Na sexta-feira, em Istambul, na Turquia, russos e ucranianos assinaram acordos gémeos com a Turquia e as Nações Unidas para garantir a exportação dos cereais ucranianos e russos pelo Mar Negro, que estavam há meses entalados nos silos dos portos dos dois países devido à guerra, abrindo uma esperança para os países pobres onde a fome estava a engolir a estabilidade política e social, especialmente em África e na Ásia, mas no Sábado, um balde de água fria na forma de mísseis russos Kalibr, de precisão e de longo alcance, atingiu o mundo.
Estariam os russos a querer implodir o acordo, como rapidamente disse o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que acrescentou ter Moscovo cuspido na cara da ONU e da Turquia? Primeiro, foi o ministro turco dos Negócios Estrangeiros, Mevlut Cavusoglu, que veio dizer que fora informado por Moscovo de que o acordo não foi furado, mas, depois, e quando até as Nações Unidas condenaram o ataque das forças armadas russas, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Maria Zakharova, que veio admitir o ataque no porto de Odessa a alvos estritamente militares.
Com este ataque horas depois do acordo, o que estariam os russos a dizer ao mundo, especialmente o mundo ocidental, claramente ao lado da Ucrânia neste conflito que hoje cumpre cinco meses precisamente?
O major-general Agostinho Costa, vice-presidente do EuroDefense Portugal, ouvido pela CNN Portugal, diz que se tratou de um recado claro ao lado ucraniano de que não podem pensar estar a salvo nos portos por causa deste acordo, porque o documento assinado por Moscovo não implica as suas forças em nada que não sejam as infra-estruturas portuárias e os silos essenciais para a exportação de cereais.
O oficial e especialista em estratégia militar admite que as forças ucranianas pudessem ter pensado que estariam agora protegidas nos portos devido a este acordo e este ataque é olado russo a dizer que não, que todos os alvos militares nos portos ucranianos permanecem como alvos legítimos.
E avança que, pelo que se sabe, até agora, este ataque não beliscou a capacidade exportadora de cereais do porto de Odessa.
Maria Zakharova, a porta-voz da diplomacia russa, veio ainda sublinhar que foram atacados apenas uma embarcação militar, que foi afundada, e um alvo igualmente militar na doca, distante das infra-estruturas civis da zona portuária.
Lavrov "tour" por África
O ministro russos dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, começa hoje uma "tour" por cinco países afrcianos, iniciando no Egipto, que o levará ainda à Etiópia, ao Uganda e à República do Congo, onde, na agenda não vai deixar de estar a actual crise global gerada pelo conflito na Ucrânia, iniciado com a invasão russa a 24 de Fevereiro, embora justificada por Moscovo com questão de segurança nacional face às ameaças ocidentais e da NATO, em especial, e ainda a crise alimentar e a preparação de Moscovo da Cimeira EUA-África que o Presidente Joe Biden anunciou para 13 a 15 de Dezembro deste ano e que visa recuperar terreno por parte de Washington num continente onde chineses e russos levam grande vantagem no capítulo da influência política e económica e militar.
Lavrov explicou esta visita, numa entrevista aos media russos, lembrando os laços antigos que unem o continente africano e a Rússia desde os tempos da União Soviética, sublinhando que Moscovo tem estado a procurar restabelecer esses laços que alargaram negativamente com o colapso do bloco soviético nos anos de 1990.
Esta deslocação surge 48 horas depois da assinatura do acordo que vai normalizar as remessas de cereais e fertilizantes russos e ucranianos para os países deles mais dependentes, como o Egipto, a Etiópia, entre outros, sendo de realçar que este "tour" começa no Egipto, que é o maior parceiro económico da Rússia em África.
"As nossas relações com África têm agora um futuro ainda mais reluzente devido ao facto de a União Africana decidiu pelo arranque da zona continental de comércio livre", explicou Lavrov, acreditando, explicou, que este acordo pan-africano vai beneficiar o incremento das relações comerciais afro-russas, sendo um importante impulso para o investimento que é nos dias de hoje "bastante modesto".
Um dos objectivos de Lavrov e dar início ao processo que possa permitir, através da afinação dos mecanismos logísticos e financeiros, iniciar pagamentos da actividade comercial com os parceiros africanos nas respectivas moedas e sistemas nacionais de pagamentos.
Este passo é uma ofensiva directa ao sistema mundial actual, que tem no dólar norte-americano a moeda franca e que deve levar a uma reacção de Washington, cujo interesse vital é manter as coisas como estão, com o dólar e o sistema financeiro actual, especialmente no que diz respeito ao SWIFT, que permite pagamentos rápidos entre estados e empresas, e do qual as sanções ocidentais impostas à Federação Russa a economia russa está afastada.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.