Uma das principais linhas da narrativa dos países europeus da NATO para a urgência de reforçar grandemente o investimento no rearmamento é que a Rússia, depois e se conseguir tomar militarmente a Ucrânia, não vai parar por ali e vai avançar sobre outros países europeus, como a Polónia ou os Países Bálticos, Letónia, Estónia e Lituânia.
Apesar de o Presidente russo, Vladimir Putin, ter, repetidamente, negado essa possibilidade, considerando mesmo "muito estúpido" quem considera que a Rússia pretende invadir a Europa Ocidental, a realidade é que os lideres europeus e da NATO usam essa "ameaça" como principal justificação para convencer os seus povos a aceitarem investir mais na Defesa em detrimento de áreas como a Saúde, Educação ou Segurança Social.
E, ao mesmo tempo, como, por exemplo, o secretário-geral da NATO, Mark Rutte, ou a líder da Comissão Europeia, Ursula Leyen, repetem diariamente que o apoio militar à Ucrânia é fundamental porque é ali que está a primeira linha de protecção contra os avanços russos sobre a Europa Ocidental, tendo mesmo sido afirmado mais que uma vez que Putin tem como objectivo chegar à ponta mais ocidental das Europa, que é Lisboa, Portugal, depois dele ter falado dessa possibilidade com evidente ironia de forma a ridicularizar essa possibilidade.
Agora, para reforçar o compromisso de Moscovo sobre uma ausência absoluta de qualquer intenção de atacar países da NATO, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros (na foto), citada pela TASS, a agência oficial russa, vem dizer que o Presidente Putin está disponível para que isso fique preto no branco em papel oficial e reconhecido internacionalmente assinado pelo seu próprio punho.
"A Rússia está pronta para formalizar um compromisso por escrito em documento oficial e legalmente blindado" que não tem agora ou no futuro qualquer intenção de atacar países da Aliança Atlântica, acrescentando Maria Zakharova que "a forma específica desse documento pode ser determinada em negociações" sob garantia de que tal acontecerá num quadro de legalidade internacional "totalmente blindada".
E esta responsável da diplomacia russa juntou ainda a esta determinação de Moscovo dar garantias sólidas aos países da NATO das suas intenções a ideia de que o Kremlin mantém sem alterações a sua "disponibilidade absoluta para negociações sérias sob um diálogo sério e pragmático" para acabar com o conflito na Ucrânia.
Mas avisou que a "disponibilidade férrea" da Rússia só se manterá se os países ocidentais deixarem de optar por usar a escalada militar, política e económica como pressão sobre a Federação Russa.
Esta declaração da diplomacia russa, veiculada pela TASS, mas com pouca adesão nas páginas dos media internacionais, para já, parece ser claramente um dos mais importantes passos do Kremlin para desanuviar as tensões entre Moscovo e os países ocidentais.
Mas, como notaram já alguns analistas, as palavras de Zakharova poderão ter ainda um efeito secundário devastador na estratégia de pressão dos países da Europa Ocidental da NATO porque permite aos Estados Unidos usar esta disponibilidade russa para pressionar os seus aliados franceses, britânicos ou alemães a baixar as barreiras face a Moscovo.
Isto, quando está em curso um processo negocial tenso e difícil e, ao que tudo indica (ver links em baixo) sem saída aparente, com os ucranianos a apresentarem aos EUA um plano de paz com 20 pontos que não responde a nenhuma das principais exigências da Rússia.
Para complicar bastante estas negociações, naquilo que pode estar por detrás desta declaração relevante da diplomacia russa, os Estados Unidos parecem estar, em mais um flip-flop, a reposicionarem-se ao lado de Kiev afastando-se de Moscovo depois de terem feito exactamente o contrário semanas antes.
Estes constantes reposicionamentos estratégicos dos norte-americanos não estão a ser percebidos pelos analistas de política internacional porque não há registo histórico para comprar o que se está a passar.
Desde logo porque os EUA aparecem nestas negociações como mediador e aliado de um dos lados, da Ucrânia, executando repetidas manobras diplomáticas que não constam dos manuais internacionais, ora afastando-se, ora aproximando-se de um e do outro lado, sem que isso tenha, para já, permitido qualquer avanço negocial.
Como, alias, se percebe com os vários documentos conhecidos, tendo o inicial, com 28 pontos, sido desenhado pelo enviado de Trump para o conflito na Ucrânia, Steve Witkoff, claramente mais próximo das posições russas, sem que, apesar disso, Moscovo se tenha sobre ele pronunciado, depois surgiu um com 22 pontos, elaborado por Kiev e, por fim, o actual, com 20 pontos, que Kiev e Washington querem fazer chegar a Moscovo como definitivo.
Sendo certo que o Kremlin nunca chegou a pronunciar-se oficialmente sobre nenhuma destas versões, sabe-se já, via fontes próximas, que nem Moscovo aceitará este documento de 20 pontos como ponto de partida, nem Kiev vai aceitar o de 28 pontos como primeiro draft para ir melhorando através das negociações.
Em causa estão, entre outras igualmente relevantes, três questões essenciais: a cedência territorial da qual Kiev não abdica e Moscovo diz que nem é para falar sobre isso sequer, a adesão da Ucrânia à NATO, que os russos dizem ser uma impossibilidade absoluta sobre a qual os ucranianos não abandonam a pretensão, e a presença de forças militares ocidentais no terreno no âmbito das garantias de segurança, que Zelensky faz questão e Putin já fez saber que nem deve ser um dos pontos para discutir nesse formato.
Pelo contrário, os russos têm dito repetidamente que os seus objectivos serão totalmente conseguidos, seja na mesa das negociações, seja pela via militar, ao que os ucranianos respondem que tal só pode ser contrariado com a adesão à NATO ou através de mecanismos de segurança semelhantes, como o célebre Artº 5º da Aliança que determina uma resposta militar de todos os aliados em caso de ataque a um deles.










