Angola tem ancorado o grosso da sua produção e das suas exportações na referência global Brent, que esta manhã, perto das 09:20, hora de Luanda, estava a descer lenta mas solidamente para a fasquia dos 80 USD, fixando-se a essa hora nos 80,41 USD, aproximando-se do valor médio de 75 dólares com que foi elaborada a proposta de OGE para 2024, que acaba de ser aprovada na generalidade no Parlamento.

Curiosamente, por detrás deste encolhe e estica dos gráficos dos principais mercados mundiais, há duas forças motrizes que não podem ser ignoradas, com, de um lado, o cartel que controla perto de 50% da produção mundial de crude, a OPEP+, onde Angola tem assento, e a Agência Internacional de Energia (AIE) e, do outro lado, a baralhar tanto optimismo, a famigerada... realidade.

Os dados referentes às importações não encaixam no optimismo destes dois organismos que são os alicerces do sector, ambos a apontar para um aumento da procura em 2023 na casa dos 2,4 milhões de barris por dia (mbpd), apontando ambos os "oráculos" para a China como motor desta "alegria".

Mas os dados mostram algo que não é tão nítido como querem fazer parecer, seja porque os media especializados têm fornecido dados preocupantes quanto à saúde e robustez da economia do gigante asiático, com o seu sector do imobiliário como calcanhar de Aquiles, mas também com números voláteis na produção e exportação industrial.

Isso mesmo fica em evidência nos números divulgados hoje pela Reuters recolhidos nas alfádegas chinesas que mostram que nos últimos 10 meses foram importados 11,6 mbp, perto de 1,43 mbpd acima da média de 2022 no mesmo período, o que mostra estar a realidade abaixo dos desejos da OPEP+ e da AIE, que prognosticam para o fim do jogo uma cifra acima dos 1,8 mbpd de aumento.

Alias, este "gap" entre os desejos da OPEP+ e da AIE e a realidade chinesa apresenta-se ainda de outra forma, que tem, na perspectiva dos países exportadores, e ainda mais dos petrodependentes, como Angola, um lado positivo e outro negativo, num equilíbrio difícil, como é evidente que será a vida dos que não conseguirem vencer o desafio da diversificação das suas economias, onde os países africanos, como Angola e Nigéria, ou Líbia, estão a milhas do que nesse capítulo está a acontecer na Arábia Saudita, Kuwait ou EAU, ou mesmo a Rússia.

É que a China, apesar dos esforços gigantescos do Governo de Pequim para relançar os fundamentais do seu sucesso, nomeadamente um fórum nacional onde o próprio Presidente Xi Jinping e o Partido Comunista Chinês foram maestros, este gigante económico e motor da economia global nas últimas duas décadas, estatuto que manterá ainda por mais alguns anos suceda o que suceder, está a perder o lugar mais cimeiro do pódio dos maiores importadpres de crude do mundo para a Índia.

Há praticamente dois anos, coincidindo com o início do conflito na Ucrânia, e por caysa das sanções ocidentais impostas a Moscovo, a Rússia virou os seus oleodutos do oeste para o oriente e está a inundar os dois gigantes, China e Índia, de petróleo e gás mais baratos, situação que a Índia, que recentemente ultrapassou o vizinho em número de habitantes, está, ao que tudo indica, a aproveitar melhor.

Os analistas mais dados à geoestratégia da energia há já alguns anos que antecipam que a Índia vai, mais tarde ou mais cedo, e parece que esse dia chegou, ultrapassar a China como a "locomotiva" que arrasta o consumo de energia mundial, tomando o lugar fulcral no sobe e desce do consumo planetário que até aqui era, e ainda será, em determinadas alturas, da China.

Tudo contextualizado no esforço que a Índia tem em curso para fazer crescer a sua indústria, ainda assente em combustíveis fósseis - ao contrário da China, onde florescem as energias verdes - no crescimento sem freio da sua população, contrariamente ao que sucede na China, e com o aumento de veículos automóveis "sujos" em circulação contrastando com uma China cada vez mais motorizada por veículos híbridos e 100% eléctricos.

Todavia, sendo esta a realidade, é também do conhecimento profundo no sector que a realidade não tem a importância que merece, porque um dos mais poderosos "drivers" no mercado energético foi e é o receio e o medo do... escuro.

E nestes tempos, com duas guerras em curso, envolvendo, a da Ucrânia, a Rússia, um gigante da exportação de crude e gás, e a do Médio Orientes, entre palestinianos e Israelitas, com risco de alastrar para os vizinhos, que produzem mais de 40% do petróleo diariamente queimado no mundo, o receio não é uma esdruxulice, é um facto.

E, sendo o risco de intempestivos nódulos nos oleodutos que alimentam a economia mundial, sejam da Rússia, sejam do Médio Oriente, onde pontuam os gigantes Arábia Saudita, EAU e Irão e Iraque, a OPEP+ e a AIE não deixam de alimentar este monstro que não parece nada, ou parece cada vez menos imaginário.

Como se não bastasse, para baralhar, tanto os países europeus como os EUA, estão a demorar muito mais que o esperado para se livrarem das grilhetas da inflação e da recessão, como é o caso da Alemanha, o motor europeu que está a gripar por ter ficado sem acesso ao gás natural barato da Rússia devido às sanções devido à guerra.

É neste caldo de incerteza e optimismo asiático e ocidental que o mercado do petróleo se vai movimentar, não deixando grande espaço para certezas que não sejam olhar para o que sucedeu nas últimas semanas.

E isso é o mais fácil de verificar: o barril passou de 95 USD em meados de Outubro para 80 USD nesta quinta-feira, 16 de Novembro, perdendo no caminho de apenas um mês 15 USD, o que, para um país como Angola, cuja economia depende em grande medida das exportações de crude, e que produz cerca de 1,1 milhões de barris por dia, é... é fazer as contas.

E são estas

O petróleo representa hoje mais de 90% das suas exportações, corresponde até 35% do PIB e garante cerca de 60% dos gastos de funcionamento do Estado.

Sendo um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, para Angola ter o Brent nos 80 USD não permite diluir os efeitos devastadores da crise cambial e inflacionista em que vive actualmente, até porque o país enfrenta também o problema da persistente redução da produção diária.

O Presidente da República, João Lourenço, deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de manter a produção nacional acima de 1,1 mbpd com os campos "Ndola Sul", "Agogo Fuel ou os projectos "Begónia", "Cameia" e "Golfinho", gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.

O aumento da produção nacional não está a ser travado por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.

Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.

Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.

A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.