Com o título "Les milliards du peuple angolais font la fortune d"un entrepreneur Suisse", que se pode traduzir por "os milhares de milhões de dólares do povo angolano fazem a fortuna de um empresário suíço", o jornal suíço Le Matin Dimanche publicou um extenso artigo em que passa a pente fino as "ligações pessoais" de Jean-Claude Bastos de Morais (na foto) com o aparelho de Estado angolano.

Contas redondas, num único ano, de 2014, Jean-Claude Bastos de Morais encaixou cerca de 120 milhões de dólares pela prestação de serviços de consultoria ao FSDEA. A partir do ano seguinte, 2015, passou a receber entre 60 a 70 milhões de dólares anuais pela gestão de sete fundos de investimento criados nas Ilhas Maurícias pela sua empresa Quantum Global, com 3 mil milhões de dólares do Fundo Soberano. A estes ganhos directos, decorrentes de honorários pagos pelo Fundo Soberano de Angola, Bastos de Morais junta dividendos de investimentos viabilizados pelo Fundo.

Por exemplo, o FSDEA financia em 180 milhões de dólares o projecto de mais de 800 milhões de dólares para construção do Porto de Caio, em Cabinda, cuja empresa concessionária - Caioporto SA - é detida maioritariamente pelo empresário suíço-angolano.

O Fundo também aprovou 157 milhões de dólares para a edificação de uma torre futurista no centro de Luanda, num terreno que pertence a uma empresa de Bastos de Morais.

Para além de o Estado angolano ter assinado um contrato com essa firma do empresário, uma segunda empresa do suíço-angolano ficou com a direcção do projecto e execução de uma parte da torre destinada a alojar escritórios.

Resumidamente estes são "os milhares de milhões de dólares do povo angolano que fazem a fortuna" do empresário, descreve o Le Matin Dimanche.

Por detrás desta análise está uma gigantesca fuga de informação, com a exposição de mais de 13 milhões de ficheiros de uma firma de advogados, a Appleby, que tinha nos seus arquivos os "truques" de milhares de pessoas e empresas abrangendo o período entre 1950 e 2016 para "pouparem" nos impostos devidos, ou ainda a Asiaciti Trust, de Singapura, ambas com escritórios e representações nos mais importantes paraísos fiscais do mundo.

Como Jean-Claude Bastos de Morais e a Quantum Global têm ligação privilegiada com os escritórios da Appleby nas Ilhas Maurícias e nas Ilhas Virgens Britânica, os Paradise Papers incluem centenas de documentos sobre o empresário suíço-angolano, considerado pelos advogados como um cliente de "alto risco".

No centro do escrutínio está a gestão do Fundo Soberano de Angola (FSDEA), confiada em 85%, à Quantum Global, empresa fundada e presidida por Bastos de Morais, cuja relação com José Filomeno dos Santos, presidente do conselho de administração do FSDEA, é apontada como um indicador das fragilidades do Fundo Soberano.

Recorde-se que Bastos de Morais é detentor de 85% do Banco Kwanza Invest (ex-Banco Quantum), participação que adquiriu a José Filomeno dos Santos, quando este foi nomeado para o FSDEA pelo ex-Presidente da República e seu pai, José Eduardo dos Santos.

Empresário foi condenado por crime económico em 2011

Essa proximidade ao poder angolano fazem do empresário suíço-angolano "uma excepção", nota o Le Matin Dimanche, tendo em conta que Bastos de Morais tem no seu cadastro uma condenação por crime económico.

"As pessoas condenadas penalmente por crime económico normalmente não gerem milhares de milhões de dólares de bens públicos", escreve a publicação, recuando a uma sentença judicial proferida a 13 de Julho de 2011 por um tribunal suíço do Cantão de Zug.

Nessa data, o líder da Quantum Global foi condenado por "gestão criminosa qualificada e reincidente", sentença que já não é passível de recurso.

O Le Matin Dimanche cita mesmo um excerto do veredicto, no qual o juiz conclui que o empresário e um sócio "enriqueceram indirectamente" na sequência dessa gestão, e demonstraram ter uma "mentalidade de self-service".

Apesar do historial, Jean-Claude Bastos de Morais não só conseguiu ficar com gestão de 85% dos activos do FSDEA, através da sua Quantum Global, como as suas empresas surgem na linha da frente dos projectos financiados pelo Fundo.

Conflito de interesses? O empresário defende que não existem, tal como rejeita a ideia de beneficiar pessoalmente dos projectos financiados pelo FSDEA.