Em questão está saber até onde poderão ir os membros da OPEP+ na extensão do programa de cortes e qual o limite para a dimensão desses mesmos cortes na produção para voltar a colocar o barril de petróleo a valer aquilo que os países membros do "cartel" consideram adequado para a saúde das suas economias e finanças nacionais.

Para já, como referem as agências com repórteres enviados a Viena, a Rússia, que se tem mantido resiliente face às propostas mais arrojadas no volume dos cortes e também no seu calendário, parece estar a reequacionar o seu posicionamento e deverá alinhar com os restantes, o que são boas notícias para os países exportadores da matéria-prima.

A proposta que parece colher mais apoios no seio dos membros da OPEP e entre os seus aliados nesta estratégia de controlo de danos no sector petrolífero, a OPEP+, liderados pela Rússia, incluindo ainda Cazaquistão e México entre outros 10 produtores, é, segundo relatam as agências, que o actual programa de cortes em vigor seja prolongado de Junho para finais de Dezembro e que os 1,7 milhões de barris por dia (mbpd) - aos quais acrescem 400 mil que os sauditas acrescentam à margem do acordado - que estão a ser retirados à produção normal sejam acrescentados de mais 1 mbpd.

É essa a proposta da comissão de especialistas da OPEP+ que foi incumbida de definir a resposta a dar às brutais quedas do barril de petróleo desde meados de Janeiro por causa dos efeitos da epidemia de coronavírus Covid-19 na economia do mundo, desde logo na China, a 2ª maior economia global e o maior importador planetário de crude, onde a doença surgiu, em Dezembro, num mercado alimentar de Wuhan, capital da província de Hubei.

Todos à espera de sexta-feira

Mas a decisão final só será conhecida na sexta-feira, ao final do dia, quando termina o segundo dia de trabalhos, aquele em que os 14 membros da OPEP, incluindo Angola, já com uma estratégia alinhavada no encontro de hoje, se reúnem com os aliados agregados na OPEP+.

Para estes dois dias decisivos para o panorama geral do mercado global do petróleo, Angola vai estar representada pelo ministro dos Recursos Minerais e Petróleos, Diamantino Azevedo, e ainda por executivos de topo da Sonangol e da Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANPG).

De Angola, espera-se uma posição claramente ao lado de todas as medidas que sejam equilibradas, como se pode sintetizar a partir das declarações dos responsáveis nacionais sobre o programa de cortes em vigor pela OPEP, permitindo manter o preço do barril num patamar que permita satisfazer os produtores e os consumidores, porque sem esse equilíbrio, as rupturas podem ser negativas para o futuro do sector.

A mais existe ainda o facto de Angola, desde há vários anos, nas poucas vezes em que apontou de forma clara para um valor, ter a fasquia dos 70 USD por barril como o ideal, e, por isso, face às medidas agora em cima da mesa, vai votá-las favoravelmente porque o milhão bpd a acrescentar aos cortes dificilmente incidirá sobre a quota angolana devido ao prolongado e consistente declínio da produção nacional.

Esse declínio, apesar das medidas vigorosas tomadas pelo Executivo de João Lourenço, nomeadamente na abertura de concursos para novos blocos, as alterações substanciais à legislação aplicável ao sector, a criação da ANPG, a transformação da Sonangol, etc, permite que a quota de produção angolana na OPEP esteja há vários abaixo do acordado e seja, por isso, intocável.

Mas, certo, certo é que estes dois dias de trabalhos em Viena vão conduzir a uma extensão do plano de cortes da OPEP+ e ao aumento da quantidade de petróleo retirado dos mercados.

Actualmente, o total subtraído à produção dos membros da OPEP+ é de 2,1 mbpd, que soma 1,7 mbpd do acordo e 400 mil bpd que a Arábia Saudita corta por iniciativa própria, podendo, se se confirmar o acrescento de 1 mbpd, chegar agora aos 3,1 mbpd.

A produção total da OPEP+ é de 43,062 mbpd, cerca de 40 por cento da produção total mundial, que se situa em torno dos 92 a 94 milhões de barris por dia, o que permite a este "cartel" uma capacidade de influência significativa na definição dos valores de mercado do barril.

E, por isso, só a colocação da possibilidade de mais cortes já começou a dar resultados, mesmo antes de efectivado este acrescento ao programa de diminuição da produção, porque o barril de Brent, em Londres, que determina o valor médio das ramas exportadas por Angola, iniciou hoje a sessão a subir, como tem sucedido desde o início da semana, a valer 51,40 USD, mais 0,59% que no fecho de quarta-feira.

A inquietação do "cartel"

Estas medidas, que estão a ser consideradas em alguns meios ligados ao sector dos petróleos como uma demonstração de inquietação por parte dos países exportadores, surgem no meio de uma crise mundial gerada pela epidemia de Covid-19, que, por exemplo, só na China, o maior importador planetário da matéria-prima, tenha levado a uma diminuição de 20% durante mais de 3 semanas nas suas compras, que se situam, em períodos normais, nos 13 a 14 milhões de barris consumidos diariamente.

Esta diminuição resultou do fecho de centenas de fábricas na China, incluindo as das marcas internacionais, nomeadamente as tecnológicas e as do sector automóvel, da forte diminuição da mobilidade interna, do fecho de fronteiras e das pesadas quarentenas usadas pelo Governo de Pequim para estancar a progressão da epidemia, o que se mantém parcialmente. Estas medidas estão agora a ser replicadas noutros países, como a Coreia do Sul, o Japão ou ainda a Itália, entre outros.

Apesar de a China estar a anunciar importantes avanços no combate à epidemia, os efeitos desta vão prolongar-se ainda por vários meses, segundo apontam os analistas das mais importantes casas financeiras do mundo e isso vai ter um impacto no sector petrolífero, para o qual a Agência Internacional de Energia (AIE) prevê, para 2020, uma forte diminuição do valor anteriormente perspectivado para o crescimento do consumo anual.

A procura, admite a AIE no seu relatório para 2020 publicado em meados de Fevereiro, vai contrair mais de 430 mil barris no primeiro trimestre, a primeira vez que isso sucede em 10 anos, o que leva este organismo a antecipar uma diminuição anual da procura de mais de 820 mbd para apenas 365 mbp, o que já não se via desde 2011.

Para já, recorde-se, apesar de esta semana ter registado um continuado aumento do valor do barril de Brent, o que interessa a Angola, mas também no WTI de Nova Iorque, desde Janeiro a matéria-prima em Londres já perdeu mais de 15% e cerca de 25% no WTI.

E para Angola, mesmo que o ideal seja passar os 60 USD por barril, o mínimo dos mínimos aceitáveis são os 55 USD que o Executivo utilizou como referência para a elaboração do Orçamento Geral do Estado para 2020.

Se o barril se mantiver abaixo desta fasquia por mais tempo, o Governo de João Lourenço vai ter, como o ministro dos Petróleos já o admitiu, de analisar a possibilidade de ter de avançar para uma revisão do documento reitor das suas contas, do seu deve e haver anual.

Os efeitos deste descalabro no valor do petróleo desde o início do ano na economia nacional podem ainda surgir como mais dramáticos se as contas forem apresentadas como o fez a ex-PCA da Sonangol, Isabel dos Santos, na sua conta do Twitter, onde lembra que por cada 10 dólares que o barril perde, Angola perde 5% do seu Produto Interno Bruto (PIB).

Isto quer dizer que os 15% que o barril já perdeu deste o início da crise actual, gerada pela epidemia de coronavírus, queimaram cerca de 7,5 por cento da riqueza nacional, medida pelo seu PIB, que actualmente é de cerca de 89 mil milhões de dólares norte-americanos, em 2019, segundo o Fundo Monetário Internacional.