Em comunicado, depois de sublinhar que tomou conhecimento da acusação de Leite Silva, a petrolífera nacional diz que "refuta todas as acusações que lhe são dirigidas por serem falsas" e garante que as alegações apresentadas "estão a ser discutidas em sede própria".

"Sede própria", explica o documento enviado ao Novo Jornal, são os "vários processos judiciais, criminais e cíveis, que envolvem o senhor Mário Leite da Silva e os seus associados, a senhora eng. Isabel dos Santos e o senhor Sindika Dokolo" cujas investigações são do domínio público.

"A Sonangol aguarda serenamente pelo desfecho dos referidos processos judiciais em curso e, no demais, mantém-se, naturalmente, disponível para prestar todos os esclarecimentos" que sejam solicitados, para além dos que já prestou no âmbito dos processos em curso, em relação às alegadas denúncias de Mário Leite da Silva.

A Sonangol mostra ainda disponibilidade para esclarecer a "conduta" de Mário Leite da Silva e de Isabel dos Santos e Sindika Dokolo "perante a Sonangol", em "particular", durante o período invocado na "alegada denúncia".

Como começou?

Mário Leite Silva, um antigo e chegado assessor da empresária Isabel dos Santos, acusou o antigo presidente do Conselho de Administração da Sonangol e ex-Vice-Presidente da República, Manuel Vicente, de se ter apropriado ilicitamente de mais de 200 milhões de dólares em 2005.

O acusado nega de forma veemente e diz que se trata de "má fé", mas já tinha avisado em Janeiro que estas guerras são sempre de tal envergadura que acabam sempre "sem vencedores".

A acusação de Mário Leite Silva, ex-PCA do Bando de Fomento Angola (BFA), está suportada num documento que faz parte do processo judicial de arresto de bens de Isabel dos Santos, do seu marido Sindika Dokolo e dele próprio.

Mário Leite da Silva afirma na acusação que enviou a várias instituições internacionais, ter tido conhecimento do "contrato falso" pela análise de documentos que fez após ter sido alvo de um processo cível interposto pela justiça angolana, no âmbito da situação judicial em que se encontra igualmente a gestora angolana e filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.

Manuel Vicente, em nota enviada às redacções, nega de forma categórica a acusação de apropriação ilícita desta verba, 193 milhões de euros, pouco mais de 210 milhões de dólares (USD), dizendo que se trata de uma alegação "nitidamente falsa" e "ilustrativa da má-fé e/ou dos interesses inconfessos dos seus autores".

No mesmo documento, o antigo PCA da Sonangol e actual deputado do MPLA, diz que a acusação de que está a ser alvo aparece "infeliz enquadramento", destacando os "ataques falsos e graves" como "indecorosas manobras de diversão" no âmbito de "estratégias de defesa comunicacional e processual alheias", o que consiste numa alusão directa a Isabel dos Santos.

Manuel Vicente diz ainda no mesmo documento, que "em sede própria" vai agir com "os meios de reacção mais adequados a este ataque agora feito pelo Sr. Dr. Mário Leite da Silva".

Como explica a Lusa, em causa está o acordo da Sonangol, então liderada por Manuel Vicente, com a Amorim Energia para entrada no capital da Galp. Para tal, a Sonangol constituiu com a Exem Energy, de Isabel dos Santos, a `joint-venture` Esperaza, cabendo 60% à petrolífera e os restantes 40% à empresária. Posteriormente, a Esperaza detém 45% do capital da Amorim Energia, holding que tem uma posição de 33,34% na petrolífera portuguesa. Indirectamente, os angolanos controlam assim 15% da Galp.

Segundo a justiça angolana, o capital inicial da Esperaza, no valor de 193 milhões de euros, foi investido na totalidade pela petrolífera angolana, que reclama judicialmente o valor em dívida que corresponderia à parte da empresária.

Leite da Silva acusa o Ministério Público de Angola de atuar "em sub-rogação" dos interesses da Sonangol no sentido de obter, "como conseguiu", o arresto dos bens de Isabel dos Santos, do marido da empresária, o congolês Sindika Dokolo, e dele próprio.

Na denuncia feita aos reguladores, o gestor português sublinha que o "contrato" em causa "integra o crime de falsificação de documento e uso de documento falso" e indicia a "retirada ilícita de fundos públicos da Sonangol" e a prática, por parte de Manuel Vicente, de crimes de apropriação - peculato, abuso de confiança ou burla - participação económica em negócio, "bem como o branqueamento dos respectivos valores".

A carta assinada por Mário Leite da Silva foi enviada de Lisboa a 11 de Setembro para o Banco de Portugal, Banco Nacional de Angola, De Nederlandsche Bank, Banco Central Europeu, ABN AMRO Bank, Banco Comercial Português, Bank of America, Standard Chartered Bank e para o Parlamento Europeu.

Guerra sem vencedores, avisou Vicente

Recorde-se que, como que a adivinhar o futuro que é agora presente, Manuel Vicente, logo no início deste ano, a 04 de Janeiro, como o Novo Jornal também noticiou, deixou, através da imprensa, um aviso a Isabel dos Santos, no sentido desta perceber que uma eventual guerra com o Estado seria de tal modo violenta que não teria vencedores.

O antigo vice-Presidente de Angola e por longos anos presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Manuel Vicente, disse nessa ocasião, ao semanário português Expresso que na "guerra" que opõe Isabel dos Santos à justiça angolana, que a própria acusa de ter o envolvimento político do Governo de João Lourenço, "não haverá vencedores".

O jornal cita na íntegra um frase do ex-Vice PR: "Tenho pena que, perante o que se está a passar neste momento em Angola, ela (Isabel dos Santos) não entenda que, nesta guerra, não haverá vencedores".

Estas frases de Manuel Vicente surgiram quando num contexto em que o semanário publicado em Lisboa garantia que Isabel dos Santos disse em privado que está a preparar a divulgação de documentos que comprovam alegadas operações de financiamento feitas pela Sonangol que comprometem Manuel Vicente e outros elementos da administração da petrolífera, incluindo Gaspar Martins, e do próprio MPLA.

Os documentos a que alude o jornal terão, diz a notícia, sido retirados dos arquivos da Sonangol durante o período em que a empresária presidiu ao seu conselho de administração, cerca de um ano, entre o fim do mandato do seu pai e o início do de João Lourenço, que a destituiu, e conterão informação explosiva sobre movimentos financeiros na petrolífera que comprometem João Lourenço porque, alegadamente, serviram de suporte à campanha que conduziu à sua vitória eleitoral em 2017.

Manuel Vicente, recorde-se também, esteve envolvido numa forte polémica que quase dinamitou as relações entre Portugal e Angola, devido a suspeitas de envolvimento num conjunto alargado de ilicitudes, algumas delas relacionadas com a sua passagem pela Sonangol, e que a PGR angolana garante que mantém as investigações sobre o mesmo.