A economia norte-americana começa a dar sinais de ruptura, com mais desemprego, enfurecendo Donald Trump a ponto de ter despedido Erika McEntarfer, a directora do gabinete de estatística nacional, a inflação acelerada e o JP Morgan a alertar para uma iminente recessão.

E como se isso fosse pouco, a Casa Branca está a braços com o escândalo de pedofilia e abusos de mulheres envolvendo Jeffrey Epstein, um empresário com um passado de amizade com Trump, e os seus ficheiros secretos, onde, alegadamente, aparece o nome do Presidente dos Estados Unidos.

São várias as vozes que notam um crescente nervosismo em Donald Trump com este caso, depois de o próprio ter feito a sua campanha a defender a divulgação dos "ficheiros Epstein" que, inicialmente, eram dados como prejudiciais apenas para destacados membros do Partido Democrata.

Com estes desenvolvimentos, a Casa Branca entrou em modo de controlo de danos, fazendo essencialmente o que todos os Presidente dos EUA fazem nestas circunstâncias apertadas - ficaram famosos os bombardeamentos no Sudão pelo então Presidente Bill Clinton perante o escândalo da Sala Oval -, que é encontrar externamente forma de desviar as atenções.

E, neste caso, envolvendo Trump, parece cada vez mais que a opção foi apertar o cerco à Rússia com novas sanções, anunciar tarifas gigantes contra terceiros que mantenham negócios com Moscovo, no caso a China e a Índia, ou (ver links em baixo) o envio arriscado de submarinos nucleares ostensivamente para as costas da Federação Russa.

E é neste contexto extraordinário que o Presidente Trump decide acelerar o processo de paz na Ucrânia onde procura, apesar de ser um aliado claro de Kiev, aparecer como mediador, estando claramente a meter o pé no acelerador afirmando que quer o anúncio de um acordo de paz entre russos e ucranianos até sexta-feira, 08, custe o que custar.

Para isso, conta com o sucesso da pressão sobre Moscovo pela via das sanções contra China e Índia, que, apesar de já terem dito que não vão deixar de comprar o petróleo e o gás russos, claramente preferem manter as boas relações possíveis com Washington, crendo que Pequim e Nova Deli estejam a pressionar Vladimir Putin para ceder o máximo que puder de forma a abrir uma brecha para a paz no leste europeu.

Mesmo que o Kremlin já tenha vindo garantir que as suas exigências para acabar com a guerra não mudaram, o que passa por Kiev ceder em larga medida às condições russas de aceitação da soberania de Moscovo nas regiões anexadas em 2014 e 2022, a neutralidade de Kiev e o respeito pela cultura e língua russa no que restar da Ucrânia.

Para acomodar os interesses mínimos de todos para se conseguir o fim do conflito até sexta-feira, que é o limite do prazo a partir do qual serão aplicadas as tarifas secundárias a chineses e indianos, Trump enviou a Moscovo, onde já está, o seu enviado especial e amigo de longa data, Steve Witkoff, figura grada no Kremlin a quem Putin se refere usualmente de forma elogiosa.

A agenda de Witkoff não foi tornada pública, mas, como sempre aconteceu nas quatro visitas anteriores ao Kremlin, destaca o jornal britânico The Guardian, deverá encontrar-se com os assessores de Putin primeiro, depois com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, e, por fim, com Vladimir Putin...

Alguns analistas consideram que esta visita do enviado especial de Trump à capital russa é destinada a concluir um processo negocial secreto , que, entre outras saídas, terá conseguido um cessar-fogo aéreo entre Kiev e Moscovo, sem abranger os combates no terreno, e com um pré-acordo com Volodymyr Zelensky sobre a cedência de algum território à Federação Russa.

Dentro desse contexto estará a Crimeia, anexada por Moscovo em 2014, após o golpe de Estado na Ucrânia, financiado e organizado pelos Estados Unidos, onde foi deposto o Presidente pró-russo Viktor Yanukovich, e ainda o Donbass (Donetsk e Lugansk), anexados em 2022, mas não Kherson e Zaporizhia, igualmente anexadas em 2022 mas das quais Kiev, ao que tudo indica, não quererá abrir mão.

Para já, não se conhece qualquer alteração às exigências maximalistas do Kremlin, que querem não apenas as cinco regiões anexadas, como exigem que os ucranianos retirem as suas forças das áreas de Kherson e Zaporizhia que ainda controlam, e que a questão da adesão de Kiev à NATO seja descartada de vez no contexto de um acordo global de segurança entre Washington e Moscovo.

O que todos esperam neste momento, a incursão de Steve Witkoff a Moscovo, é que dela resulte a confirmação de um novo recomeço negocial onde as partes surjam com novas propostas abandonando as suas posições maximalistas, sendo que a Ucrânia também não mudou, ainda, oficialmente as suas condições, que passam pela saída incondicional dos russos dos seus territórios, todos, a responsabilização de Putin na justiça internacional e obrigar a Rússia a pagar os custos da reconstrução...

O único ponto que Zelensky parece já ter abandonado é a entrada imediata de Kiev na NATO, embora mantenha esse objectivo no longo prazo, bem como a questão da realização de eleições no país, uma exigência formal de Moscovo, porque o Presidente ucraniano já devia ter sido eleito ou reeleito em Maio de 2024, tendo este prazo sido adiado repetidamente no contexto da Lei Marcial em vigor deste o começo da invasão russa, a 24 de Fevereiro de 2022.

Um sinal de que este momento, com a visita de Witkoff a Moscovo, não é igual aos demais é a forma como os media russos estão a enfatizar a ideia de que Trump quer mesmo dar por finda a presença dos Estados Unidos no mapa da guerra na Ucrânia.

A russa RT, no seu site, destaca que "Trump quer retirar os EUA da confusão ucraniana", aludindo mesmo as sanções aos parceiros comerciais dos russos que o Presidente norte-americano está a fazer, especialmente sobre China e Índia, para pressionar Moscovo a aceitar um acordo de paz.

Este media russo dá ainda destaque à frase que Trump repete incessantemente, que é aquela onde lembra que esta não é a sua guerra, que "é a guerra de Biden", o seu antecessor, e que o seu papel é "retirar os EUA da confusão ucraniana".

Enquanto isso, na linha da frente, mesmo que aparentemente se esteja efectivamente a verificar uma paragem nos ataques aéreos mútuos, são os russos que têm a vantagem, com avanços substantivos, tendo mesmo nas últimas 72 horas conquistado duas localidades consideradas inexpugnáveis por Kiev e pelos seus aliados ocidentais até há pouco tempo, que são Chasiv Yar e Pokrovsk, na região de Donetsk, o que deixa as unidades de Moscovo às portas do Rio Dniepre.

Isto quando, ao mesmo tempo, se agrupam as evidências das dificuldades ucranianas em conseguir recrutar homens para as trincheiras, com centenas de vídeos nas redes sociais de indivíduos apanhados por esquadrões especiais para alistamentos forçados.

E, mais recentemente, tendo Trump recusado responder a uma questão de um jornalista nesse sentido, procurando que o Presidente norte-americano lhe desse um significado, sobre o decreto aprovado agora por Volodymyr Zelensky para permitir o recrutamento de homens até aos 60 anos, fazendo lembrar os derradeiros dias da Alemanha nazi, quando foram enviadas crianças e idosos para combater o Exército soviético que se aproximava de Hitler em Berlin.