Do Vaticano, Francisco fez saber ao mundo que considera "simplista e errado" dizer que a Rússia é a única parte responsável pelo trágico conflito no leste europeu, tendo, para isso, feito uma pergunta retorica "o Papa é pró-Putin?" e respondido com um esclarecimento claro e inequívoco: "Não, não sou. Dizer isso é simplista e errado, porque sou simplesmente contra a ideia de tudo reduzir a uma disputa entre bons e maus sem considerar a complexidade envolvente erguida sobre interesses e raízes profundas".

O Papa Francisco, apesar de parecer que as suas palavras conduzem a uma eventual simpatia pela Rússia de Vladimir Putin, como o próprio admite que existe na cabeça de algumas pessoas, na realidade mostra-se totalmente solidário com os ucranianos, que considera um povo de "grande coragem" que se confronta com a "ferocidade e a brutalidade" do invasor, que são os russos.

Estas palavras do Sumo Pontífice já têm algumas semanas, foram proferidas durante uma conversa com editores de publicações religiosas, mas só agora reveladas, com a sua autorização, seguramente, e quando é já notório que a União Europeia e os Estados Unidos anseiam claramente por uma saída para esta crise no leste europeu que está a devastar social e economicamente as grandes economias do ocidente, especialmente devido às pesadas sanções aplicadas à Rússia que parecem estar a sair pela culatra.

Numa das explicações dadas para a sua ideia de que não se pode reduzir de forma simplista a envolvência desta guerra, o Papa Francisco voltou a usar a expressão que já era conhecida e que remetia para um não identificado líder europeu, embora tenha dito tratar-se de alguém "muito sábio e que fala pouco", que lhe disse antes de 24 de Fevereiro, data do início da guerra, que a NATO estava a "ladrar às portas da Rússia" e que isso iria levar a uma reacção severa por parte de Moscovo, sublinhando que esse por identificar Chefe de Estado o avisara mesmo que a guerra seria inevitável se nada fosse feito.

O Papa admitiu que a III Guerra MUndial já tenha começado e apontou o dedo aos vendedores de armas com interesses no despoletar do conflito no leste da Europa.

Europeus mudam de linha forçados pelo custo de vida

Estas palavras de Francisco, que se traduzem claramente numa procura de impedir o afunilar de potenciais saídas para esta guerra, encaixam igualmente num contexto europeu em que a generalidade das populações estão a substituir aquilo que nos últimos meses foi um apoio claro e inequívoco à Ucrânia por um posicionamento mais pragmático e determinado pelos efeitos devastadores do conflito no seu bem-estar social, que diminui dia para dia sob os "bombardeamentos" da inflação, as "rajadas" de desemprego e as "explosões" de preços nos combustíveis e na falta de bens nas prateleiras dos supermercados que é já visível a olho nu.

Isso mesmo é revelado numa sondagem que envolveu 10 países europeus realizada pelo Conselho Europeu para as Relações Internacionais (ECFR, na sigla em inglês)), onde fica claro a mudança de pensamento sobre este conflito, que está agora mais focado no custo de vida que no apoio aos ucranianos, embora uma larga percentagem se mantenha ainda coerente com essa avassaladora convicção inicial.

Como se pode ler no documento divulgado pelo ECFR, a união dos europeus sobre este tema está agora claramente fragmentada e o seu foco a mudar de forma acelerada do campo de batalha para a bolsa, com uma maioria clara a querer agora uma solução rápida para o fim da guerra quando ainda há alguma semanas essa maioria estava do lado do que queriam ver a Rússia severamente punida pela sua opção de invadir o país vizinho.

Embora, apesar das alterações, ser ainda alta a percentagem dos que apoiam a Ucrânia, a mudança para o lado do que já não suportam a guerra e as suas consequências na qualidade de vida, o impacto no seu bem-estar social, é por demais evidente nos 10 países onde esta sondagem foi conduzida: França, Finlândia, Portugal, Alemanha, Itália, Polónia, Roménia, Espanha, Suécia e Reino Unido.

Uo dos autores do estudo, Mark Leonard, citado pelo Guardian, admite mesmo que se os europeus surpreenderam Moscovo com o seu apoio à Ucrânia, os problemas resultantes da guerra só agora estão a chegar de forma pesada e muito vai depender da capacidade dos Governos europeus conseguirem o apoio dos seus povos para as medidas políticas severas que vão ser obrigados a considerar e adoptar.

E uma das mais pesadas conclusões deste estudo é que a maioria dos europeus actualmente já só quer ver a guerra acabar, a sua vida voltar ao normal, mesmo que a Ucrânia tenha de conceder territórios aos russos.

Kiev pode ceder mais que territórios...

... pode mesmo deixar de existir, se suceder aquilo que Dmitri Medvedev, antigo Presidente e primeiro-ministro da Rússia, e um forte aliado de Vladimir Putin, considera já como possível... o fim da Ucrânia enquanto Estado soberano.

O actual vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia publicou nas redes sociais uma sugestiva mas perigosa mensagem que alguns analistas admitem ser uma espécie de jaela para dentro do pensamento vigente no Kremlin.

Nessa mensagem Medvedev questiona a viabilidade de um pedido ucraniano para protelar por dois anos o pagamento de energia este Inverno, perguntando: "Quem é que disse que daqui a dois anos a Ucrânia ainda vai constar do mapa mundial?!".

O aliado próximo de Putin não explicou mais nada, mas permite com esta lacónica frase perceber que existe no topo da hierarquia do Kremlin quem defenda que a Ucrânia deve deixar de existir enquanto país.

Entretanto, na frente de batalha...

...o foco permanece há já vários dias na cidade de Severodonestsk, na República separatista de Lugansk, sendo este o último rincão por conquistar pelas forças russas nesta república, embora já tenham o domínio de mais de 80% como admitem as próprias forças ucranianas.

Face ao avanço sólido das forças russas, os ucranianos estão a retirar o máximo de civis que conseguem, apesar do cerco quase total da urbe pelas unidades de combate de Moscovo, o que permite perceber que em poucas horas a Rússia terá caminho aberto para avançar para o que resta por conquiestar da república separatista vizinha de Donetsk, onde a artilharia ucraniana está a levar a cabo persistentes ataques de longo alcance, tendo mesmo atingido, segundo os separatistas, uma maternidade na capital, Donetsk.

Serhiy Haidai, governador da região leste de Lugansk, citado pela Lusa, reconheceu que a retirada em massa de civis de Severodonetsk deixou de ser possível, devido aos implacáveis bombardeamentos e combates na cidade, e explicou que as forças ucranianas foram empurradas pela artilharia pesada russa para os arredores industriais da cidade.

"Ainda há uma oportunidade para a retirada dos feridos, comunicação com os militares ucranianos e moradores locais", acrescentou Haidai, admitindo que as forças russas ainda não bloquearam totalmente a cidade.

Cerca de 12.000 pessoas permanecem em Severodonetsk, que tinha 100.000 habitantes antes da invasão russa, e mais de 500 civis estão abrigados na fábrica de produtos químicos Azot, que está a ser atacada pelos russos, segundo Haidai.

O general russo Mikhail Mizintsev disse que um corredor humanitário será aberto na quarta-feira para retirar civis da fábrica Azot, que informou que as pessoas deverão ser levadas para a cidade de Svatovo, 60 quilómetros a norte, em território sob o controlo de forças russas e separatistas.

Mizintsev, chefe do Centro de Gestão da Defesa Nacional, é acusado pela Ucrânia de violações dos direitos humanos, enquanto comandava tropas durante o longo cerco de Mariupol, o principal porto da Ucrânia no Mar de Azov, que foi tomado pelos russos.

Nas últimas semanas, as forças russas tentaram capturar a área industrial de Donbass, no leste da Ucrânia, que faz fronteira com a Rússia e é composta pelas regiões de Lugansk e Donetsk.

O Presidente ucraniano reconheceu hoje, durante uma conferência de imprensa com jornalistas dinamarqueses, que a situação no Donbass está "muito difícil", mas prometeu que as suas forças militares continuarão a lutar.

Volodymyr Zelensky defendeu esta terça-feira que é "crucial" a defesa do Donbass, região alvo de ataque por Moscovo, referindo que o resultado dos combates dará uma indicação para o resto do conflito, pedindo de forma insistente mais e mais armas pesadas enfatizando que só assim poderá aguentar e ripostar aos ataques russos.

Entretanto, o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, também defendeu que Kiev necessita de "mais armas pesadas" para combater o avanço das forças russas na região do Donbass, no leste da Ucrânia.

Mas, apesar da boa vontade do líder da NATO, o Ministério da Defesa da Ucrânia avança que Kiev só recebeu "10% das armas" pedidas aos países ocidentais.para combater as forças russas no terreno, em especial na região do Donbass, no leste.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar paara a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da

Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 6 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.