Essas organizações, a NABU, agência anticorrupção ucraniana, e a SAPO, a unidade judicial especializada no combate a este tipo de crime, ambas com controlo europeu e norte-americano, foram extintas na passada semana pelo Presidente Volodymyr Zelensky, o que gerou uma vaga de protestos populares que não parece ter fim.

O crescendo dos protestos tem sido evidente e o Presidente ucraniano, igualmente pressionado pelos seus aliados europeus, voltou atrás e, na quinta-feira, 24, dois dias após o seu encerramento, anulou o decreto Presidencial que extinguia a NABU e a SAPO.

Os protestos, apesar de Zelensky ter feito marcha-atrás, não pararam nem dão sinais de abrandar, com as manifestações a passarem, em apenas 72 horas, de centenas de pessoas concentradas na Praça Maidan, em Kiev, para dezenas de milhares e em várias cidades do Oeste da Ucrânia.

A razão avançada pelo Presidente Zelensky para eliminar estas barreiras à corrupção no seu regime foi a necessidade de aligeirar as decisões directamente relacionadas com a guerra, e, como avançado nalguns media ucranianos, também devido à possibilidade destas agências estarem infiltradas pelas secretas da Rússia.

Ora, aparentemente, este argumento não colou entre os manifestantes, porque, entre outras razões, tanto a NABU como a SAPO contam com 50% dos seus elementos oriundos dos EUA e da União Europeia, abrindo, pelo contrário, a porta para desconfianças sobre as reais intenções de Zelensky e dos elementos do seu gabinete.

Este tema está claramente a ser o foco, tanto internamente como no exterior, das atenções mediáticas, e numa altura em que a Ucrânia começa a ceder terreno às forças russas a uma velocidade que não se via desde o início do conflito.

Mesmo os media ocidentais, como o Financial Times ou o Telegraph, que estão entre os maiores aliados nos media de Kiev, avançam que as linhas de defesa ucranianas podem ceder a qualquer momento, apelando, como o jornal britânico sublinha em editorial, ao afastamento imediato do Presidente Volodymyr Zelensky, pedindo-lhe mesmo que se demita.

Para acalmar os ânimos, Zelensky anulou o decreto que extinguia a NABU e a SAPO mas isso parece ter tido apenas efeito entre os aliados europeus da Ucrânia, porque internamente nem as manifestações pararam nem a dimensão destas parece estar a decrescer, havendo mesmo sinais de que pode estar em curso uma nova revolução no país mas desta feita para afastar Zelensky e a sua equipa e organizar novas eleições no país.

Isto, ainda sob o argumento de que Zelensky já se devia ter submetido a eleições em Maio de 2024 mas tal não aconteceu devido à Lei Marcial, que permite ao Presidente manter-se em funções mesmo após o fim do prazo constitucional do seu mandato, o que parece coincidir com a evidente incapacidade do actual regime para travar os avanços robustos dos russos na frente de guerra.

Apesar de ter reactivado estes mecanismos anticorrupção, os protestos prosseguiam na noite de quinta-feira para hoje, sexta, 25, com uma novidade que pode comprometer as aspirações de Zelensky e do seu regime.

É o surgimento de elementos nos protestos empunhando estandartes e roupagens ligadas às organizações neo-nazis ucranianas que estiveram, por exemplo, ligadas ao golpe de Estado de 2014, que, após centenas de mortos, e apoiado pelos países da NATO, com os EUA à cabeça, levou à queda do Presidente pró-russo Viktor Ianukovich.

Essas organizações são as mesmas que, depois, integraram as unidades militares mais extremistas, como o famoso Batalhão Azov ou a Ala Direita, e que foram, até aqui, o suporte marcial do Governo de Zelensky ao longo destes três anos e meio de conflito aberto com a Rússia.

Para alguns analistas, a presença destes radicais de extrema-direita entre os manifestantes em Kiev nos últimos três dias pode ser a evidência de que, com o apoio dos norte-americanos, está em curso uma vaga de fundo para depor Zelensky e o seu gabinete, aproveitando o erro táctico que foi eliminar as entidades anticorrupção.

Isto tem como alicerce as notícias que surgiram em vários media ocidentais, nomeadamente nos EUA e no Reino Unido, os dois países mais intrincadamente ligados aos esforços de guerra de Kiev contra Moscovo desde Fevereiro de 2022, de que chegou o momento de Zelensky sair.

Jornais como The New York Times e o The Gurdian , a BBC ou a Time Magazine, que são, sem margem para dúvidas, dos mais fervorosos aliados de Zelensky nestes três anos e meio, têm peças jornalísticas nos seus destaques, especialmente nas últimas 72 horas, que mostram um claro bascular no apoio para a necessidade de mudanças, embora, como a BBC nota, estas possam ser ainda realizadas pelo ainda Presidente ucraniano.

Estes movimentos basculantes, que afastam o regime ucraniano do forte apoio popular que teve, claramente, nos primeiros anos de conflito, coincidem com a redução evidente do apoio financeiro e em armamento dos EUA desde que Donald Trump chegou ao poder.

E sem o apoio norte-americano, mesmo que a Europa mantenha uma retórica fortemente anti-russa e de apoio a Kiev, dificilmente os ucranianos terão o músculo necessário, como, de resto, se começa a verificar no terreno, e os media ocidentais sublinham, para travar o avanço russo, que há semanas mantém um fogo cerrado sobre todo o país, atingindo, com milhares de drones e centenas de misseis, infra-estruturas militares ou de interesse militar, nos quatro cantos da Ucrânia.

No entanto, com o recuo na eliminação das entidades criadas pelos aliados para vigiar os fluxos de armas e de dinheiro enviado pelos norte-americanos e pelos europeus, Volodymyr Zelensky tem ainda uma palavra a dizer.

Isto, porque é igualmente verdade que os media ocidentais referem igualmente que o líder ucraniano ainda pode recuperar a "forma" se agir com rapidez para tapar as brechas que começam a surgir no suporte popular tanto no seu país como entre os aliados ocidentais.

Entretanto, no horizonte longínquo volta a aparecer a possibilidade de um encontro presencial entre o Presidente russo, Vladmir Putin, e Volodymyr Zelensky, que nalguns corredores começa a ser visto, embora esse momento ainda esteja, claramente, longe, como aquele em que a paz pode ser definida.

Kiev e Moscovo já preparam esse encontro

A Lusa avança, sobre este assunto, que Volodymyr Zelensky, afirmou, em declarações hoje divulgadas, que os negociadores ucranianos e russos já começaram a discutir um possível encontro entre os líderes dos dois países.

"Precisamos colocar um fim a esta guerra e isso começa provavelmente com um encontro entre os líderes", disse Zelensky durante um encontro na quinta-feira com jornalistas, no qual a agência noticiosa francesa AFP esteve presente.

Zelensky acrescentou que os negociadores russos "começaram a discutir o assunto" com o lado ucraniano, referindo que se trata de "um progresso em direção a algum tipo de formato de reunião".

O lado russo, no entanto, não parece otimista quanto à possibilidade de uma reunião iminente.

"A reunião deve ser cuidadosamente preparada. Só assim será significativa", disse o chefe da delegação russa, Vladimir Medinsky, citado pela agência de notícias russa TASS.

As reuniões entre os dois lados, com as suas exigências radicalmente diferentes, produziram poucos resultados até agora e a Rússia continua a avançar na linha da frente.

"Estão de facto a tentar avançar. Mas não fizeram grandes avanços", garantiu o Presidente ucraniano.