Com o objectivo de reunir e promover um mega encontro de marcas nacionais, estilistas, proprietários de fábricas, lojas distribuidoras de têxteis e acessórios para confecções, o Moda Made in Angola propõe-se desbravar caminhos até então nunca alcançados para a afirmação da produção nacional no que à moda diz respeito.
Entrevista a Prudenciana Ndayola
A moda, desde que começou a ganhar corpo em Angola, faz parte daquelas manifestações artísticas que nunca ocupou o lugar de parente pobre da cultura. O Moda Made in Angola, que tem também a Prudenciana à cabeça, é um bom pretexto para, digamos, revolucionar o mercado?
A convite de Emília Dias, directora e mentora do conceito inicial e a posteriori desenvolvido por um vasto grupo diversificado de pessoas de diferentes ramos do saber, criou- -se o Moda Made in Angola do qual Sebastião Delgado (que é director de projectos), Helena Damião, Bibiana Baptista, Carla Mussungo, Florbela Xandala, Cael Pascoal, Lukeny Dias, Nelma Garcia, Neil Barros e Prudenciana Ndayola constituem a equipa. Acreditamos que o mercado actual pede que as informações sejam compartilhadas entre os vários fragmentos e não há tempo para manter em segredo projectos, ideias e ideais, quando todos puxamos pelo mesmo fim, que neste caso é poder massificar a qualidade, industrializar em Angola e diversificar o sector. Não há monopolização do conhecimento e a opinião de todos os intervenientes do sector da moda angolana (desde estilistas, ilustradores, costureiros, empresários, modelistas, escolas de formação, criadores de eventos de moda, proprietários de lojas de tecidos e acessórios, proprietários e directores de indústrias têxteis, lojistas de pronto a vestir, consumidores, figuras públicas, comunicação social, modelos, fotógrafos, membros do governo, etc.) é valorizada. Este encontro prima pela reflexão do processo de criação à industrialização e comercialização do produzido por angolanos em Angola.
Hoje por hoje que análise crítica é que se pode fazer desse mercado da moda ou do estilismo?
O mercado da moda e do estilismo em Angola carece de maior inovação, suportada em investigação do nosso passado cultural e do seu desenvolvimento. É um instrumento importante para vencer a concorrência local e global, cumprindo e ultrapassando as expectativas das partes interessadas. Com destaque para os clientes, através da inovação consequente e permanente, nos produtos e nos serviços fornecidos, que raramente resulta de um exercício de inspiração e sorte, antes mais de um processo estruturado e planeado de reflexão abrangente sobre temáticas cada vez mais diversificadas, para além da dimensão tecnológica a que alguns teimam em associar exclusivamente ao sector da Moda em Angola. Estamos desejosos de contribuir para uma mudança da indústria têxtil e do vestuário, um dos sectores relevantes para o desenvolvimento e afirmação de Angola no mundo da moda, que se pretende rentável e competitivo no valor dos fornecimentos aos clientes e consumidores, ajustando-se para crescer em rentabilidade e sustentabilidade, relacionando-se mais estreitamente com os sectores de aplicação de futuro.
É um mercado em emergência como tal ou ainda perde muito para aquilo que são as tendências da moda importada que nos vão chegando por via da Aldeia global?
Na presente era da Aldeia Global ainda perdemos muito para aquilo que é o desenvolvimento genérico do produto final; distribuição em série e a preço que cabe a qualquer classe social. Por ser produzido fora de Angola, tudo chega aqui muito mais caro e com a produção aqui embrionária, a indústria que existe, e com todos os problemas que enfrenta diariamente, tais como o uso de energia alternativa, a diminuta mão-de-obra qualificada, a matéria-prima que vem maioritariamente do exterior, também encarece o produto final para que se melhore. É imperativo acompanhar e alargar o referido plano de acção e toda a abordagem sobre a industrialização do país, que o complemente com um sistema de informação e acompanhamento das variáveis de contexto e evolução dos resultados de negócios, equipado com pessoal cientificamente competente e usando os sistemas e as metodologias de Intelligence competitiva e de negócios mais actualizados. Só assim poderão ser obtidos dados e resultados abrangentes e de qualidade para as empresas, marcas, estilistas, criadores de eventos exigentes.
É assertivo hoje falarmos de uma moda angolana genuína ou é de opinião de que nada hoje é genuíno na expressão mais íntima do termo?
Creio que nada hoje é genuíno na sua expressão íntima pois para que se tenha um maior aprofundamento da questão é importante lembrar que a questão da moda vai além do que está conceituado. Não é apenas o retratar da aparência física, mas também a extensão das suas características de personalidade, que envolve tanto os traços físicos quanto os morais. Por isso essa parcial genuinidade, a que prefiro chamar inovação a que estamos sujeitos a nível criativo, surge de uma vasta procura do e no passado e a recriação dos mesmos. O que é genuíno neste caso é a aparência total - física e moral daquilo que é proposto pelos criadores da moda.
A impressão que dá é que se fica muitas vezes por alguns eventos esporádicos, à excepção dos já conceituados Angola Fashion Week, Moda Luanda, entre outros. E disso já não se sabe muito…
Actualmente, em Angola este ramo da indústria já está a desenvolver-se, pois não havia grande estímulo, somente começou a modernizar-se quando modelos angolanas e alguns estilistas e marcas angolanas passaram a ser mais solicitadas no exterior. Sendo o nosso país um núcleo muito forte e em vias de ser visado no mundo da moda e com diversos talentos a surgirem. É necessário que tenhamos estruturas mais sólidas e profissionais especializados. E que a criação destes eventos não se limite às passarelas, mas que se criem políticas para a comercialização e maior alcance do consumidor final dos produtos que são apresentados neste e noutros eventos que são realizados dentro e fora de Luanda. Há uma grande necessidade da moda sair deste circuito fechado e tornar-se mais ampla.
Não vemos, por exemplo, à excepção de alguns poucos nomes, estilistas nacionais a vestirem um naipe alargado de figuras de destaque no país. Isso deve-se à ausência de encontros como o Moda Made in Angola?
Sim. A ausência deste elo de comunicação, a vontade e o acreditar numa indústria da moda Made in Angola impulsionou a criação deste espaço que retratará o percurso e todos os intervenientes para que possamos tornar possível o que ainda é embrionário. Mas que já deu longos e vastos passos até ao estado actual. Por isso, teremos temas em mesa para reflectir sobre o que já foi feito, o que está a ser feito e o que deve começar a ser feito para dar este salto que é a industrialização local. Por outro lado, se a trajectória social da moda foi pautada pela necessidade de demonstração de diferenciação social, hoje os critérios estabelecidos neste sentido são bem menos limitados. Apesar de as diferenças de classes sociais serem facilmente percebidas na moda, critérios como idade, cultura, profissão e género são fortes influenciadores na definição das escolhas de moda, bem como a sua importância na definição da identidade da personalidade dos indivíduos. O fornecer produtos que possam criar competitividade, como aqueles que as nossas figuras estão habituadas a ir buscar fora das nossas fronteiras, é também um desafio e obstáculo a transpor. Há uma falta de comunicação e conhecimento do que é produzido com qualidade, diversidade e singularidade, que ainda é pouco, mas existe. E tornar o concebido em casa cada vez mais atractivo para todas as camadas sociais é um dos objectivos.
O Moda Made in Angola, para além de tudo aquilo que se já ouviu na imprensa e nas redes sociais, pretende ou não marcar uma nova era na moda em Angola?
Pretendemos, sim, dar continuidade a este percurso de transformações e descentralização desta nova era de uma moda mais consciente e próxima do consumidor. A moda, enquanto reflexo de circunstâncias e contextos sociais específicos, acompanha todas estas transformações. Ao invés de servir apenas para que as diferenças de classe fossem claramente expostas a partir das roupas, a moda passa a servir como uma produtora de subjectividade, democratizando e personalizando as escolhas. Esse processo de descentralização social sofrida por todos nós foi fundamental para o desenvolvimento de sub-culturas urbanas e desta nova face da moda angolana.
Quem é que vocês pretendem ter no evento, apenas pessoas ligadas à moda e à indústria têxtil ou outras mais entidades que vocês entendem como necessárias para a tomada de alguma coincidência sobre a vossa causa?
A moda superou a sua materialidade e desnaturalizou um dos aspectos mais regulares da sociedade: Vestir. Analisada sob os mais variados aspectos, os seus reflexos podem ser percebidos em teorias nas áreas da arte, psicologia, economia, sociologia, antropologia e outros. A sua interpretação já teve como fundamento a protecção do corpo, os encobrimentos morais, as leis sumptuárias, as divisões de classes sociais. Entretanto, a moda encontrou uma nova base para construir os seus fundamentos: A sua ligação com os conceitos de individualidade, subjectividade e de estilos de vida. Sempre associada a manifestações estéticas temporárias, a moda é aliada da efemeridade. Entretanto, essa facilidade de mudar de que é dotada funciona como um verdadeiro dispositivo social capaz de reflectir as muitas facetas do comportamento humano e apontar futuras mudanças. A moda é, assim então vista como uma forma de expressão da individualidade e da variedade dos estilos de vida. Por isso, pretendemos englobar todas as áreas a nível de representação das partes da sociedade, pois só com elas podemos ter sociedade no mais belo da sua diversidade.