódio, Guilherme Paulo, de 30 anos, morador no "Tira Pistola" por quase toda a vida, reconhece que o nome do bairro já lhe trouxe alguns dissabores.
"Das vezes em que fazia amizade com uma jovem, se dissesse o nome do meu bairro a mesma acabava por afirmar, categoricamente, que seria complicado visitar-me. Antigamente, isso deixava-me muito constrangido, mas hoje já me acostumei", garantiu o luandense.
Do "Tira Pistola" seguimos para o distrito do Sambizanga, em direcção ao "Dos Ossos".
À chegada, o kudurista Bebo King, um dos integrantes do grupo Kalunga Mata, conduziu-nos até à soba do bairro, a única com memória suficiente para contar a história "Dos Ossos".
"Quando chegámos ao bairro tudo era mata", recordou a anciã Nazari José da Silva, de 81 anos, que encontrámos acompanhada do esposo, Miguel da Silva, de 90 anos. Segundo a soba, "depois de um tempo apareceram as pessoas a construir as suas residências, e não demorou muito até chegar um português chamado Miguel. Ele tinha um talho na Ingombota, e quando retirava a carne das vacas deitava os ossos aqui no bairro. Naquela altura, quando os familiares nos visitavam estigavam-nos porque estávamos a viver com os ossos. O nome permaneceu".
Quem também veio para ficar é o "Cala Boca", nome que se popularizou entre os moradores, sem que muitos consigam explicar porquê.
Depois de tanto perguntarmos, a resposta veio de Paulo Cardoso, de 65 anos, morador na zona há mais de 20 anos. "O nome surgiu devido a um maluco, que batia-se a si próprio na cara [como quem se auto silencia]. Ele ficava em frente à praça e as pessoas achavam graça, por isso quando desaparecia por um tempo todos perguntavam: "Onde está o "cala boca"?". Daí a designação se consumou", revela o historiador.