Atravessar o continente africano com um questionário e uma caneta na mão para entrevistar pessoas sobre as suas circunstâncias, o que pensam sobre o que mais importa nas suas vidas, desde a percepção da corrupção aos acessos aos cuidados de saúde, se têm electricidade em casa, ou combustível para cozinhar, com a qualidade da governação e no desenvolvimento como "territórios" de eleição, é o que faz há quase duas décadas o Afrobarómetro, porque, como refere ao NJOnline Gyimah-Boadi (na foto), com os seus inquéritos, consegue "alertar os Governos para aquilo que os seus povos pensam e sentem", quando mais não seja, porque uma comunidade que se faz ouvir, ajuda os governantes a fazerem melhor o seu trabalho.

Angola deverá ser o 38º país onde este projecto pan-africano vai iniciar actividade, podendo isso acontecer já em 2019, se as conversações que o seu director-executivo e uma equipa que o acompanha nesta visita a Angola chegarem a bom porto, mas "nada está garantido", adverte o professor Emmanuel Gyimah-Boadi, que co-fundou o Afrobarómetro e lecciona no Departamento de Ciência Política da Universidade do Gana e é também director-executivo do Centro Ganês para o Desenvolvimento Democrático, um centro de estudo e análise em boa governação, democracia e desenvolvimento em África.

Quando diz que "nada está garantido", o que Gyimah-Boadi quer dizer é que, apesar da presunção de que Angola atravessa um "importante momento de abertura política e social", isso só deverá ser confirmado com o desenrolar dos trabalhos, até porque esta não é a primeira abordagem que o Afrobarometro faz à possibilidade de começar a trabalhar no país, tendo a anterior tentativa terminado sem sucesso.

"Para iniciarmos a actividade num determinado país, há um conjunto de requisitos mínimos exigidos", diz, sublinhando que "tem de ser um país relativamente aberto" e, face às conversas que foram mantendo, "seja com membros da comunicação social nacional e internacional, com organismos nacionais e internacionais, entendemos agora que Angola parece viver um momento de abertura política, para um nível em que podemos dizer que o Afrobarómetro tem condições para iniciar a sua actividade", o que não sucedia de forma satisfatória na anterior tentativa de começar a trabalhar no país.

De acordo com os estatutos, o Afrobarómetro trabalha sempre com um ou mais parceiros dos países em que marca presença, sendo estes essenciais na definição dos estudos a realizar, e é em busca desse ou desses parceiros que Gyimah-Boadi e a sua equipa estão em Angola por estes dias, mantendo conversações com universidades, ONG"s, empresas privadas...

Mas outra razão, além da nova realidade que o país vive depois da eleição de João Lourenço para a Presidência, para que só agora esta instituição pan-africana chegue com a sua credibilidade para a colocar ao serviço da democracia e do desenvolvimento angolano, é que anteriormente o país não tinha ainda realizado os censos, o que sucedeu só em 2014, e essa é uma condição de base porque o Afrobarómetro "só trabalha com amostras nacionais representativas e com as condições exigidas".

Mas... pode ainda não ser desta

Para já, "as coisas estão a correr muito bem", garante e, nota que, "se assim continuarem, provavelmente o Afrobarometro poderá ter a primeira pesquisa feita em Angola já em 2019".

"Presumimos que as coisas mudaram, mas suspeitamos apenas, não temos certezas, isso tem de ser validado... por agora é apenas uma possibilidade, tem de ser validada...", salienta.

Existe o risco de concluírem que Angola ainda não possui as condições mínimas para iniciarem a actividade para já?

"Sim, esse risco existe, é possível, como já aconteceu nalguns países, onde chegamos à conclusão de que não estavam ainda reunidas condições para dar início aos nossos estudos ali. E isso pode acontecer com Angola, claro...", diz de forma clara e sem titubear o director-executivo do Afrobarómetro.

Esta é uma oportunidade, pretendeu o NJOnline saber, para acabar com a forma caótica e desacreditada como têm sido divulgadas sondagens e estudos de opinião em Angola, como foi disso exemplo o sucedido nas últimas eleições?

"Quem nos conhece, quem está ligado a este meio, sabe que o nosso trabalho é totalmente credível, que cumprimos as mais exigentes regras e requisitos para realizar estudos de opinião e sondagens", respondeu, acrescentando: "Garantimos, entre outras coisas, que divulgamos a nossa metodologia, para que possa ser verificada, no nosso site, informando quando foi feito o estudo, quantas pessoas entrevistamos... e, dessa forma, um profissional facilmente percebe se está perante um estudo credível ou não!"

Um exemplo que Gyimah-Boadi usa para sublinhar essa credibilidade é o facto de o índex da Fundação Mo Ibrahim sobre governação em África ser produzido com base nos dados fornecidos pelo Afrobarómetro, com quem tem estabelecida uma parceria desde 2011.

Até onde chega o Afrobarómetro?

A actividade do Afrobarómetro está longe de se centrar nas questões políticas, a sua actividade abrange quase todas as questões relacionadas com o desenvolvimento social e económico e Emmanuel Gyimah-Boadi entende que desde a oposição partidária do país à comunidade internacional, passando pela sociedade civil ou o sector privado, "todos precisam de dados, todos têm interesse em saber se existem ou não problemas de carácter social, quais são as condições sociais e económicas, se as pessoas têm acesso a agua, ou combustível para cozinhar, ou electricidade... isto são questões que devem interessar a todos, não exclusivamente ao Governo ou à oposição".

"O Afrobarómetro produz informação sobre a realidade das pessoas, das comunidades, da sociedade, e isso é essencial para todos...", clarifica.

E é tanto assim que são vários os exemplos de países onde, ao ouvirem, perceberem, sentirem o peso daquilo que as pessoas pensavam sobre o seu comportamento, os governos alteraram políticas, definiram políticas para acabar com problemas como a corrupção, dando o exemplo do Gana, onde foi possível a mudança de políticas, de atitude do Governo, depois da divulgação de dados do Afrobarómetro, mesmo que indirectamente.

O sistema judicial no Gana, há uns anos, mudou muito e para melhor porque os responsáveis, recorda, "não gostaram de saber que a percepção dos cidadãos do país era a de que eram corruptos", e, por isso, abordaram o problema de forma agressiva para o resolver e muitas mudanças foram introduzidas, "levando a uma melhoria clara da percepção das pessoas sobre o aparelho judiciário do país".

Mas não é nestes exemplos claros e evidentes que Gyimah-Boadi foca as razões do sucesso do Afrobarometro nas mudanças ocorridas; essas, sustenta, acontecem de forma "quase silenciosa", com pouca publicidade da justificação das alterações e ocorrem quando "os responsáveis ministeriais, ao olhar para os resultados dos estudos de opinião do Afrobarómetro, por causa da sua credibilidade, iniciam mudanças, por vezes de forma silenciosa", sendo a educação a área onde isso sucede com mais frequência.

Tudo começou em 1999

Foi há 18 anos que o Afrobarómetro deu os primeiros passos, preenchendo um vazio numa altura em que a tecnologia digital e os dados começaram a ser essenciais na definição de políticas sociais e económicas em todo o mundo, permitindo ao continente africano, paulatinamente, apanhar esse comboio em marcha acelerada.

Primeiro em 12 países, lista que foi crescendo até aos actuais 37 e com a possibilidade de, em breve, aumentar para 38, com Angola a poder ser o próximo território para a realização de estudos de opinião credíveis, contrastando com a anarquia a que o país assistiu, por exemplo, no período eleitoral de 2017, onde surgiram sondagens para todos os gostos, podendo-se recordar, como maus exemplos, alguns que davam a vitória por larga margem a uma coligação, a CASA-CE, que, depois de somados os votos, elegeu "apenas" 16 deputados, sendo que pelo menos duas apontavam para a derrota clara do MPLA, que acabou vitorioso com uma maioria qualificada.

Confrontado com este cenário, o professor Gyimah-Boadi, sem sublinhado algum sobre a falta de qualidade do que existe no país nesta área, garante que os estudos do Afrobarómetro "são 100 por cento credíveis".

"Apenas produzimos amostras claramente representativas do país, trabalhamos com os arquivos dos Censos reconhecidos pelo Banco Mundial e pelas Nações Unidas, com o departamento do censos. Não olhamos nem a meios nem a custos para realizar o nosso trabalho e só assim não é quando a segurança física dos nossos entrevistadores está em causa, seja porque ocorrem conflitos num determinado país ou região, ou porque existem ameaças ou porque é fisicamente impossível de ir por razões incontornáveis, como, por exemplo, a queda de uma ponte", assegura.

"Temos protocolos para garantir que determinada entrevista é realizada e temos supervisores para saber se o entrevistador conseguiu ou não fazer a entrevista", acrescenta.

Desafios

O primeiro desafio na generalidade dos países africanos é a questão das acessibilidades, porque todas as entrevistas são realizadas cara a cara com o entrevistado, "não temos outra forma de o fazer...", nota.

Para além dos constrangimentos referidos, sejam conflitos ou ausência de acessos terrestres, há outros desafios, como, por exemplo, definir se as pessoas incluídas nas amostras dão respostas sem medo, com liberdade suficiente, sem receio de estarem a cair numa armadilha e, por isso, usam autocensura para se protegerem.

"Mas são cada vez menos os países onde isso acontece... no geral, nos 37 países onde estamos, somos capazes de garantir que o trabalho decorre segundo os nossos parâmetros e que as respostas não estão condicionadas por medo das pessoas incluídas nas amostras, que são respostas honestas e não politicamente condicionadas", assevera.

Todavia, acontece, como foi o caso da Etiópia, onde o Afrobarómetro concluiu que "algumas respostas não garantiam os mínimos para poderem ser aceites", porque, explica, "quando perguntamos se as pessoas tinham casa de banho, ou rádio ou telemóveis, carros... as respostas eram similares às obtidas noutros países com semelhantes perfis sociais e económicos, mas quando pedimos a opinião sobre se o Governo estava a fazer bem ou mal, as respostas que obtemos foram de molde a concluir que as pessoas faziam autocensura nas respostas, porque tinham medo...".

Emmanuel Gyimah-Boadi admite, embora sempre sublinhando que as coisas estão a melhorar rapidamente na generalidade dos países, que "muitas pessoas ainda não confiam, temem que exista qualquer interferência dos Governos no estudo e nos questionários a que estão a responder".

Há, porém, situações onde funciona ao contrário, onde as pessoas assumem e mostram uma tremenda coragem, como foi o caso do Zimbabué, onde, descreve o director-executivo do Afrobarómetro, "pelo facto de pensarem que os entrevistadores tinham sido enviados pelo Governo, não deixaram de dar respostas correctas, verdadeiras, aproveitaram mesmo para mostrar que não tinham medo e que faziam questão de dizer o que pensavam", na verdade com a esperança de aquelas respostas chegassem efectivamente aos governantes.

No entanto, para este projecto pan-africano, essas questões não sendo ignoradas, sucumbem em importância face ao que verdadeiramente move os seus mentores e fundadores: "dar voz às pessoas" porque isso é essencial para "fortalecer a democracia e ajuda ao desenvolvimento".

"Para nós, os motivos pelos quais fazemos estes estudos, estas sondagens, é para que as pessoas tenham uma voz, na política, na governação, uma oportunidade para que mostrem o que pensam sobre os seus governos, positivo ou negativo", sustenta.

E as pessoas têm, cada vez mais, consciência de que quando estão a ser entrevistadas, estão a usar uma ferramenta democrática para se manifestarem... e é tanto assim que sucede com frequência que, quando os entrevistadores concluem o questionário, que pode durar uma hora, diz Gyimah-Boadi, "há quem pretenda continuar, porque sente que ainda tem mais para dizer... o que é muito interessante, e mostra uma nova realidade a nascer em África".