Com o barril de Brent, que define o valor médio das exportações angolanas, nos 68, 26 USD perto das 10:10 de Luanda, mais 1,07% que no fecho de segunda-feira, e com uma subida semelhante no WTI de Nova Iorque, para os 65,12 USD, os mercados festejam mais a perspectiva de um novo período na economia global que propriamente a sua solidez.

Isto, porque da Ásia chegam notícias que podem, num ápice, fazer desmoronar tamanho optimismo, seja porque a Índia, um dos gigantes económicos globais, com 1,3 mil milhões de habitantes e o 3º maior importador de crude do mundo, mais de 5 milhões de barris por dia, começa a dar sinais de não estar a conseguir controlar a pandemia, sendo evidência disso o desmoronamento do seu sistema de saúde e a necessidade urgente de apoio internacional, que, de resto, já começou a chegar ao país.

A par disso, a economia já mostra estar a ressentir-se, com uma diminuição no volume das importações de petróleo.

África é igualmente um novo ponto quente da pandemia no mundo, com uma subida evidente no número de casos nas últimas semanas, como é disso exemplo Angola.

Mas também do Irão chegam notícias com grande potencial de impacto no preço do barril de crude.

Isto, porque desde que Joe Biden assumiu a Presidência dos Estados Unidos foi iniciado o processo de regresso de Washington ao acordo nuclear com o Irão, de onde tinha saído com Donald Trump, esperando-se que as sanções que impediam o país de exportar a sua produção petrolífera comecem a ser retiradas e, com isso, pelo menos mais 2 milhões de barris de petróleo voltem diariamente (mbpd) aos mercados.

Com o fim esperado das sanções, estando a decorrer actualmente negociações entre Teerão e Washington, intermediadas pela União Europeia, Rússia e China, os países que se juntaram aos EUA de Barack Obama para assinar o acordo nuclear com o Irão, em 2015, este país vai poder voltar à sua produção anterior, na casa dos 2,5 mbpd, com a premissa de que a produção máxima, que é historicamente na casa dos 5 mbpd, possa ser atingida num prazo de escassos dois a três anos.

Mas, para já, esta subida do valor da matéria-prima nos mercados resulta de dados objectivos referentes à Europa e aos EUA, onde os indicadores de consumos de combustíveis, como a gasolina, estão a subir de forma sólida e em consonância com o fim dos confinamentos apertados que permitiram a diluição da Covid-19, a par das campanhas de vacinação, o que, tudo junto, levou a um florescimento económico.

Está ainda a ser considerado importante para esta realidade o facto de a União Europeia estar a preparar um plano de abertura de portas a cidadãos de países terceiros que tenham concluído o seu processo de vacinação, como o Novo Jornal avançou na segunda-feira, desde que tenham, para isso, usado uma vacina aprovada pela Agência Europeia do Medicamento (EMA) - é o caso da vacina da AstraZeneca, em uso em Angola - ou uma que tenha sido aprovada para uso de emergência pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

A subida consolidada das bolsas mundiais, em especial na Europa, EUA e China - o gigante asiático foi o primeiro país a sair da crise pandémica - é outro factor relevante para o optimismo que varre os mercados petrolíferos, que estão a subir de forma progressiva há meses, mesmo que pelo caminho se tenham sentido alguns tremores, responsáveis pelo sobe e desce mostrado nos gráficos.

Angola, neste turbilhão, é um dos países exportadores, devido à dependência da sua economia, que mais sente de forma positiva a valorização do crude nos mercados, sendo cada dólar a mais um refrescante alívio para as suas contas públicas. Mas as ameaças históricas não desapareceram.

O que ameaça Angola...

Mantém-se no horizonte uma séria ameaça sobre a produção angolana de crude, dando continuidade a um ciclo negativo que começou em 2014, quando o barril caiu para baixo dos 100 USD, chegando a menos de 30 dólares em 2016, o que gerou uma sucessão de acontecimentos, desde o desinvestimento das "majors" à perda de vigor, envelhecimento, dos poços activos, a uma menor pesquisa por novas reservas...

O que conduziu inevitavelmente a que Angola fosse relegada para o 3º maior produtor africano de crude quando ainda há meia dúzia de anos estava no topo dos produtores no continente, perdendo para a Nigéria, o histórico rival, e para a Líbia, um país dilacerado por uma guerra civil de mais de uma década.

A produção angolana chegou mesmo, nestes dias, a baixar para pouco mais de 1,1 mbpd, antecipando as piores previsões da AIE que estimava em 2019 que Angola estivesse a extrair do seu offshore 1,29 mbpd em 2023, estando agora a níveis de 2006.

Com o surgimento da pandemia da Covid-19, os esforços em curso para impulsionar a produção nacional foram por água abaixo e as multinacionais a operar em território angolano optaram por colocar quase tudo em stand by, retirando pessoal técnico, parando o escasso investimento em curso, a ponto de ultimamente não estar activa nenhuma plataforma de perfuração, por norma eram entre quatro a seis navios de pesquisa (drillship) nos mares de Angola.

Apenas a Total e a ENI mantiveram a chama acesa com projectos em curso que atenuaram ligeiramente os efeitos da debandada sentida no sector em Angola, apesar dos esforços do Executivo para criar um ambiente legislativo e de negócios mais amigo dos investidores.

O que sobressai neste contexto é que Angola acabou por perder quase metade da sua produção tendo em conta que em 2008 o País estava muito próximo de atingir os 1,9 mbpd, insuflado pelo boom nos mercados que estavam a comprar o barril de Brent, nesse ano, em Junho, a 147 dólares, um recorde histórico.

Esta quebra, que é de 40% no mínimo, tendo em consideração os valores de há uma década, é um reflexo notório de anos de desinvestimento no País pelas multinacionais, sendo que, numa realidade global adversa aos hidrocarbonetos, onde a transição energética para as energias renováveis, forçada pelo Acordo de Paris, coloca, cada vez mais em evidência que o petróleo está à beira de perder importância.

E isso leva ainda, como alguns analistas têm sublinhado, a que as petrolíferas apostem mais onde o breakeven é mais baixo, como o Médio Oriente, com o barril a sair do chão a uma média abaixo dos 8 USD quando em países como Angola esse valor pode subir acima dos 20 USD.

O alerta da Carbon Tracker

Alias, um estudo internacional recente, elaborado pela iniciativa Carbon Tracker, aponta Angola como um dos países mais vulneráveis ao processo global de descarbonização da economia por razões de protecção climáticas que se traduz mesmo no desinvestimento das petrolíferas no sector para investirem nas denominadas energias limpas.

Este estudo denominado "Beyond Petrostates" nota que Angola enfrenta, até 2040, um défice de receitas na casa dos 76%, o que coloca o País na linha da frente das maiores vítimas deste processo planetário de substituição do petróleo como grande fonte energética mundial, o que exige de Angola um redobrado empenho na diversificação da sua economia.

O estudo diz isso mesmo, que os países nestas condições estão obrigados a definir políticas fortes de substituição de fontes de rendimento sob risco de enfrentarem dificuldades devastadoras para o seu futuro.

Para exemplificar esse abismo que têm pela frente, o estudo revela que as quedas das receitas nos próximos anos vão ser superiores a 13 mil milhões de dólares.

A Carbon Tracker é um think tank financeiro independente que desenvolve análises detalhadas e aprofundadas sobre o impacto da transição energética nos mercados de capitais e no potencial investimento em combustíveis fósseis.

Ainda assim...

A produção nacional média em 2020 foi de 1,22 mbpd, evidenciando o constante declínio devido ao desinvestimento das "majors" a operar no offshore nacional, especialmente a partir de 2014, quando se verificou uma quebra abrupta do valor do barril, que passou de mais de 120 USD para menos de 30 dois anos depois, em 2016.

As exportações de petróleo e gás de Angola caíram 7,26% no ano passado, para 18,2 mil milhões de dólares, resultantes das vendas de 446 milhões de barris de petróleo e gás equivalente.

Estes valores condizem com a exportação de 446 milhões de barris de petróleo e gás, avaliados num preço médio de 41,8 dólares por barril, segundo números fornecidos pelo director do Gabinete de Estudo Planeamento e Estatística do Ministério dos Recursos Naturais e Petróleo, Alexandre Garrett, citado na página oficial do MIREMPET.

Isto compreende ainda a exportação média de 1,22 milhões de barris por dia, consubstanciando uma diminuição de 7,2% em relação a 2019, mostrando uma continuada perda anual da produção nacional.

Apesar das mudanças substanciais na legislação referente ao sector e às alterações profundas nesta indústria decisiva para o País, a produção afasta-se cada vez mais dos patamares que se viram no passado.

Para já, com o barril na casa dos 68 USD, o Executivo de João Lourenço conta com uma folga de cerca de 29 USD em cima dos 39 USD que foi o valor usado como referência para a elaboração do OGE 2021, o que permite encarar com maior optimismo esta saída esperada da crise mundial, apesar dos fortes constrangimentos que a economia nacional enfrenta.

O crude é ainda responsável por mais de 94% das exportações angolanas, mais de 50% do PIB e representa 60% das receitas do Executivo para poder gerir as necessidades da governação, o que, face a uma lenta e demorada diversificação da economia nacional, se traduz numa mais optimista entrada no novo ano e nova década do século XXI.

E no que respeita ao futuro breve, o sector exige reflexão e claramente uma forte aposta na diversificação da economia, porque, como é hoje já consensual, o petróleo não tem muito mais tempo como principal combustível da economia mundial.