"Ninguém que tenha quaisquer ligações a actividades ilegais no Governo e na administração pública vai ficar no lugar", garantiu Volodymyr Zelensky já depois de ter sido conhecido um escândalo de grandes dimensões no seio do seu Governo, ligado essencialmente a compras de material militar e logístico com preços altamente inflacionados, embora estejam a decorrer investigações que podem conduzir a outros esquemas.

Além do vice-ministro da Defesa, e, do vice-ministro ucraniano das Infra-Estruturas, Vasyl Lozynsky, este já há algum tempo, por suspeita de inflacionar preços de geradores e ter recebido ilegalmente mais de 400 mil dólares por isso, quando o país se debate com cortes de energia gigantescos devido aos ataques russos, deixaram os cargos, entre dezenas de altos funcionários, o vice-chefe da Administração Presidencial, Kyrylo Tymoshenko, e o vice-Procurador-Geral, Oleksiy Simonenko.

Este episódio que afecta gravemente a forma como o Governo de Volodymyr Zelensky lida e gere os avultados apoios financeiro e militar, surge numa altura e que, entre os países europeus, como é o caso do Governo Checo, começa a ser questionado o volume do fluxo financeiro para Kiev, depois de ter sido aprovado pela União Europeia uma verba de 18 mil milhões de euros, sabendo-se agora que vai ser preciso muito mais e que isso, de uma forma ou de outra, terá de ser pago pelos contribuintes europeus.

Por isso, numa reacção a estas demissões, o ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Reznikov, já veio tentar sossegar os aliados ocidentais, porque esse é o grande risco em matéria de eventuais consequências, garantindo que com a saída de Shapovalo, se "preserva a confiança dos parceiros internacionais".

Existe ainda o risco de, apesar de se verificar uma espécie de cordão sanitário em torno do Chefe de Estado, este episódio poder afectar a imagem de Zelensky, até porque, por exemplo, um dos visados nos esquemas de corrupção era o mais antigo membro da sua equipa mais próxima, Kyrylo Tymoshenko, vice-chefe da Administração Presidencial, que está com ele desde a eleição, em 2019, e era o responsável pelo milionário programa de recuperação da infra-estrutura eléctrica, fortemente financiado pelos aliados ocidentais.

E é igualmente neste contexto que nesta segunda-feira, Zelensky, anunciou que preparava mudanças nas altas esferas do poder e proibiu os altos funcionários de viajarem para o estrangeiro, acrescentando que "nada voltará a ser como dantes".

Numa mensagem publicada no portal oficial, o chefe de Estado indicou, na noite de segunda-feira, que tinha decidido levar a cabo "mudanças" na equipa mas não forneceu detalhes sobre as alterações.

"Já tomámos decisões sobre os funcionários e vamos fazer alterações ao nível dos ministérios e do Governo central e em organismos regionais", afirmava o Presidente, sabendo-se depois que o maremoto de demissões vai ainda atingir as chefias militares de regiões como Sumy, Dnipre, Zaporijia e Kherson, o que permite concluir que estes esquema de subtracção de dinheiro ao Estado ucraniano tem ramificações profundas na estrutura militar.

Resta agora saber se este episódio de alastramento de corrupção vai ou não afectar a solidez do apoio multimilionário dos países da NATO e da União Europeia a Kiev.

Recorde-se que, segundo dezenas de títulos de media ocidentais, antes da guerra, tendo depois esse registo desaparecido, apontavam a Ucrânia, como é o caso do britânico The Guardian, para dar o exemplo de países totalmente submersos pela corrupção, cujo Estado estava aprisionado por máfias tentaculares e todas as suas dimensões.

Uma das frentes que pode ser prejudicada por estes escândalo abrangente no Governo de Zelensky é o contínuo fornecimento de dinheiro e material militar a Kiev, estando actualmente em cima da mesa uma batalha de bastidores para pressionar a Alemanha a fornecer os tanques Leopard-2, tendo já admitido que não se vai opor a que a Polónia envie os seus para a Ucrânia, visto que a reexportação carece de uma licença do fabricante.

Leopard-2 mantêm Alemanha sob forte "bombardeamento" diplomático

Isto, porque os ucranianos já não se satisfazem exclusivamente com os velhinhos T-72B, que estão tecnologicamente ultrapassados e aquém do poderio dos renovados T-80 e T-90 russos, que são importantes "upgrades" a partir do T-72 soviético, e muito longe do T-14 Armata, o "tanque" de última geração, o mais moderno da Federação Russa, que nem sequer foi ainda empregue no campo de batalha, tendo apenas sido apresentado em desfiles militares em Moscovo.

O que Kiev quer é pelo menos 300 modernos carros de combate peados, como já disse o seu ministro da Defesa, Oleksii Reznikov, principalmente os Leopard-2 alemães, que são considerados os melhores em todo o mundo, existindo pelo menos 2500 na Europa ocidental, mas que não estão a ser encaminhados para a Ucrânia pelos seus aliados, especialmente a Polónia e os "tigres" bálticos, Letónia, Estónia e Lituânia, porque a Alemanha, que detém as licenças de exportação e também de reexportação, não autorizou ainda esse passo.

Alias, na recente reunião de Ramstein, o Governo alemão de Olaf Scholz esteve sob um fortíssimo ataque diplomático, com uma pressão mediática jamais vista, de forma a que cedesse na autorização do envio dos Leopard-2 para a Ucrânia, bem como enviar parte do seu stock para a linha da frente.

Isso não aconteceu, totalmente, mas Berlim deu aval à Polónia para reexportar os seus Leopard-2 para a Ucrânia, o que é um passo relevante, embora ainda não seja o que Kiev pretende.

Berlim manteve o finca-pé no que toca ao envio dos seus blindados, alegando que esta é uma decisão que não pode ser tomada apenas por si, exigindo que os norte-americanos enviem também as suas "jóias da coroa" blindadas, os Abrams, bem como os britânicos os seus Chalenger-2 e os franceses os Leclerc) em fase de descontinuidade), actualmente os quatro melhores carros de combate pesados do mundo ocidental.

Sob forte pressão e até algum excesso na dimensão dos ataques a que tem estado sujeito, especialmente pelos polacos, o chanceler alemão, OLaf Scholz, esteve reunido nas últimas horas com o Presidente francês, Emmanuel Macron, em Paris, tendo ambos reafirmado o seu apoio "até onde for preciso e durante o tempo que for preciso"... mas nada de Leopard-2, por enquanto.

Ficou, no entanto, claro, que nem Paris nem Berlim querem ser responsáveis por um eventual escalar desta guerra, embora Macron tenha sublinhado que mantém a porta a aberta para que a França possa no futuro enviar alguns dos seus Leclerc para Kiev, sendo que, tal como Scholz, exige que seja no âmbito de uma decisão colectiva da NATO, o que exigiria a mesma abertura dos EUA e do Reino Unido.

Porém, alguns analistas, notam que tanto a França como a Alemanha sabem que esta guerra vai ter de chegar ao fim mais cedo ou mais tarde e que, então, a Europa ocidental vai ter de lidar com a presença incontornável da Rússia, que é o maior pais da Europa e do mundo, e um dos maiores fornecedores de energia.

Ora, se por um lado, os países ocidentais temem ver a sua tecnologia de ponta em matéria de blindados cair nas mãos dos russos, que poderiam assim estudar as suas eventuais debilidades - sendo isso mais evidente nos EUA com os seus Abrams -, por outro alemães e franceses sabem que a sua riqueza industrial tem sido sustentada em grande medida pelo acesso à energia, gás e petróleo, russos, baratos.

E para que, no futuro, isso possa ser restabelecido com mais ou menos proximidade ao que era realidade no passado, algumas linhas vermelhas deverão ser mantidas intactas, como, de resto, Moscovo já disse ser o caso do envio dos carros de combate principais alemães.

Os carros de combate pesados estão a ser visto por Kiev como uma espécie de panaceia, quando, segundo alguns analistas militares, como o major-general Agostinho Costa, do EuroDefense Portugal, na RTP3, explicou que estes não vão alterar substancialmente a realidade no terreno, e não vão conseguir inverter o ímpeto russo no terreno.

Alias, a Ucrânia está actualmente em perda na frente de batalha, com perdas avultadas em material e homens, realidade que os blindados não vão alterar de forma decisiva, facto que só ocorreria se os países ocidentais enviassem não só aviação moderna mas também militares em grande número para o terreno.

Mas isso seria uma guerra entre a Rússia e a Nato e não um conflito entre russos e ucranianos, apesar destes estarem totalmente dependentes do apoio ocidental, e a porta aberta para um Armagedão nuclear...

A frente diplomática mais activa que nunca

O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, esteve na África do Sul, numa visita importante e num momento em que também o Governo de Cyril Ramaphosa está sob forte pressão dos Estados Unidos devido à sua resistência em condenar a invasão russa da Ucrânia, e, além disso, se ter recusado a seguir a indiação de Washington para não aceitar nos seus portos navios russos sob sanções ocidentais, e chega esta terça-feira, 24, a Luanda.

Além disso, Pretória organizou, na sua costa austral, exercício militares que envolvem as armadas russa e chinesa, um claro desafio ao ocidente, sendo que agora soube-se que os russos vão estar nestas manobras com a fragata Almirante Gorshkov, que esta equipada com os misseis hipersónicos 2.0 Zircon, com valia nuclear, a jóia da coroa do novo armamento russo.

Estes exercícios, previstos de 17 a 27 de Fevereiro, que Sergei Lavrov tem na agenda de trabalho com a sua homóloga sul-africana, Naledi Pandor, estão a gerar forte polémica internacional e internamente, além destes, também a chegada a Pretória do governante russo, mereceu fortes reparos da oposição, que tema que estes momentos possam prejudicar a relação de negócios com o ocidente.

Para piorar o cenário, estes exercícios vão estar a decorrer no momento da "celebração" do 1º aniversário da guerra na Ucrânia, a 24 de Fevereiro.

Aparentemente as criticas à posição sul-africana não afectam o Governo de Ramaphosa, até porque o ministro da Defesa já veio admitir que os exercícios na costa de Durban visam o reforço das já sólidas relações entre a África do Sul, a China e a Rússia, que, como se sabe, integram os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.