O gesto ameaçador do Presidente dos EUA, cuja tradução em termos militares já tem várias interpretações, mas nenhuma consolidada, deixou de boca aberta a maior parte dos analistas e especialistas militares, porque pode envolver uma escalada na tensão entre as duas superpotências nucleares.
E isso é resultado do facto de os dois submarinos que Donald Trump enviou para o Pacífico serem nem mais nem menos que os submersíveis estratégicos nucleares da Classe Ohio, os maiores alguma vez construídos nos EUA, com capacidade para transportar 24 Trident, misseis balísticos intercontinentais de múltiplas ogivas, dos quais os Estados Unidos possuem 14 na sua frota, embora apenas um destes navios seja suficiente para destruir o Planeta Terra.
Esta decisão extraordinária do Presidente norte-americano foi conhecida numa sua publicação na rede social Truth Social, sua propriedade, e resulta de uma inusitada e igualmente extraordinária conversa entre Trump e o ex-Presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, que tinha chamado a atenção para os riscos de destruição mútua no caso de um conflito atómico.
A sucessão de eventos foi de tal modo estranha, desde a conversa numa rede social entre o Presidente dos EUA e uma figura de segunda linha russa, que é o que é Dmitri Medvedev, ao anúncio do envio dos dois submarinos nucleares estratégicos para as costas da Rússia, que o mundo ficou em silêncio e natural reflexão sobre o significado do que se está a passar.
Mas não em todo o lado. Em Kiev, Andriy Yermack, o principal conselheiro e Chefe de Gabinete do Presidente Volodymyr Zelebsky, de facto o número dois do regime ucraniano, aproveitou esta segunda-feira, 04, o silêncio no Kremlin sobre o ousado movimento de Trump para dar uma alfinetada em Vladimir Putin.
"Finalmente aparece o momento `submarinos nucleares' para o silenciar (a Putin). A Rússia só percebe uma coisa: a força", escreveu Yermack, naquela que foi a primeira reacção oficial de um país relevante neste contexto de tensão entre americanos e russos, que levou mesmo ao cancelamento da visita a Moscovo de Steve Witkoff, o enviado especial de Trump para a Federação Russa, que estava prevista para esta semana.
No entanto, esta sucessão de factos estranhos, seja a conversa inusitada de Trump com uma figura secundária do regime russo, seja o anúncio do envio dos submarinos para as costas russas, emerge de um contexto marcado por uma aparição, na sexta-feira, 01, de Putin com o seu aliado bielorusso, Aleksandr Lukashenko.
Nessa conversa, perante os jornalistas, o chefe do Kremlin elogia, por um lado, a recente postura ucraniana face às negociações em curso entre Kiev e Moscovo, mas, por outro lado, garante que os objectivos bem conhecidos da Rússia para a sua "operação militar especial" na Ucrânia não foram alterados apesar de almejar uma "paz duradoura e sustentável" com Kiev.
Mas também num momento em que russos e chineses iniciaram um gigantesco exercício militar naval conjunto no Mar do Japão, no Pacífico, denominado "Mar Junto-2025", destinado, oficialmente, a aprimorar precisamente a luta anti-submarina das marinhas dos dois países.
Só que os analistas não têm dúvidas de que se trata da afirmação da tal parceria estratégica "sólida como uma rocha" entre Moscovo e Pequim, o que só pode ser um recado para Washington e, por isso, numa possibilidade aventada por vários analistas, a verdadeira razão para Trump ter enviado os dois "Ohio" para a região-
Apesar desta rugosidade crescente nas relações de Trump com Putin, estando já muito longe a fase inicial de enamoramento entre os dois, o Kremlin mantém oficialmente um discurso de aproximação à Casa Branca e em Washington também surgem sinais mistos, porque Trump acabou depois por anunciar que o seu enviado especial para a Rússia, Steve Witkoff, vai, afinal, a Moscovo nos próximos dias.
Isto, quando os dois países beligerantes persistem nos ataques aéreos mútuos, embora a Rússia apresenta uma clara supremacia com ataques diários, quase sempre nocturnos, com recurso a centenas de drones e dezenas de misseis de vários tipos e calibres, destruindo múltiplos alvos militares ou infra-estruturas civis de relevância militar, como centrais eléctricas e pontes...
Do lado ucraniano ressalta nos media ocidentais um ataque de grande eficácia ao depósito de combustíveis numa refinaria a cerca de 150 kms de Moscovo, resultado de um drone que viajou centenas de quilómetros, atravessando todas as defesas anti-aéreas russas.
Mas, como em todas as guerras, é na linha da frente que se medem as vitórias e as derrotas, e nos mais de 1000 kms de trincheiras, a Ucrânia apresenta sérias dificuldades em vários pontos, especialmente na região de Donetsk, Donbass, onde as forças de Moscovo acabam de tomar a fortaleza de Chasiv Yar e estão já dentro da cidade estratégica de Pokrovsk, o que abre o caminho em linha recta e sem obstáculos substantivos para as últimas duas grandes urbes desta província, Kramatorsk e Kupiansk.
Isto, num momento em que alguns analistas, como John Mearsheimer, um dos maiores especialistas mundiais em geopolítica e relações internacionais, professor da Universidade de Chicago, e Douglas McGregor, antigo conselheiro de Donald Trump, já não têm dúvidas de que a guerra na Ucrânia só chegará ao fim com as condições ditadas por Moscovo.
Tanto Mearsheimer como McGregor, ou ainda Jeffrey Sachs, conhecido economista e autor sobre questões globais e professor da Universidade de Michigan, entendem que o ocidente, EUA e Europa Ocidental, que ainda não estão em condições de aceitar as consequências de uma vitória clara da Federação Russa.
Isto, porque isso vai colocar em questão a NATO e, provavelmente, também a União Europeia, o que só pode ser resolvido com um acordo abrangente entre Washington e Moscovo que abarque toda a infra-estrutura de segurança na Europa e na EurÁsia e, provavelmente, também no Indo-Pacífico.
Um sinal de eventual regresso ao patamar negocial foi, entretanto, dado por Trump, já esta segunda-feira, 04, quando este, perante os jornalistas, nos jardins da Casa Branca, e quando está a chegar ao fim o prazo dado de 10 dias para a aplicação de 100% de tarifas secundárias aos parceiros comerciais da Rússia, visando especialmente China e Índia, admitiu que se calhar não vale a pena porque "eles", os russos, "são muito sagazes a contornar as sanções", insistindo que o mais importante é acabar com "esta guerra estúpida".
Um momento extraordinário para esse fim do conflito mais devastador na Europa deste o fim da II Guerra Mundial, onde já morreram centenas de milhares de soldados, de ambos os lados, pode ser a reunião dos três gigantes do mundo, Putin, Trump e Xi JInping, o Presidente chinês, durante as cerimónias de comemoração do fim da II Guerra Mundial na China, a 03 de Setembro, data onde, há 80 anos, terminou o confronto entre Pequim e o Japão.
Ainda não está confirmada a presença do Presidente norte-americano em Pequim, mas Vladimir Putin já anunciou a sua ida à capital chinesa.
Todavia, estes recentes passos do Presidente dos EUA podem indicar que Washington quer aproveitar o momento para resolver o imbróglio ucraniano, o que pode ser fundamental para Donald Trump conseguir o tão almejado, como o próprio não se cansa de sublinhar, Prémio Nobel da Paz.
Entretanto, o Kremlin, através do seu porta-voz, Dmitri Peskov, voltou a dizer que é possível um encontro entre Putin e Volodymyr Zelensky, mas, para isso, é preciso que m conjunto de encontros de trabalho preparatórios tenham lugar.
De acordo com a russa RT, o Presidente Vladimir Putin está disponível para se encontrar com o homólogo ucraniano desde que esse momento seja antecedido das preparações normais para um encontro de alto nível como seria este.
Para que tal ocorra, como tem sido pedido por Kiev, as delegações dos dois países terão, segundo o Kremlin, de terminar um conjunto de documentos para que Putin e Zelensky tenham apenas de limar arestas para que estes sejam assinados, como é, de resto, norma nas relações internacionais.