O Presidente norte-americano já não esconde que desistiu de acabar com a guerra entre russos e ucranianos através de um entendimento com o seu homólogo russo, tendo agora isso ficado claro como a água ao afirmar que está "enojado" com a forma como a Rússia continua a atacar a Ucrânia com crescente vigor e avança veloz no terreno.

As palavras de Donald Trump dirigidas a Vladimir Putin azedam à medida em que se torna evidente que na linha da frente as forças russas somam conquistas territoriais, sendo a mais relevante das últimas semanas a cidade de Chasiv Yar, uma linha defensiva fundamental para conter os russos na região de Donetsk.

Com a queda de Chasiv Yar, e a iminente, no que é reconhecido pelo próprio CEMGFA ucraniano, general Oleksandr Syrskyi, queda de Pokrovsk, a última muralha defensiva que dificulta a chegada dos russos às duas últimas cidades de Donetsk antes do Rio Dniepre, Kramatorsk e Slaviansk, entre os aliados da Ucrânia é visível um crescente e ruidoso incómodo.

Uma das evidências desse incómodo é o aumento do volume retórico dos aliados europeus de Kiev, especialmente a Alemanha, França e o Reino Unido, que ameaçam não apenas aumentar o fluxo de armas, especialmente de misseis de longo alcance, como os temidos Tauros alemães, como volta ao espaço mediático a ideia do envio de um contingente ocidental para a Ucrânia.

Porém, o mais ruidoso gesto entre os aliados de Kiev chega de Washington, onde o Presidente Donald Trump não apenas encontrou forma de manter o fluxo de apoio militar a Zelensky sob a capa de um alegado esquema em que a NATO paga as armas que os EUA entregam aos ucranianos, sendo que são os norte-americanos os, de longe, maiores contribuintes líquidos para o orçamento da NATO.

Isto é acompanhado com a decisão agora anunciada por Trump de reduzir o prazo de 50 para oito dias, era 12 inicialmente, para aplicar tarifas secundárias de 100% aos países que mantém negócios com a Federação Russa, o que se destina, de forma inequívoca, à China e à Índia, especialmente, mas também a países como o Brasil, Indonésia, Irão...

Tarifas essas que não incidem directamente sobre Moscovo mas sim sobre os seus parceiros comerciais, o que, no fim da linha, deveriam levar Pequim e Nova Deli a evitar comprar energia, gás e petróleo, a Moscovo, afectando dessa forma a economia russa.

É que Donald Trump já não acredita em Vladimir Putin, sobre quem diz agora não ter palavra e não querer de facto acabar com a guerra, metendo-lhe mesmo "nojo" quando continua a atacar a Ucrânia de forma brutal e diária, apressando assim a aplicação das tarifas secundárias, mesmo que "já não tenha certeza de que as sanções possam afectar Moscovo".

Esta pressa mostrada por Trump e pelos aliados europeus de Kiev é, segundo alguns analistas, como o norte-americano John Mearsheimer, da Universidade de Chicago, um dos maiores especialistas mundiais em política internacional, uma reacção de pânico face aos sinais crescentes de fragilidade das posições ucranianas na linha da frente e ainda à incapacidade de Kiev em responder aos ataques diários e demolidores da Rússia com drones e misseis, devido à desvitalização da capacidade anti-aérea ucraniana resultante da diminuição do apoio norte-americano, especialmente em baterias Patriot PAC 3, as mais eficazes que o ocidente possui.

Todavia, e apesar dos sinais cada vez mais visíveis de dificuldades na resistência aos russos, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky insiste que os seus aliados devem apostar em convencer a população russa a apoiar "uma mudança de regime em Moscovo" como forma de acabar com o conflito, permitindo o reatar das relações internacionais da Federação com o mundo.

Esta mudança de regime é fundamental, de acordo com Zelensky, porque se tal não suceder, e com os avanços russos no tereno, os países europeus ocidentais passam a estar na mira de Putin, insistindo que são os ucranianos que estão a impedir que os tanques russos avancem sobre as fronteiras da NATO.

Numa conferência internacional sobre o 50ª aniversário dos Acordos de Helsínquia, que deveriam garantir a segurança europeia e global, Volodymyr Zelensky, via digital, disse acreditar que os aliados ocidentais "podem forçar a Rússia a aceitar a paz" sob as condições de Kiev, que, embora não as tenha referido de novo, são a saída de Moscovo de todos os territórios ocupados desde 2014 e a entrada da Ucrânia na NATO e na União Europeia.

E avisou que se os países da NATO não seguirem o seu conselho, estes podem esperar, "mesmo depois da guerra acabar", uma Rússia empenhada em "desestabilizar os países europeus", o que tem de ser evitado com mais apoio a Kiev, nem que seja, avançou Zelensky, "através do confisco dos bens russos congelados no sistema financeiro ocidental" para apoiar Kiev.

Recorde-se que Putin sempre negou qualquer intenção de desestabilizar os países ocidentais, embora os analistas pró-ocidentais sublinhem regularmente que o Presidente russo também dizia que não invadiria a Ucrânia antes de Fevereiro de 2022, o que deixa um vasto espaço de manobra retórico para manter o discurso da ameaça russa...