A gravidade deste assunto está bem patente na forma como a Casa Branca entrou em "modo de crise" logo após a exposição, na passada semana, em dois dias seguidos, no Twitter e no Telegram, a mais importante rede social russa, com, agora, o próprio Secretário de Estado da Defesa, Lloyd Austin, a vir a terreiro admitir a gravidade do assunto anunciado que está em curso uma arreigada investigação judicial a cargo do Departamento de Justiça de forma a averiguar quem está por detrás deste escândalo de segurança estratégica da maior potência militar do mundo.
Depois de alguns países, uma das consequências desta fuga, que expõe em praça pública que os EUA estão a espiar de forma sistemática até os seus aliados mais próximos, terem vindo a público exigir medida e um pedido de desculpa com garantia de que nunca mais sucede nada semelhante, como o fez a Coreia do Sul, também a Ucrânia veio manifestar o seu descontentamento com primeiro-ministro, Denis Schemyal, a anunciar que amuito aguardada contra-ofensiva prevista para as próximas semanas vai, afinal, ser atirada mais para o Verão, devido às consequências desta exposição de planos sobre a mesma.
Face a isto tudo (ver abaixo as questões mais melindrosas desta fuga), a Casa Branca tem em cima da mesa algumas questões poara responder, até porque o Presidente Joe Biden, que já lida com dificuldades relevantes para a sua recandidatura já semi-anunciada a partir da crise económica que o país atravessa, especialmente a inflação historicamente alta, tem agora uma potencial crise de confiança sistémica na sua infra-estrutura de intelligentsia.
Entre as respostas a dar estão quem foi o autor da fuga? Em que circunstância ocorreu? Que motivo tinha? Há mais documentos prontos para serem estrategicamente divulgados durante o período de maior melindre, que é o de campanha eleitoral? Foi um serviço com objectovos internos ou externos?... E, para já, ainda não foi dada nenhuma resposta concreta, apenas se viram tentativas de minimizar danos, como pressionar alguns países envolvidos para negarem as informações reveladas.
A atrapalhação norte-americana é de tal ordem que as movimentações demonstram à saciedade a importância desta fuga mas o porta-voz do Pentágono, John Kirby, veio fazer declarações vazias de conteúdo a ponto de dizer mesmo que não está seguro de que se tratem de documentos verdadeiros, colocando em cima da mesa a possibilidade destes erem sido alterados, ignorando que a história destes documentos vem muito mais atrás que o momento em que chegaram ao Twitter.
Isto, porque foram antes expostos na plataforma de chat Discord, conhecida por ser um nicho "habitado" por adictos de jogos online, incluindo jogos de guerra, e que foram atirados numa dessas conversas por um dos envolvidos numa espécie de demonstração de acesso privilegiado a informação "top secret", embora o que parece agora ser mera fanfarronice, tenha criado perturbações que podem ser históricas na Administração norte-americana.
O que está em causa e são as maiores revelações desta fuga de informação da intelligentsia dos EUA?
A mais melindrosa, e, por isso, a mais sujeita a tentativas de demonstração de ser informação falsa, é um documento onde surge esxposto o número de baixas de um lado e do outro, que desmente totalmente a informação dos serviços secretos norte-americanos e britânicos, que apontam para 200 mil mortos do lado russo, e um número inferior do lado ucraniano, quando a "verdade" agora exposta é que a Rússia perdeu "apenas" 17 mil homens enquanto a Ucrânia "registou" 71 mil mortos, o que pode ter um efeito desmoralizante relevante nas fileiras ucranianas.
Outra importante revelação para o campo de batalha no conflito no leste europeu é que a Ucrânia está à beira de ficar sem capacidade antiaérea para se defender dos misseis e drones russos que tombam em vagas sucessivas sobre a Ucrânia há quase um ano, especialmente munições para o sistema S-300 e BUK. Os paióis ucranianos já só respondem às necessidades até finais de Abril, início de Maio.
Não menos relevantes são os documentos que mostram que os EUA e a NATO desconfiam da capacidade das forças ucranianas para realizarem uma contra-ofensiva até ao Verão e se o fizerem que isso resulte na tomada de territórios ocupados pelas forças russas, sendo esta informação de extrema relevância porque os elementos do gabinete do Presidente Zelensky se têm desdobrado em afirmações galvanizantes de que as tropas ucranianas vão expulsar os russos de todo o território, incluindo a Crimeia.
Outro momento importante deste filme de espiões da vida real é que os documentos revelados mostram a forma como a intelligentsia norte-americana penetra nas muralhas russas, deixando pistas claras para que Moscovo, que os analistas dizem não ser razoável pensar que não estão a par desta realidade, tape alguns buracos paraos quais pudesse estar menos atento.
Outra questão, que incide sobre quatro países tradicionalmente aliados dos EUA, é que estes documentos mostram que o Governo egípcio planeou - embora tenha já desmentido - fornecer armamento à Rússia para uso na guerra na Ucrânia, mostrando o Presidente al-Sisi inquietação para que os seus generais garantam que esse fornecimento se mantivesse secreto de forma a não melindrar os ocidentais.
Sobre a Coreia do Sul, a questão passava por garantir que este país asiático fornecesse munições de artilharia aos EUA para restabelecer stocks embora Seul desconfiasse que estas seriam divergidas para a Ucrânia contra a sua vontade e sem autorização, o que levou Washington a manter a entourage do Presidente Yoon Suk-yeol sob vigilância espiando os seus passos e conversas.
Já sobre Israel, estes documentos mostram que a secreta israelita, a Mossad, apoia os protestos populares contra as reformas judiciais do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, o que pode gerar um tremendo desconforto em Tel Aviv no seio do regime.
E por fim nos Emirados Árabes Unidos, que os documentos mostram que, afinal está a trabalhar com os serviços secretos russos contra os EUA e o Reino Unido, o que Washington soube através de interceptação de chamadas telefónicas ou de interferência em sinais electrónicos de comunicação.
Como vai Joe Biden e a sua equipa resolver esta crise global é a grande questão. Alguns analistas admitem que dificilmente sairá incólume deste buraco militar, político e diplomático...
Todavia, sem certeza do que se trata de facto, as teses em consideração mais verosímeis pelos analistas passam por três pontos, primeiro, a possibilidade de se tratar de uma fuga interna com o objectivo de criar dificuldades aos democratas e à Administração Biden, em segundo, uma operação de pirataria informática protagonizada por adversários dos EUA, e em terceiro, tratou-se de uma operação de desinformação/deceção das secretas norte-americanas, que espalharam estes documentos para desviar as atenções ou criar surpresa na guerra da Ucrânia e estes últimos com referências à China e ao Médio Oriente servem apenas para adensar essa dúvida.
Crime sem remissão na frente de batalha
Entretanto, naquilo que já vem sendo habitual desde o início da guerra, as redes sociais foram inundadas por estes dias com dois vídeos que mostram aquilo que parecem ser soldados ucranianos a serem decapitados por militares russos ou mercenários do Grupo Wagner, tendo Kiev exigido acção imediata da comunidade internacional a condenar as atrocidades russas enquanto Moscovo já pediu que estas imagens sejam devidamente investigadas porque elas mostram uma selvajaria inaceitável.
As autoridades já abriram uma investigação a estes dois casos de dois vídeos filmados em tempos diferentes, como se pode verificar pela sua envolvência, nomeadamente na vegetação, sendo um recente e outro do Verão passado.
Estas imagens terríveis, que se juntam a outras não menos tenebrosas perpetradas por um e pelo outro lado, são mais um episódio da brutalidade desta guerra.
Do lado russo, embora se condene a selvajaria e se pde investigação aprofundada, repetem-se as alegações de que se trata de militares ucranianos a serm castigados por outros militares ucranianos, havendo várias contas nas redes sociais pró-russas, onde de resto, estes vídeos foram pela primeira vez divulgados com essa alegada origem, que sublinham tratar-se de crimes ucranianos contra ucranianos.
A CNN afirma mesmo que esta versão tem suporte nas palavras do chefe dos militares do Grupo Wagner, Yevgeny Prighozin, que se referiu há meses à descoberta em Bakhmut, quando ali chegaram as suas unidades, de militares ucranianos com as mãos atadas e cabeças decapitadas.
Para já, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, reagiu dizendo que os vídeos são "imagens terríveis", pedindo que sejam verificas com afinco para atestar da suaa autenticidade.
"Temos de perceber se e onde isto aconteceu. E quem é responsável", disse, alertando para o "mundo de falsidades" em que se vive e em que "é necessário verificar a autenticidade destas imagens".
Entretanto, o Presidente ucraniano está a investir fortemente neste assunto, com repetidos vídeos a chamar a atenção para estes alegados crimes russos, depois de ter dito antes que lamentava que a questão dos documentos secretos norte-americanos estar a desviar as atenções do que mais interessa que é a guerra na frente de batalha.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.