O pedido da ONU foi correspondido em apenas 16%, o que deixa as agências das Nações Unidas de mãos atadas para socorrer milhões de pessoas no Sudão à beira de sucumbirem à fome, com uma esmagadora percentagem de crianças, mulheres e idosos em maior risco.
Agora, num esforço derradeiro para evitar uma tragédia que, como recorda The Guardian, já é mais grave que a grande fome na Etiópia há 40 anos, muito por causa da guerra civil que está a desfazer as estruturas do Estado sudanês, os EUA chegaram-se à frente para encontrar soluções.
A embaixadora norte-americana na ONU, Linda Thomas-Greenfield, durante uma deslocação ao Darfur, uma das regiões mais afectadas pelos bloqueios humanitários devido ao uso dos alimentos e da fome como arma pelas partes em conflito, pediu ao mundo para "acordar".
"Precisamos que o mundo acorde para uma catástrofe e gigantescas proporções que está a acontecer à frente dos nossos olhos", disse a diplomata norte-americana aos jornalistas que a acompanharam.
Em El Fasher, a capital do Darfur do Norte, Linda Thomas-Greenfield notou que, apesar das dimensões desta tragédia, o mundo ignora o que ali se passa e os media deixaram de olhar para o Sudão, onde há anos o Exército regular e os rebeldes das Forças de Reacção Rápida lutam pelo poder, com os olhos postos nas riquezas do subsolo sudanês, especialmente o ouro do Darfur, mas não só...
Como a agência de notícias norte-americana, Associated Press, noticiava em Fevereiro de 2023, e o Novo Jornal também, a Rússia e o Governo sudanês estavam em vias de assinar um acordo para a construção de uma base naval no Mar Vermelho, estrategicamente situado face à Arábia Saudita, do outro lado do estreito que liga o Mar Arábico (Oceano Índico) e o Mar Mediterrânico (Oceano Atlântico) através do estratégico Canal do Suez.
Essas negociações (ver links em baixo nestas páginas) fizeram soar as campainhas nos países ocidentais, especialmente em Washington, Londres e em Bruxelas, que rapidamente procuraram pressionar Abdel Fattah al-Burhan, o Presidente do Sudão a bloquear essas negociações com Moscovo.
Tais pressões terão tido pouco ou nenhum efeito sob Burhan, o que levou a um coincidente crescimento das capacidades militares das Forças de Resposta Rápida (RSF) comandadas pelos general Mohamed "Hemedti" Dagalo, ambos homens que viram o seu poder crescer após a queda do ditador Omar al Bashir, em 2019.
E as suas desavenças surgiram em 2021, quando lideram um golpe militar para derrubar o então conselho de transição, disputando deste esse momento o poder pela forças das armas, primeiro com os olhos postos nos recursos minerais mas, segundo vários analistas, depois ao serviço de interesses externos opostos que serão, neste caso os EUA e os seus aliados ocidentais e a Rússia com apoios de outras potências com interesses na região.
Tal como em Gaza, onde o mundo tem concentradas as suas atenções, a fome no Sudão não é de origem natural, embora as prolongadas secas não ajudem, as pessoas estão a morrer à fome porque ambos os contendores usam os alimentos como arma, impedindo que a ajuda chegue às regiões controladas pelo "inimigo".
E esses bloqueios são a razão principal para o pior desastre humanitário a que o mundo assiste actualmente e que pode resvalar para dimensões raramente ou nunca vistas, embora também no desenho dessas proporções possam estar interesses escondidos, como, por exemplo, o permite como possibilidade o facto de ser a embaixadora dos EUA a deslocar-se ao Darfur, região sob cerco das RSF do general "Hamedti", para fazer esta denúncia.
A guerra civil no Sudão, que teve forte recrudescimento em 2014, já fez mais de 14 mil mortos registados nos confrontos, sendo que os números de mortos enquanto vítimas colaterais deste conflito é impossível de concretizar devido ao colapso das estruturas do Estado e à impossibilidades de aceder a vastas regiões devido aos bloqueios das forças em combate.
O envolvimento dos EUA nesta guerra civil sudanesa, como nota o britânico The Guardian, é criticado fortemente por muitos países, especialmente do Sul Global, porque apelam ao fim do conflito com um travão ao fornecimento de armas ao Sudão quando Washington é grande fornecedor de armas a partes em guerra noutros locais do mundo, como Gaza, por exemplo.