Nesta conversa com os media, à margem do Fórum Internacional de Economia de São Petersburgo, onde estão 140 países e é uma das janelas que a Rússia usa para mostrar ao Ocidente que não está isolada, Putin voltou a acusar a NATO pela guerra na Ucrânia.

Mas foi a Zelensky que o chefe do Kremlin dedicou, já noite dentro de quarta-feira, 18, a sua maior atenção, avisando-o que pode encontrar-se com ele, como o ucraniano anda a pedir há meses, mas se houver condições para assinar um acordo, "terá de ser outro a fazê-lo".

É que, como a Rússia tem insistido com particular ênfase desde Maio de 2024, altura em que teriam de ser realizadas eleições Presidenciais na Ucrânia, mas proteladas sucessivamente devido à Lei Marcial vigente, Zelensky "não tem legitimidade" de Estado.

Pode sim, admite Putin, ser um interlocutor válido e sentar-se com ele à mesa, mas quando chegar o momento de assinar qualquer documento que seja acordado entretanto, a assinatura tem de ser, de acordo com a interpretação de Moscovo da Constituição ucraniana, pelo Presidente do Parlamento em Kiev.

A questão da legitimidade de Zelensky enquanto Presidente não é sequer um tema em Kiev, onde o seu poder não foi nem está a ser posto em causa, embora o próprio já tenha admitido a necessidade de realizar eleições assim que isso for possível sem a ameaça da guerra presente.

Esta manifestação de disponibilidade de Putin para se encontrar com Zelensky é uma evolução relevante no contexto das negociações directas que estão a decorrer em Istambul, com duas rondas negociais já realizadas, e é uma exigência repetida do líder ucraniano.

Mas os analistas mais próximos de Moscovo notam que este gesto de boa-vontade de Putin tem de ser contextualizado com a realidade do conflito no terreno, onde os russos estão em larga vantagem, com avanços sólidos em várias frentes, e os ucranianos atravessam a situação mais frágil em mais de três anos desde a invasão russa a 24 de Fevereiro de 2022.

Isto, porque Kiev tem sentido, e verbalizado o seu incómodo diariamente, apesar das repetidas promessas dos seus aliados ocidentais de mais apoio, uma redução dramática das remesas de armamento e dinheiro dos países europeus e dos Estados Unidos.

Isso é especialmente visível na fragilidade das suas defesas aéreas, incluindo em Kiev, onde a Federação Russa tem desferidos sucessivos golpes atingindo alvos militares sem qualquer reacção das anti-aéreas ucranianas, ao que tudo indica devido à escassez de projectéis para os sistemas norte-americanos Patriot e alemães Iris-T.

Entretanto, nesta conversa com os jornalistas ocidentais presentes na Rússia, que Putin já criou o hábito de convocar sempre que decorrem estes eventos internacionais, claramente para lhes mostrar que, ao contrário do que propalam, Moscovo não está isolada, o líder russo voltou a apontar o dedo aos líderes ocidentais a propósito das "raízes" da guerra na Ucrânia.

Vladimir Putin voltou a dizer que os países ocidentais são os verdadeiros responsáveis por este conflito ao insistirem no avanço da NATO para leste, aproximando a organização militar ocidental das fronteiras da Rússia, como era ideia em Washington, Berlin e Paris ou Londres, fazer com a Ucrânia.

Mas avisou que essa estratégia de fazer das fronteiras russas as fronteiras da NATO não tem qualquer possibilidade de continuar e explicou que foi precisamente essa a razão para a operação militar especial lançada por Moscovo.

"Como eu avisei, a situação vai piorar para a Ucrânia", apontou Putin, acrescentando que em cima da mesa, a cada nova ronda negocial, acrescem tópicos além dos já conhecidos, sugerindo assim que a Rússia pode almejar agora mais territórios ucranianos além das regiões anexadas em 2022, Kherson, Zaporizhia, Donetsk e Lugansk, e em 2014, a Crimeia.

E disse ainda que a clara ausência entre os aliados e financiadores ocidentais de Kiev de uma "vontade genuína" de chegar a um acordo, vai conduzir a uma situação em que "a Federação vai continuar a alcançar os seus objectivos através de meios militares" até que em cima da mesa das negociações "apareçam condições sensatas da parte ucraniana".

Putin aproveitou ainda para dizer aos europeus e norte-americanos que o rearmamento da NATO, onde se destaca o aumento para 5% do PIB dedicado à defesa exigido pelos EUA aos seus aliados europeus ou os 800 mil milhões de euros de investimento na União Europeia, até 2030, na Defesa, propaladas pela alemã Ursula von der Leyen, que preside à Comissão Europeia, são um problema para o Kremlin.

"Nós não consideramos o rearmamento da NATO uma ameaça à Rússia, porque nós somos auto-suficientes em termos de garantir a nossa segurança", avisou Putin, citado os media ocidentais.

E, como é seu hábito, claramente no sentido de ridicularizar os lideres europeus, submissos aos norte-americanos, disse ser infantilidade o uso da ameaça russa para que as lideranças europeias convençam as suas sociedades a aceitarem gastos extraordinários e inflacionados na Defesa.

Putin usou mesmo, segundo a russa RT, o exemplo da Alemanha nazi, quando o responsável pela propaganda de Adolf Hitler, Joseph Goebbels, dizia que "quanto mais monstruosa a mentira, mais facilmente o povo nela acredita".

E avisou que essa postura ocidental apenas conduz a uma escalada global no rearmamento e nas tensões a que a isso estão sempre ligadas, enquanto os recursos investidos em armas resultam de uma redução severa dos meios disponíveis para as questões sociais e o desenvolvimento social, mesmo que também a Rússia seja acusada de estra a seguir esse caminho pelos lideres europeus.

E depois de ter estado já por diversas vezes ao telefone com o Presidente Donald Trump, Putin parece que não tinha ainda dito tudo o que queria ao seu homólogo americano, aproveitando esta conversa com os media ocidentais para lhe enviar mais uns recados, quase sempre simpáticos.

Questionado sobre a guerra na Ucrânia não teria acontecido se Trump fosse Presidente, como este repete sistematicamente, Putin respondeu que "ele está, provavelmente, certo", porque, ao contrário de Joe Biden, por exemplo, o actual Presidente dos EUA "sabe o custo dos conflitos, como homem de negócios que é" e sabe ainda "medir com precisão as consequências das decisões sobre a política internacional".

O chefe do Kremlin verbalizou ainda a sua disponibilidade permanente para falar com Trump porque, seja por telefone ou presencialmente, quando os dois conversam, "há sempre resultados positivos" desses momentos.

Isto foi dito já depois de Trump, o que Putin ignorou claramente, se ter referido com alguma adstringência à última conversa entre ambos, quando disse que tinha dito a Putin que antes deste querer mediar o conflito israelo-iraniano, deveria antes "mediar o seu conflito com a Ucrânia".

E foi, precisamente, sobre este conflito no Médio Oriente que Putin largou a sua "bomba" mais explosiva em direcção a Trump e a Israel, afirmando que não quer sequer ouvir falar ou discutir" a possibilidade de os EUA e Israel se juntarem para assassinar o Líder Supremo iraniano Ali Khamenei, como o norte-americano disse que pode acontecer a qualquer momento.

"Esse é um cenário que não quero sequer abordar", avisou Vladimir Putin, que tem bem presente que a Rússia e o Irão têm uma parceria estratégica na Defesa assinada há pouco tempo, cerca de dois anos, e que Teerão foi dos primeiros aliados a apoiar Moscovo na guerra com a Ucrânia, enviando, entre outro material, milhares de drones, os famos Shahed, que permitiram à Rússia recuperar de uma clara desvantagem nessa área face a Kiev.

Sobre o conflito entre Israel e o Irão, e a possibilidade de os EUA entrarem em cena nas próximas horas, Putin disse que os iranianos não tinham pedido qualquer acção russa no contexto desta guerra, admitindo mesmo que o Irão não mostrou sequer grande interesse na possibilidade de aumentar a cooperação militar com a Rússia.

No entanto, sabe-se que a Rússia enviou para o Irão os seus sistemas de defesa anti-aérea S-300, menos sofisticados que os modernos S-400 e S-500, e ainda cerca de duas dezenas de modernos aviões SU-35, embora nenhuma destas armas se tenha ainda visto em acção no conflito com Israel.

O que alguns analistas consideram ser uma estratégia iraniana para depois lidar com a escalada esperada para esta guerra que é a entrada dos EUA no ataque ao Irão ao lado de Israel, naquilo que é uma putativa estratégia muito mais abrangente que o mero actual ataque ao programa nuclear de Teerão, indo mesmo ao coração da mudança de ordem mundial procurada pelo eixo Moscovo-Irão-Pequim. (ver links em baixo).