E o efeito foi quase imediato, voltando a pintar de verde o Brent, em Londres, flectindo da rota de cabotagem do caudal de notícias que chegam dos Estados Unidos, onde os stocks estavam a crescer, para o risco de o maior pesadelo dos mercados se tornar realidade.
O Estreito de Ormuz, situado entre Omã e o Irão, ligando o Golfo Pérsico ao Oceano Índico, é um dos mais escaldantes pontos do comércio de petróleo, passando por ali 21 milhões de barris por dia (mbpd), um 1/5 do total consumido no mundo, e 1/3 do gás natural liquefeito usado diariamente no planeta.
E o que voltou a dar o tom esverdeado aos mercados petrolíferos na manhã desta quarta-feira foi a ameaça directa do comandante da Marinha de Guerra da Guarda Revolucionária do Irão de fechar esta passagem estratégica para a economia mundial.
Tal cenário seria uma resposta ao ataque de Israel no início de Abril ao consulado iraniano em Damasco, Síria, matando 11 pessoas, com dois generais de topo do corpo de elite da Guarda Revolucionária, a Quds.
O que o comodoro Ali Reza Tangsiri veio dizer publicamente é que se o Irão se vingar do ataque em Damasco ao seu consulado e a retaliação de Israel for desproporcionada, Teerão poderá sempre usar o seu maior trunfo, que é fazer descarrilar toda a economia mundial.
Segundo alguns analistas, os iranianos estão a preparar a resposta contra Israel pela morte dos seus dois comandantes da Quds fazendo como no xadrez, pensando algumas movimentações à frente, procurando diluir a impetuosidade de uma eventual resposta de Telavive.
Ali Reza Tangsiri disse, citado pelas agências, que o Irão pode sempre e quando quiser fechar o estreito de Ormuz, embora não o pense fazer para já, advertindo que esse passo será dado "se o inimigo pressionar" de tal modo que essa solução seja justificada.
Isso pode ser feito pela força, minas navais e ataques da costa, seja, por exemplo, como já aconteceu na crise do Suez, em 1956, afundando navios de grande porte no seu corredor navegável, embora as situações não sejam comparáveis devido à muito mais vasta largura deste local quando comparado com o acesso entre o Mar Vermelho e o Mediterrâneo, no Egipto.
Recorde-se que este estratégico ponto de passagem é, há décadas, palco de incidentes e tensões entre o Irão e países ocidentais, nomeadamente EUA e Reino Unido, com apreensões de navios, ataques a cargueiros e petroleiros, reivindicados ou não, e é recorrentemente usado como arma de dissuasão iraniana através de ameaças de o encerrar total ou parcialmente.
Embora os traders e analistas de mercados já estejam habituados a estas ameaças, reduzindo o impacto no sobe e desde dos gráficos, a verdade é que todos eles estão cientes de que um dia o lobo está mesmo às portas do curral das ovelhas e ninguém vai ouvir os alertas de Pedro, como avisava Esopo na fábula "Pedro e o Lobo".
Por detrás destes incidentes estão, invariavelmente, a inigualável inimizade entre iranianos e israelitas, que, como adverte o oficial da Marinha de Guerra do Irão, estão agora presentes nos Emirados Árabes Unidos, o outro país com ligação directa ao Estreito de Ormuz, e isso é visto como uma ameaça clara a Teerão.
Para já, é claro que o principal efeito deste novo foco de tensões no Médio Oriente é que a ameaça iraniana sobre Ormuz está a diluir quase a ponto de desaparecer aquilo que comummente impacta fortemente nos mercados internacionais, que é a subida dos stocks nos EUA.
Além disso, o que, indirectamente, desagua sempre neste ritmo de tensão em tensão, em Gaza parece que o ansiado acordo de cessar-fogo entre Israel e as forças do Hamas está cada vez mais no universo das fábulas.
Isto, porque nada parece demover Israel da sua impetuosidade destrutiva naquele território onde já não resta perda sobre pedra e mais de 34 mil inocentes foram mortos pelas forças israelitas desde o igualmente aterrador ataque do Hamas, há seis meses, a 07 de Outubro de 2023, em Israel, fazendo ali mais de mil mortos.
Todavia, e apesar de se tratar de um assunto em desenvolvimento e que pode, de um momento para o outro, alterar toda a economia mundial, o barril de Brent, a referência essencial para as ramas exportadas por Angola, ainda estava, perto das 10:10, hora de Luanda, abaixo dos 90 USD.
A esta hora, o barril de Brent somava 0,33% face ao fecho de terça-feira, para os 89,75 USD... sendo que os analistas das grandes casas financeiras, como a Goldman Sachs e da JPMorgan, não desarmam da ideia de que em breve a fasquia dos 100 USD estará à vista do Brent...
Visto de Angola
Apesar de ter abandonado a OPEP recentemente, Angola, que é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, ter o Brent nos 89 USD permite, embora não seja o antidoto definitivo, diluir alguns dos efeitos devastadores da crise cambial e inflacionista, até porque o país enfrenta também o problema da persistente redução da produção diária.
Com OGE 2024 elaborado com um valor de referência médio para o barril de 65 USD, estes valores actuais permitem um relativo optimismo, mas aumentar a produção é o factor-chave, o que ficou mais fácil depois de Angola ter, em Dezembro passado, anunciado a saída de membro da OPEP, o que deixa um eventual acréscimo da produção fora dos limites impostos pelo cartel aos seus membros como forma de manter os mercados equilibrados entre oferta e procura.
O crude ainda responde por cerca de 90% das exportações angolanas, 35% do PIB nacional e 60% das receitas fiscais do país, o que faz deste sector não apenas importante mas estratégico para o Executivo.
O Presidente da República, João Lourenço, deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de aumentar a produção nacional, actualmente perto dos de 1,12 mbpd, gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.
O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.
Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.
Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.
A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.