O MPLA não tem tradição de funcionamento democrático. Por ocasião da sua institucionalização efectiva, em 1977, adoptou o centralismo democrático da tradicional escola do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), que passou a ser o seu modelo organizativo e o seu modus operandi. Os órgãos superiores decidem pelos intermédios e pelas bases, porque estes não só delegam naqueles a sua representação, como, frequentemente, se limitam a reproduzir de forma acrítica as orientações superiores, e, em última análise, do líder do partido. Tal funcionamento não permite a renovação de ideias, de métodos e de pessoas - e explica, em grande medida, o colapso da maioria dos partidos marxistas-leninistas. Ainda assim, o MPLA tentou alguma inovação, e, a partir de 1985, permitiu que, em vez da lista única fechada, previamente aprovada pelo Comité Central, os delegados aos congressos e às conferências pudessem escolher entre um número de membros dessa lista superior ao número de lugares. Essa nuance "permitiu" que os delegados ao Congresso de 1998 "eliminassem" do Comité Central, por voto secreto, Lopo do Nascimento, França Van Dúnem e Marcolino Moco. O caso não deixou de causar estranheza, pois Lopo era o Secretário-Geral incumbente e estava a promover a renovação e a modernização das estruturas do partido. Lopo era, assim, vítima de uma segunda cabala, depois da primeira, em 1978, que o tinha afastado do cargo de Primeiro-Ministro e do Bureau Político do MPLA. A partir dessa altura, as listas de candidatos voltaram a ser fechadas. O MPLA abandonou o marxismo, mas não o centralismo democrático, antes pelo contrário.
Para análise dos últimos acontecimentos no seio do MPLA, e na perspectiva do futuro imediato, é importante ter em consideração o dito até aqui. A "manifestação de interesse" de alguns membros se virem candidatar à presidência provocou perturbações assinaláveis. Depois da insólita entrevista de João Lourenço à TPA, no mês de Junho, o assunto voltou à colação na inauguração da nova sede do MPLA - uma manifestação de ostentação à maneira do PRI e do PCUS e um insulto aos cidadãos sofredores que indicia enorme falta de bom senso - e no comício comemorativo do pretenso 69º aniversário. Um parêntesis para realçar o insistente erro de considerar o 10 de Dezembro de 1956 como data fundadora do partido, quando é, apenas, a data da elaboração do famoso manifesto que, mais de três anos depois, viria a ser adoptado pelo movimento de libertação que conheceu a luz do dia em 1960. Outro erro é inventar um primeiro presidente (Ilídio Machado) de uma organização inexistente, quando ele, Ilídio Machado, liderou, sim, outra organização, de nome Movimento para a Independência de Angola (MIA), e por isso viria a ser preso em 1959 e enviado para o Tarrafal. Recorde-se que Ilídio Machado havia sido um dos fundadores, em 1956, juntamente com Viriato da Cruz (o autor do citado manifesto), António Jacinto e Mário António, do Partido Comunista de Angola que teve uma existência efémera.
Voltemos à actualidade. O nervosismo que parece ter atingido João Lourenço (bem patente quando afirmou que os partidos são organizações da sociedade civil) não pode justificar o seu comportamento. Uma vez mais o seu desejo de afirmação como líder partidário fá-lo esquecer que o cargo de Presidente da República obriga-o a certo decoro e distanciamento em relação a disputas partidárias. Ficar-lhe-ia bem limitar-se a desfazer o tabu - que deveria ter sido desfeito logo que a sociedade civil se manifestou largamente a desfavor - quanto à possibilidade de um terceiro mandato. Em vez disso, fartou-se de dar sucessivos tiros nos pés, primeiro dizendo que gostaria de se habilitar ao terceiro mandato, caso a Constituição o permitisse; depois, voltando a desconsiderar camaradas seus, os futuros eleitores no Congresso, ao condicionar a escolha do futuro presidente do partido a um perfil imposto por ele, como se fosse uma heresia a eleição de um presidente com larga experiência; e, finalmente, ao não admitir que os autores das por si designadas "manifestações de interesse" estivessem sempre no direito de agir de acordo com os estatutos do partido, estatutos esses que não são respeitados quando as divergências internas são tratadas de modo grosseiro como foram naquele comício.
O porta-voz do MPLA havia anunciado que o comício terminaria com um convívio à boa maneira angolana. Vi a quantidade de cerveja que foi mostrada nas redes sociais que soaram como um convite à adesão das "massas". No tempo colonial (anos 50-70), a visita de alguém importante como um governador de distrito, por exemplo, a um município era acompanhada por generosa disponibilidade de vinho em barril. Ironia das ironias! A luta pela abundante cerveja de borla e por um naco de boi no espeto, uma inovação trazida das terras de criação de gado do Sul, deu uma imagem da festa mais próxima da realidade. Se gente ligada ao grande partido se comporta daquela maneira perante um naco de carne, como não entender o comportamento da população faminta perante a possibilidade de saque de bens, alimentares ou outros, em dias como foram aqueles do mês de Julho último? Será que a direcção do MPLA fará uma avaliação do que foi o comício? Seria bom que as lideranças do País, perante acontecimentos como estes, associados agora à vandalização das linhas de transporte de energia para Cuanza Sul e Benguela, e a tantos outros, que levaram o Executivo a propor, e a Assembleia Nacional a aprovar, uma lei que o Tribunal Constitucional teve a "coragem" de considerar inconstitucional, seria bom, dizia, que as lideranças assumissem, finalmente, as suas responsabilidades pela situação de penúria que se vive, por insistentemente definirem políticas e fazerem opções erradas.