Em 2011, lançou o seu disco de estreia "Clave Bantu", depois se seguiram "Movimento", em 2013, "Insular" (2015), "Dentro da Chuva" (2018), e hoje, sexta-feira, 04, vai lançar "Uma Música Angolana". Nesse álbum, teremos a mesma Aline Frazão?

Talvez pelo facto de eu ser a autora da maior parte das músicas desses trabalhos discográficos, para além de intérprete, considero que todos os meus discos partilham o cordão umbilical. O tom da escrita, as características rítmicas e as influências são sempre as mesmas. Ao mesmo tempo, seria estranho que, ao longo destes últimos 10 anos de carreira, eu não tivesse mudado. Mudei. E os meus álbuns mudam comigo. "Uma Música Angolana" é um disco que rompe radicalmente com o anterior, ao trazer de novo um som de banda, um som cálido, um som festivo e de celebração. É um álbum que mexe com essa coisa da dança, dos ritmos africanos, o que, na minha opinião, tem tanto de sacro e de introspectivo como as mais rebuscadas poesias, porque há coisas que nós só entendemos com o corpo.

Por que razão o título "Uma música angolana"?

É uma provocação carinhosa. Uma forma de reivindicar o feminino da palavra "músico", no sentido de ser uma profissão e um trabalho em que as mulheres ainda têm tão pouco espaço, ao ponto de soar estranho dizer "eu sou música". O problema é que dizer "eu sou cantora", como fiz tantas vezes, acaba por ser uma triste redução de todo o trabalho que realizo. A linguagem também nos limita possibilidades no mundo, sequestrando, digamos assim, a maneira como nos vemos, como nos imaginamos e como nos descrevemos. Então, é isso: eu sou uma música angolana. Por outro lado, é também uma proposta de conversa sobre as próprias características da música angolana, por um lado, sempre tão permeável e descomplexada ao longo da história, por outro, sempre tão aflita no seu obcecado caminho, rumo a uma identidade autêntica e única. São questões para todos pensarmos.

Fale-nos das histórias por trás de cada faixa musical de "Uma música angolana"...

Isto tiraria toda a graça ao leitor, que tenha curiosidade para ouvir este álbum pela primeira vez - o que me faria muito feliz. As canções são objectos vivos que deixam de ser nossos a partir do momento em que chegam aos ouvidos do público. Quem lhes dá sentido, realmente, é o público. A mim, cabe o desapego, por vezes difícil de concretizar, das intenções poéticas nos bastidores. Posso dizer que toda a canção tem uma história para quem a vive e se identifica com ela. Fico muito feliz quando algum fã vem dizer que esta ou aquela música representa, exactamente, o que ela sente sobre este ou aquele assunto. É verdadeiramente fascinante.

Pisou um palco pela primeira vez com nove anos de idade. Mas, profissionalmente, iniciou a carreira musical em 2011, quando lançou o CD "Clave Bantu", tornando-se hoje numa das grandes referências da nossa música, quer no País, quer no exterior. Que balanço faz dos seus mais de 10 anos de carreira?

Positivo. Há aquela citação que diz algo como "as pedras do caminho, guardo-as todas". É mais ou menos isso. Foram 10 anos de paixão, devoção, conquistas, tropeços, aprendizado, desilusão, ilusão, vontade de desistir, vontade de seguir em frente, necessidade de seguir em frente. Acima de tudo, fico muito feliz com tudo quanto tive a oportunidade de viver, consciente de que, às vezes, há muito mais acaso e privilégio em campo do que propriamente mérito. Mas sinto-me orgulhosa destes cinco álbuns, uma banda sonora, o trabalho que estou a desenvolver agora relacionado com o teatro, a escrita, a que gostava de dedicar mais atenção. Motiva-me a possibilidade de experimentar coisas novas noutras disciplinas artistas.

É esta necessidade de experimentar outras disciplinas artísticas que a levou, por exemplo, a estrear-se no cinema, em 2020, com a assinatura da banda sonora original do filme "Ar-Condicionado", longa-metragem de ficção produzida pela Geração 80?

Foi uma destas experiências com outras disciplinas artísticas que me abriu um bocado os horizontes para as novas formas de expressão, novas possibilidades de diálogo, de criatividade, de aventura. O filme "Ar Condicionado" é uma das pérolas do cinema angolano contemporâneo, e tenho muito orgulho em ter feito parte. No início, foi intimidante. É importante compreender o lugar da música num filme, numa cena, para uma personagem, para um espaço como Luanda, que é o local onde se desenlaça o filme, mais particularmente na Baixa. A proximidade com essa realidade da Baixa, onde vivi durante muitos anos, ajudou-me a imaginar a música do filme. Por outro lado, esta experiência deu-me um respeito ainda maior pelo poder do silêncio. Pode parecer contraditório, mas, na verdade, é um enorme descobrimento.

É, também, uma grande activista e feminista e uma defensora dos direitos das mulheres. Aliás, é um dos rostos do Ondjango Feminista, movimento de activismo e educação em prol da realização dos direitos humanos de todas as mulheres e meninas em Angola. A luta pelos direitos das mulheres será sempre uma causa sua?

Às vezes, parece um bocado ultrapassado defender políticas de justiça e igualdade, em vez de alimentar narrativas individuais de sucesso. É como se estivesse fora de moda voltar a pensar no colectivo como no tempo do antigamente. Mas, realmente, é minha convicção de que muitas coisas poderiam mudar neste País se se apostasse em políticas que promovam mais igualdade e justiça social. Estou a falar dos direitos das mulheres, mas também do combate à miséria, do direito à educação e à saúde, do combate ao racismo, à homofobia, à xenofobia, entre outras coisas. Qualquer tipo de discriminação, principalmente quando institucionalizada, impede o verdadeiro desenvolvimento de um país. Na verdade, não me parece que haja democracia e liberdade sem primeiro haver respeito pelos direitos das pessoas, sem excepções. Agora, tenho perfeita noção de que a ideia de igualdade é profundamente disruptiva, provocadora e inconveniente para o status quo. É assim com o feminismo. Simplificando aqui aquilo que é essencialmente uma questão estrutural, pode-se dizer que a opressão das mulheres tendencialmente beneficia os homens. Infelizmente, há muito boa gente que, em vez de querer discutir os porquês das coisas, prefere o caminho mais fácil, que é demonizar as feministas. O Ondjango Feminista é uma associação que se foca no trabalho junto das mulheres, um trabalho de consciencialização, de mobilização e advocacia pelos direitos das mulheres. É um dos colectivos políticos mais relevantes do País, na minha opinião, com um trabalho consistente, corajoso e muito competente.

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