Pareceu-me que se criaram imensas expectativas em torno das promessas de provisão de recursos financeiros de que tanto a África precisa para alavancar as suas economias, que se arrastam no rol de dificuldades, com a promessa de por via do programa "EU-Africa: Global Gateway Investment Package", orçado em cerca de 300 mil milhões de Euros a nível global e 150 mil milhões de Euro para África, cujo objectivo é reverter o quadro degradante das infra-estruturas, promover investimentos no ensino, investigação científica e outras necessidades de financiamento do desenvolvimento económico e social do continente.
Entretanto, a pergunta que não se quer calar, é: será que não se trata de algo semelhante à Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD), que a intelectual zambiana Damiso Moyo chamou de ajuda morta (Dead APD)? Ou seja, as empresas que vão desenvolver e executar os projectos são europeias, de tal sorte que os fundos, nem sequer saem da Europa, tal como acontece nas relações que se estabelecem com qualquer dos blocos que fingem ajudar a África, a coberta do acesso as suas riquezas naturais que, infelizmente, os africanos vendem a bruto sem qualquer transformação. Isto é assim desde que os países africanos se tornaram independentes, a tónica da cooperação com os seus antigos escravizadores e espoliadores, sejam estabelecidas com os europeus, americanos ou asiáticos, o fim é o mesmo (já se tentou com todos, e o resultado não é diferente). A razão assenta na assimetria no domínio do saber, do conhecimento, que é profundamente desproporcional entre as partes.
Tem razão Alves da Rocha (2025), quando disse que "a globalização benéfica e inclusiva não existe. É meramente uma figura de retórica, porquanto os processos de crescimento e desenvolvimento são naturalmente desequilibrados em economias de mercado e em cenários internos e externos, de disparidades de acesso aos benefícios do crescimento económico". O desequilíbrio entre os parceiros africanos e os seus congéneres europeus é demasiadamente desproporcional, de tal sorte que, os europeus comandam a orquestra, em benefício dos seus próprios interesses, restando aos africanos dançar ao ritmo dos interesses das potências. O que o tempo nos permitiu ver é o perpetuar das exportações de matérias-primas sem transformação (petróleo, diamantes, pedras ornamentais, madeiras e outras), e depois importar os produtos derivados dessas matérias-primas. O exemplo mais paradigmático é o que se verifica em muitos países africanos, incluindo Angola, que exportam milhões de barris de petróleo bruto, para importar produtos refinados, numa base de termos de trocas extraordinariamente desigual. O resultado é o avolumar da dívida externa dos países exportadores de matérias-primas em bruto para com os países mais desenvolvidos, não importa se são europeus, chineses ou americanos, as consequências são as mesmas.
As relações de cooperação, seja de que índole forem, quando se estabelecem numa base de desequilíbrio, dificilmente produzem benefícios mútuos. Além disso, há um grande fosso cognitivo, ou seja, diferenças abismais na nossa forma de pensar, perceber e agir, quando comparado com outras nações, sejam europeus, americanos, russos e chineses. Agravado com o facto de que, os africanos não se conhecem nem a si próprios. Como se pretende estabelecer relações com alguém que mal conhecemos? Contrariamente, os nossos ditos "parceiros" se esforçam em conhecer-nos, estudando profundamente os nossos hábitos, costumes, pontos fortes e fracos. Comparando as publicações das universidades europeias, chinesas e americanas sobre a África, com o que é publicado nas próprias universidades africanas, fica-se com uma ideia clara de quão ínfima é a produção de conhecimento sobre nós mesmos pelas instituições afins, resultando na dominação por parte de quem detêm maior conhecimento, mesmo que finjam não ser assim.
Quando se olha para o famoso programa "EU-Africa: Global Gateway Investment Package", que se propõem investir cerca de 150 mil milhões de Euros nas acções que visam: a) acelerar a transição verde; b) acelerar a transição digital; c) acelerar o crescimento sustentável e a criação de emprego digno; d) reforçar os sistemas de saúde; por fim, e) aprimorar a educação e a formação dos jovens africanos. Sem sombra para dúvidas, são todas acções de transcendente importância para a transformação dos países africanos. Entretanto, a pergunta que se faz é: qual dos países africanos a Sul do Saara está à altura e preparado para desenvolver planos, por si mesmo, sem a assistência externa, para concretizar as acções enumeradas acima? Se formos honestos, diremos que, talvez seja só a África do Sul. A experiência tem mostrado que cerca de 50% dos fundos alocados para iniciativas de investimentos em países africanos, aparentemente, pertinentes para reverter o quadro de dependência, são repatriados ou nunca deixam os países de origem, por via de pagamento dos serviços de consultoria e outros estudos relacionados a pré-implementação. Verifica-se, por exemplo, que nos casos de empréstimos bilaterais, impõe-se a compra dos bens de equipamento do projecto no mercado do país financiador, nos casos mais extremos, impõem a contratação de mão-de-obra indiferenciada do país financiador.
Apesar de serem acções muito nobres, como, aliás, frisei neste texto, acabam por não produzir os resultados almejados. Isso porque não há uma preocupação genuína de inclusão dos agentes locais no debate das necessidades que afligem as sociedades africanas. O debate centra-se em torno dos poderes políticos estabelecidos, excluindo as demais forças vivas dessas sociedades. Enquanto os problemas africanos continuarem a ser engendrados a partir do exterior, em muitos casos, nas capitais das antigas metrópoles, pelo facto de os africanos não disporem de capacidade de conceberem eles próprios soluções para os problemas que os afligem, não creio que haja a esperança de reversão do quadro de desequilíbrio negocial vigente. Essa iniciativa de investimento do EU-Africa Global Gateway Investment Package, visa unicamente reduzir a pressão do afluxo de imigrantes, que atravessam a qualquer custo e risco, o Mar Mediterrâneo ou por outras vias, a procura de uma vida melhor na Europa. Neste caso, a Europa dos 27 países, ou ainda a União Europeia (EU), concluiu que a melhor forma de deter este afluxo desordenado de imigrantes africanos, é fazer com que as condições de vida nos países de origem melhorem, aprimorando a educação e melhorando as competências dos jovens, investindo na aceleração do crescimento económico de forma sustentável, revertendo o quadro de crescimento negativo, ou a um ritmo inferior do crescimento demográfico, assim como a melhoria da assistência médica e medicamentosa.
O mundo tornou-se, de facto, numa aldeia global, nenhum país pode se arrogar resolver os seus problemas isoladamente, tem sempre de obter a colaboração de outras nações. Porém, é essencial que cada país se conheça a si próprio. Como escreveu Robin Sharma (1996), em "O Monge que Vendeu o seu Ferrari": "Como quererá alguém influenciar os outros, se não se conhece a si próprio?" Os africanos devem aprofundar o conhecimento sobre si mesmos, a partir do qual, deverão estabelecer planos com metas reais e honestas, para que sejam exequíveis, assim evitar o desperdício de recursos, já escassos. De nada valerá optar por planos ambiciosos, concebidos para realidades e contextos muito diferentes dos da África. Estes, não vão produzir os resultados esperados, perdem-se oportunidades e recursos, a África continuará a ser a fonte de matéria-prima, exportada em bruto e os seus povos marginalizados, por vezes humilhados, na própria terra!
*Economista

