Há, claramente, uma sensação de que a guerra na Ucrânia já não tem pés para andar devido às consequências que provocou em todo o mundo, com as partes, Moscovo e Kiev, a reduzirem o atrito verbal, mesmo que ligeiramente.
Mas também com os dois lados da barricada a procurarem chegar à inevitável mesa das negociações, porque todas as guerras terminam com um acordo, o melhor armados possível com a razão e a condição das suas forças na linha de demarcação dos combates.
A vitória de Trump nas eleições de Novembro criou um novo "clima" entre os aliados de Kiev, forçando os estrategas de Bruxelas a procurarem alternativas ao iminente fade out no fluxo de armas e dinheiro de Washington para a Ucrânia. (ver links em baixo)
Ainda nesta quinta-feira, 19, o novo presidente do Conselho Europeu, o português António Costa, quando recebia em Bruxelas o Presidente Volodymyr Zelensky, afirmava aos jornalistas que a Europa tinha de se preparar para apoiar a Ucrânia.
O antigo primeiro-ministro português foi claro ao afirmar, perante Zelensky, que a Ucrânia vai acabar por entrar na União Europeia, sem adiantar prazos, definidos ou alargados, e pode contra com o apoio europeu "total e incondicional, custe o que custar, e durante o tempo que for necessário", em guerra ou em paz.
Só que Zelensky já percebeu há muito que não tem como manter o esforço de guerra com a Rússia sem a retaguarda dos Estados Unidos, porque os seus aliados europeus, apesar da retórica, estão longe de ter o músculo militar mínimo para o efeito.
E isso ficou claro quando Costa dizia que os ucranianos podem contar com os europeus e Zelensky lhe devolvia a simpatia pedindo-lhe que mantenha a todo o custo a união com os EUA na máquina de apoio à Ucrânia.
E foi ainda mais longe na clareza, afirmando, ao lado de António Costa: "Nâo podemos deixar de contar com a unidade entre os Estados Unidos e a Europa" porque, acrescentou, é "muito difícil apoiar a Ucrânia sem a ajuda americana".
Claramente, mesmo que sem intenção, menorizando os europeus, Volodymyr Zelensky, atirou ainda: "É isso que vamos discutir com o Presidente Donald Trump quando ele chegar à Casa Branca".
Tropas europeias para o campo de batalha?
Numa altura em que até os media ucranianos começam a admitir que o país não tem capacidade de recrutamento para alimentar os campos de batalha, em países como a França, a Polónia e o Reino Unido reemerge o tema do envio de forças destes países para o combate directo no terreno.
O problema da falta de "mão-de-obra" para as trincheiras ucranianas, com números de baixas alarmantes, levou o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken a pedir abertamente que Kiev baixe o limite de idade para o serviço militar obrigatório para os 18 anos.
Algumas fontes falam em mais de 600 mil mortos e perto de um milhão de feridos do lado ucraniano - do lado russo os números serão semelhantes mas a capacidade de recrutamento é muito superior -, o que cria um vazio substantivo para ocupar nas linhas de defesa onde os russos parecem estar a avançar sem grande oposição.
Embora alguns analistas sublinhem que este pode ser muito bem uma forma de pressão sobre a Rússia para aligeirar a sua intransigência em aceitar flexibilizar as exigências para chegar às negociações, a verdade é que alguns países europeus começam a voltar a falar no envio de forças para combater ao lado de Kiev.
Como sempre, neste grupo está a França e, segundo Volodymyr Zelensky, que está em Bruxelas para conversas com a União Europeia e a NATO, o Presidente francês, Emmanuel Macron, voltou a mostrar abertura para enviar forças terrestres para a Ucrânia de forma a conseguir uma paz estável e duradoura.
Esta ideia de Macron de enviar tropas francesas para a Ucrânia não é nova, mas desta feita, parece ter por detrás uma ideia concreta que é alargar esse "Exército" aos polacos e britânicos, sendo que, no horizonte, está a criação de uma força de garantia de segurança após a definição dos termos para um cessar-fogo.
O mesmo foi dito pelos britânicos e polacos, que se mostraram abertos à possibilidade de deslocar forças para o terreno, na forma de força de estabilização, com a condição prévia de russos e ucranianos encontrarem uma base de entendimento para que isso seja possível.
A par da pressão europeia, a Ucrânia está igualmente apostada em manter a chama da resistência viçosa o mais possível, como o demonstram os sucessivos ataques de alvos na profundidade russa com os misseis balísticos norte-americanos de médio alcance, ATACMS, como autorizou o Presidente dos EUA, Joe Biden, e que Trump considerou uma "decisão estúpida".
Ainda neste contexto de mostrar força, a secreta militar ucraniana realizou mais uma operação de alto risco em Moscovo, ao assassinar, na terça-feira, 17, o general Igor Kirillov, comandante da componente química, biológica e radiológica das forças armadas russas. (ver links em baixo)
Este foi o atentado mais flamejante de todos os que as secretas ucranianas realizaram contra entidades russas, o que levou alguns analistas a admitir que, desta feita, Vladimir Putin abandonaria a sua contenção estratégica de forma a manter o foco exclusivamente no campo de batalha e considerando este, como os outros ataques, casos de terrorismo.
Condições para o calar das armas
Publicamente, Zelensky e Putin não desarmam nas condições mínimas para mandar baixar as armas e dar lugar à diplomacia.
A Rússia quer que os ucranianos aceitem que as cinco regiões anexadas entre 2014 e 2022, Crimeia, Kherson, Zaporizhia e o Donbass (Lugansk e Donetsk) são definitivamente russas, a garantia de que a NATO está fora da agenda de Kiev e o respeito absoluto pela cultura, língua e religião russas na Ucrânia do futuro.
Já em Kiev, os requisitos mínimos para negociar não são menos rígidos: A saída das forças russas de todos os territórios ocupados actualmente, incluindo a Crimeia, a aceitação dos russos para pagarem a reconstrução e o julgamento dos dirigentes russos num tribunal internacional.
O que os analistas esperam agora é que os dois lados mostre maior flexibilidade, como, por exemplo, fez Putin já hoje, quinta-feira, 19, em Moscovo, numa conferência de imprensa de balanço anual, onde afirmou que os combates são de extrema complexidade e não vale a pena desenhar quaisquer cenários específicos para se chegar ao fim das hostilidades.
Há, todavia, propostas que começam a emergir, como a que foi relatada por Ray McGovern, antigo analista de intelligentsia da CIA, num canal do YouTube, como estando a circular nos corredores dos decisores, que contempla a cidade de Odessa, na margem sul do Mar Negro ucraniano.
Segundo esta hipótese, face às fragilidades das forças ucranianas, com relativa facilidade os russos poderão ocupar o que resta do litoral ucraniano, incluindo a cidade de Odessa, o que, a acontecer, deixaria a Ucrânia sem acesso ao mar, fazendo deste gigantesco país uma região interior sem a mesma utilidade para, por exemplo, a União Europeia...
E Putin pode lançar como fórmula de negociação não a cedência de territórios já ocupados, mas sim as garantias de que não avança para Odessa, cortando o acesso de Kiev ao Mar Negro, o que pode ser, pelo menos, uma questão a considerar por Zelensky e a sua equipa.
A outra possibilidade, porque a Rússia está claramente por cima no campo de batalha, é Putin, que começa a ser fortemente pressionado pelos dados da economia já afectada ao fim de quase três anos pelas tremendas sanções ocidentais, aceitando o facto de a inflação (9,3%) ser agora uma dor de cabeça severa, abdicar do que lhe falta conquistar de Kherson e Zaporizhia.
A isso, seguir-se-ia o congelar da linha da frente nos actuais limites, satisfazendo-se Putin com o que tem, além de não abdicar da parte que falta de Donetsk, e a garantia de que Kiev não entra na NATO e respeitará a cultura, língua e religião russas.
Do lado de Kiev, a Ucrânia, devido à sua fragilidade nas trincheiras, pode ter na aceleração da entrada na União Europeia e na manutenção do acesos ao Mar Negro na região de Odessa, uma razão forte para aceitar deslocar o foco do campo de batalha para a batalha da diplomacia.