Ao bater nos 76 USD logo na abertura e depois a manter-se na casa dos 77 USD, 77,45 USD perto das 09:30, hora de Luanda, o barril de Brent, que é a referência principal para as ramas exportadas por Angola, está claramente ameaçada a base de trabalho do Governo de João Lourenço para 2024, que foi usar no OGE como valor médio para 2024 os 75 dólares por barril.

Na origem desta "hecatombe", pelo menos na perspectiva dos países exportadores, e ainda mais na dos países com economias mais dependentes da matéria-prima, como é o caso de Angola, está a dúvida generalizada sobre o desempenho para os próximos tempos da economia global, com as fichas quase todas enfiadas na quebra acentuada no consumo de energia.

Como o Novo Jornal noticiava na quarta-feira, aqui, a realidade está a ser madrasta para os desejos e as estimativas da OPEP+, organização que junta os Países Exportadores (OPEP) e a Rússia, que mantém as baterias apontadas a um crescimento da procura ainda em 2023, mas também da Agência Internacional de Energia (AIE), que não arreda pé da ideia de que a realidade se vergará aos números.

Estes dois "oráculos" do universo petrolífero e da energia mundiais, que raramente se enganam e nunca têm dúvidas, estão a ser vergastados pela realidade há mais de um mês, desde que, em meados de Outubro, se começou a sentir o chão a tremer e, depois, esta semana, abanões cada vez mais sentidos até que, já hoje, o terramoto de valor mais elevado na escala das dores de cabeça das economias petrodependentes atirou o barril para baixo da fasquia confortável dos 80 USD por barril.

Isto, porque tanto a OPEP como a AIE não tiram o pé do acelerador da fé no potencial de crescimento das importações da China, apesar de os dados oficiais das suas alfandegas compilados pela Reuters indicarem em sentido contrário e isso ser cimentado igualmente pelo facto de a Índia, o outro gigante asiático, estar a empurrar o vizinho dos Himalaias para o 2º lugar dos maiores consumidores planetários de petróleo.

Ao desempenho abaixo das expectativas da China, onde o Governo de Pequim não consegue já esconder as suas preocupações ao anunciar um fórum nacional para analisar e encontrar novas fórmulas para não deixar o seu crescimento anual passar em baixa os 5%, positivo nas actuais circunstâncias mas muito abaixo dos 10% com que motorizou o mundo nas últimas duas décadas, há ainda que acrescentar as crises inflacionistas e de risco ou efectivação de recessão em vários países europeus e nos EUA.

Mas, depois, para baralhar ainda mais os dados, a Goldman Sachs emitiu agora uma nota onde diz que "os preços no sector petrolífero estão ligeiramente abaixo do esperado este ano apesar de a procura estar a exceder as expectativas mais optimistas", o que é mais um problema na forma de oximoro para os analistas queimarem neurónios.~

Ou seja, o que esta casa financeira, que tem apostado o seu prestígio nos últimos meses ao "adivinhar" uma passagem além dos 100 USD, mesmo até aos 110 USD para o barril este ano, está a dizer é que a procura está a aumentar e os preços a cair.

Só mesmo um caldo indecifrável de "cisnes negros" podem explicar tal bizarria, como as guerras na Ucrânia, no Médio Oriente e, especialmente isso, nos efeitos destas nas grandes economias ocidentais, e na Chinesa, deixando varias forças de igual valor soltas numa placa giratória onde a única regra é a 3ª Lei de Newton.

Face a este turbilhão, onde nem os melhores analistas arriscam o pescoço a fazer prognósticos, o melhor é esperar pelo fim do ano e depois fazer contas, mas quando este jogo passa para o campo da dura realidade das contas nacionais, o futuro não se apresenta nada radioso.

Com uma crise cambial às costas, onde o Kwanza já roça a fronteira do ridículo, com as organizações internacionais a colocarem a moeda nacional no topo das com pior desempenho no mundo, afectando negativamente o prestígio do país, e com uma inflação ruidosa a tapar o visor da máquina de calcular, o Governo angolano está com a difícil tarefa em mãos de encontrar soluções que nenhum Governo conseguiu em mais de 20 anos de paz: libertar a economia nacional da ditadura do petróleo.

E isso é o mais fácil de perceber enquanto urgência mas o mais difícil de fazer: o barril passou de 95 USD em meados de Outubro para 77 USD nesta sexta-feira, 17 de Novembro, perdendo no caminho de apenas um mês 17 USD, o que, para um país como Angola, cuja economia depende em grande medida das exportações de crude, e que produz cerca de 1,1 milhões de barris por dia, é... é fazer as contas.

E são estas

O petróleo representa hoje mais de 90% das suas exportações, corresponde até 35% do PIB e garante cerca de 60% dos gastos de funcionamento do Estado.

Sendo um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, para Angola ter o Brent nos 80 USD não permite diluir os efeitos devastadores da crise cambial e inflacionista em que vive actualmente, até porque o país enfrenta também o problema da persistente redução da produção diária.

O Presidente da República, João Lourenço, deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de manter a produção nacional acima de 1,1 mbpd com os campos "Ndola Sul", "Agogo Fuel ou os projectos "Begónia", "Cameia" e "Golfinho", gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.

O aumento da produção nacional não está a ser travado por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.

Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.

Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.

A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.