"Todos estamos a sofrer", lastimou Daniel Hidamwakusha "Namunganga", um dos líderes tradicionais da comunidade Kwanhama de Ongwe, no município de Namakunde, que hoje recebeu algumas toneladas de bens alimentares doadas pelo grupo parlamentar da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA).
"Estamos a sofrer com fome e com sede, não temos medicamentos, não temos hospitais", desabafou o líder de 76 anos, garantindo que não chove há três anos e que a ajuda que chega é escassa.
Os habitantes dependem apenas do pouco gado que conseguem vender e de doações, já que nada conseguem cultivar devido à falta de água.
"Às vezes pegam um cabrito ou uma galinha, levam à Namíbia para vender e compram alguma coisa para viver. Quem não tiver, fica ao Deus-dará", diz o "Namunganga", aquele que cura, na língua local.
Esperados há várias horas por centenas de pessoas, muitas das quais mulheres e crianças, que aguardavam esperançosas pela chegada do milho que lhes iria aliviar a fome, os deputados foram recebidos com cânticos festivos e gritos de alegria.
Sentados em meio círculo, os parlamentares da UNITA ouviram as queixas dos líderes locais e as preocupações dos habitantes e aproveitaram para fazer passar as suas mensagens políticas. Antes da distribuição dos alimentos, houve ainda tempo para provarem o "omalodu", uma bebida fermentada feita de massango ou massambala (espécies de cereais) com que os Kwanhama recebem as visitas importantes ou celebram ocasiões de festa.
O local tem alguns edifícios (um posto de saúde, um posto policial e uma escola primária), mas nem uma casa à vista, pois os Kwanhanga vivem dispersos e não se concentram num povoado.
Precisam de espaço para o gado e para os produtos que cultivam quando não há seca. As crianças dizem que vão à escola, mas quase ninguém fala português. Nem crianças, nem adultos, que dificilmente vencem a timidez provocada pela chegada de estranhos que não falam a mesma língua.
Junto ao pequeno aglomerado de edifícios, um poço, com uma bomba manual, abastece os habitantes com a água possível: um balde de cada vez, já que a seca fez a água minguar e é preciso esperar uma hora entre cada enchimento.
A solução é dormir junto ao poço e guardar lugar na fila logo de madrugada, contam os populares.
Transportar donativos para uma destas comunidades, a 35 quilómetros de distância da capital do Cunene, Ondjiva, pode tornar-se uma tarefa hercúlea.
Entre a estrada asfaltada e Ongwe é preciso vencer uma picada arenosa, muito pouco transitável, o que levou a viagem a arrastar-se por quatro horas.
Todo o cuidado foi pouco para garantir que os veículos todo-o-terreno, estafados da secura árida e quente e do esforço de circular na estrada arenosa, conseguiriam entregar os alimentos às centenas de pessoas que por ali vivem.
Na caravana da UNITA já sabia o que os esperava. No dia anterior, um percurso semelhante, até Mongua, arrastou-se desde as 16:00 até às 01:00, devido às paragens constantes para desatolar o camião dos donativos que se afundava na areia quase a cada cem metros.
No encerrar das VIII Jornadas Parlamentares da UNITA, o líder da bancada, Adalberto da Costa Júnior, deu este exemplo para confirmar a necessidade de declarar emergência humanitária nesta região e admitiu que "há inúmeras mortes que são aceleradas por consequência da debilidade em que as pessoas se encontram".
"Nos demorámos cerca de dez horas para fazer uma ida e regresso a cerca de 75 quilómetros de distância de Ondjiva. E dez horas porquê? Pela extraordinária dificuldade de acesso que não permite mesmo que a água chegue ao local que os deputados atingiram e nós encontrámos centenas de pessoas que caminharam quilómetros durante a noite, sabedoras de que, em determinado local, seria distribuída alimentação", assinalou, numa conferência de imprensa ao final da tarde.
Uma situação que considerou "inaceitável" na "Angola do século XXI", um país com "reservas e disponibilidade para impedir que morra um só angolano em consequência desta situação".
O grupo parlamentar da UNITA veio até ao sul realizar as suas VIII Jornadas Parlamentares, que começaram no dia 09 de Setembro na província da Huíla, e terminaram hoje na província do Cunene para chamar a atenção para o drama da seca.