No passado mês de Abril, após visitarem a Morgue Central de Luanda (MCL), os deputados da UNITA dirigiram-se ao Ministério da Saúde para apresentar à titular da pasta, Sílvia Lutucuta, uma lista de preocupações que afectam o normal funcionamento da MCL, bem como sugerir medidas para a sua melhoria. Entretanto, face à ausência da ministra da Saúde, os deputados da UNITA terão sido aconselhados ao telefone pela própria a contactar o GPL, uma vez que é a instituição que tem sob sua tutela a MCL. Os deputados deslocaram-se depois ao GPL e foram recebidos pelo vice-governador para a área social, a mando do Governador Luís Nunes e apelaram à colaboração institucional, com vista à resolução dos problemas que a MCL enfrenta.

A Assembleia Nacional reagiu e condenou a visita dos deputados da UNITA à instituições públicas sem autorização prévia da liderança parlamentar, ou seja, da presidente Carolina Cerqueira. Foi instaurado um inquérito e os deputados foram convidados a prestar declarações em sede da 9.ª Comissões de Mandatos, Ética e Decoro Parlamentar, e aqui começou algo bastante curioso:

É que, na chamada Casa das Leis, os deputados e liderança parlamentar não se entendem no tocante às leis em vigor na instituição. A UNITA diz que os seus deputados estavam a cumprir um programa de fiscalização elaborado, aprovado e mandado executar pela direcção do respectivo grupo parlamentar, com o objectivo de fiscalizar "in loco" várias instituições que recebem fundos do Orçamento Geral do Estado (OGE). Eles vão mais longe e afirmam mesmo que "os deputados do Grupo Parlamentar da UNITA não precisam de autorização para fiscalizar em nome do povo, uma vez que essa autorização já lhes foi dada pelo voto popular", ou seja, esta autorização já lhes foi confiada pelo povo que os elegeu. Dizem eles que "cada deputado tem o direito de fiscalizar, exigir informações e visitar instituições públicas", de acordo com a interpretação que fazem do artigo 24.º do Regimento da Assembleia Nacional (RAN). Por fim, dizem mesmo que, "em mais de 30 anos de história parlamentar, nunca houve necessidade de autorização do presidente da Assembleia Nacional para os actos de fiscalização dos deputados afectos ao Grupo Parlamentar da UNITA", entendem que a interpretação que o gabinete de Carolina Cerqueira faz do Regimento da Assembleia Nacional "não é a mais correcta", no que à fiscalização dos deputados dos grupos parlamentares dos partidos da oposição diz respeito.

Já o Gabinete da presidente da Assembleia Nacional, Carolina Cerqueira, esclarece ao NJ que o regime jurídico do processo de fiscalização parlamentar vem regulado nos termos dos artigos 162.º e 163.º da Constituição e nos artigos 300.º a 329.º, todos do Regimento da Assembleia Nacional, aprovado pela lei n.º13/17, de 6 de Julho, a Lei orgânica que aprova o Regimento da Assembleia Nacional. Segundo o seu entendimento (com base nos dispositivos constitucionais e regimentais), fica claro que "os grupos parlamentares não têm competências de fiscalização. Estes, não sendo órgãos da Assembleia Nacional, nem formas de organização deste órgão para desenvolver os seus trabalhos, são formas de organização dos partidos políticos no seio da Assembleia Nacional e dinamizam a actividade parlamentar através da indicação dos presidentes das comissões de trabalho especializadas, fazem jornadas parlamentares e os seus líderes são ouvidos para a afixação da agenda das reuniões parlamentares", de acordo com o artigo 28.º do RAN. E citam o artigo 308.º do respectivo regimento que dispõe que "toda e qualquer missão ou acto de fiscalização, duração das mesmas, deve ser autorizado pela presidente da Assembleia Nacional". Ou seja, o que temos aqui é um sério e complicado problema de competências e de "rigidez" nas normas na AN. Se os deputados e/ou grupos parlamentares desencadearem actos de fiscalização, violam a Constituição, o regimento, o código de ética e decoro parlamentar.

Se as comissões desencadearem actos de fiscalização sem a autorização da presidente da NA, violam a Constituição, o regimento, o código de ética e decoro parlamentar. Ora, em caso de violação destes instrumentos, a presidente da AN tem a competência regimental de mandar instruir o processo disciplinar pela 9.ª Comissão de Mandatos, Ética e Decoro. Neste momento, foi instaurado um inquérito, não propriamente uma acção disciplinar, o inquérito visa apurar se foram cumpridas e respeitadas as normas em vigor na AN. No entendimento do gabinete de Carolina Cerqueira, os deputados da UNITA, ao fazerem fiscalização, incorrem num acto de indisciplina e de usurpação de competências. Estes deputados não têm o mesmo entendimento e defendem que agiram dentro de um poder legítimo consagrado pelo voto popular e que o artigo 308.º do RAN é uma norma inconstitucional. O certo é que está lançado um dos mais interessantes e intensos debates sobre disciplina, ética e competências na Assembleia Nacional. Voltaremos ao assunto.