Na armadilha que Trump preparou a Ramaphosa um pormenor foi esquecido pelos orquestradores do esquema que deveria humilhar o sul-africano, o de que a imprensa sul-africana já estava alertada para o que viria a suceder como toda a teatralização seria passada pelo crivo dos jornalistas, claramente desconfiados das intenções do inquilino da Casa Branca.

E foi através desse trabalho de verificação de factos que foi descoberto o embuste de Trump, que não se coibiu de recorrer a imagens feitas na República Democrática do Congo (RDC) para achincalhar Cyril Ramaphosa com "provas" dos assassinatos em série na comunidade branca.

O que Trump pretendia com as imagens falsas que agora se sabe serem oriundas da RDC ou forçadas na sua explicação, era demonstrar, perante Ramaphosa e dezenas de jornalistas de câmaras de filmar apontadas ao "alvo", que estavam a decorrer funerais em massa de brancos assassinados nas suas fazendas.

Isto, na presença de Elon Musk, o multibilionário dono da Tesla e da Space X, e conselheiro de Trump que, ao que tudo indica, enquanto principal instigador deste caso, lhe levou as "provas" da matança de brancos na África do Sul.

Segundo The Guardian, um dos media que foi verificar os factos transmitidos por Trump, foram mostradas imagens sobre funerais comunitários de cidadãos da comunidade afrikaner na África do Sul a partir de reportagens-vídeo da agência Reuters feita em Goma, na RDC, no contexto da invasão dos rebeldes do M23 apoiados pelo Ruanda.

Recorde-se, ver aqui e aqui, ao mesmo tempo que as imagens iam passando, em vídeo ou em papel, Donald Trump ia fazendo legendas verbais apontando-as como provas do "genocídio de brancos na África do Sul".

A Casa Branca não reagiu à divulgação do resultado da verificação dos factos feita pela Reuters, incluindo um vídeo igualmente falso em que um memorial situado na África do Sul é apresentado como sendo de um conjunto alagado de sepulturas de brancos assassinados na onde de violência a que se refere o Presidente dos EUA.

Segundo a informação prestada pelo autor do Memorial, situado entre as pequenas cidades de Newcastle e Normandein, este foi erguido, de facto, após a morte de dois agricultores brancos, para chamar a atenção sobre este problema, mas não é um local de presença de múltiplas sepulturas, como Trump referiu durante o teatro montado para encostar Ramaphosa às cordas.

Recorde-se que este encontro na Casa Branca foi pedido pelo próprio Cyril Ramaphosa para discutir com Trump questões relacionadas com as relações bilaterais, muito debilitadas nos últimos anos devido à aproximação de Pretória à China e à Rússia.

Além disso, Ramaphosa queria convencer Trump de que a violência na África do Sul é um facto mas não é dirigida à comunidade branca de modo algum, e queria ainda que o norte-americano voltasse atrás com a sua decisão de não ir à CImeira do G20, em Joanesburgo, em Novembro.

Tudo tendo como pano de fundo o polémico programa criado por Trump para receber nos EUA refugidos brancos da África do Sul "perseguidos e alvo de um genocídio" por razões raciais.

Outra questão levantada por Trump foi uma canção vulgarmente entoada por elementos mais radicais, como nos comícios dos Combatentes pela Liberdade Económica (EFF, na sigla em inglês), de Julius Malema, um jovem político que defende, de facto, a nacionalização das terras dos brancos para serem redistribuídas por cooperativas de negros, onde se grita "morte aos boers", como são conhecidos muitos dos brancos sul-africanos.

No entanto, como muitos outros momentos simbólicos, também estes cânticos são já parte do folclore político destas alas mais aguerridas, sendo poucos, como as autoridades policiais sul-africanas têm repetido, os casos em que elementos afrikaner são mortos em actos de violência racial.

Ramaphosa não escondeu a Trump que a África do Sul atravessa um dos seus momentos mais dramáticos no que diz respeito à segurança pública, com vagas sucessivas de criminalidade, grande parte desta com recurso a violência extrema, mas afectando todas as comunidades prevalecentes no país, desde a maioria negra à minorias branca e asiática.