A notícia de que o NABU, a agência ucraniana que investiga a corrupção e foi criada pelos Estados Unidos, invadiu a casa e várias outras propriedades de Andrii Yermak para procurar provas do seu envolvimento no esquema que está a abalar o regime de Zelensky, apanhou o mais próximo aliado do Presidente em plenas conversações com americanos e europeus sobre o plano de paz de Donald Trump para a Ucrânia (ver links em baixo).

E o aparecimento desta já esperada chegada do escândalo de corrupção aos braços de Yermak, curiosamente, também surge no minuto seguinte a este ter dado uma entrevista a The Atlantic, uma revista norte-americana assumidamente pró-ucraniana neste conflito com a Rússia, onde assevera que Kiev jamais aceitará ceder territórios a Moscovo.

Ora, esta frase encerra todo um programa de opção estratégica pela continuação da guerra no seio do regime de Zelensky porque é, em si mesma, tudo o que se espera de alguém que não quer chegar a um acordo com o Kremlin, como já afirmam alguns analistas, considerando que é a mais relevante das linhas vermelhas da Federação Russa.

Andrii Yermak é sem margem para dúvida o elemento do círculo mais restrito do Presidente ucraniano com quem este tem mais afinidades pessoais, porque foram sócios na empresa que produziu a série "Servo do Povo" criada na década de 1990 mas que em 2015 catapultou o actor Volodymyr Zelensky para a fama que lhe garantiu a eleição em 2019.

E Yermak, nesta entrevista à revista norte-americana, garante que o Presidente ucraniano em momento nenhum aceitará um acordo com a Rússia que contenha a cedência de um milímetro de território ucraniano que seja.

"Nem uma única pessoa mentalmente saudável assinaria um documento que ceda territórios da Ucrânia", disse Yermak, que, além de ser amigo de longa data de Zelensky, é o seu negociador de topo para as conversações de paz com os americanos e europeus, além de Chefe de Gabinete.

E é com base nesta forte ligação ao Presidente que Yermak insiste na mesma entrevista: "E ninguém, em nenhuma circunstância, pode esperar qualquer cedência" porque "a Constituição o proíbe e ninguém se atreve a ir contra a Constituição" que é "o mesmo que ir contra o povo ucraniano".

Com esta sucessão de acontecimentos, quando os EUA apostam agora tudo na rápida criação de condições para um acordo entre Kiev e Moscovo mediado por Washington, marginalizando os europeus, que são vistos como um entrave à paz por russos e norte-americanos, regressa à memória a tentativa de Zelensky, há cerca de dois meses, de desmantelar, através de decreto Presidencial, o NABU, e também o SAPU, a agência/departamento gémea que é responsável pela acusação judicial com base nas investigações da primeira.

E dificilmente se pode descolar esta investida do NABU à casa de Andrii Yermak no âmbito das investigações sobre a corrupção em torno da Energoatom, como uma ferramenta de pressão sobre o núcleo duro de Zelensky para facilitar as cedências que permitam um acordo.

Entre outras razões, porque o escândalo de corrupção começa a ganhar tracção interna com milhares de pessoas nas ruas a exigir demissões e o Parlamento em polvorosa para que o Presidente demita os seus "amigos" corruptos.

Isto levou ainda, em Moscovo, o Presidente Vladimir Putin a voltar a falar publicamente das condições mínimas para acabar com o conflito, sublinhando que há duas formas de a Rússia conseguir os seus objectivos: "Ou a Ucrânia retira as suas forças das regiões russas (referindo-se às zonas anexadas) ou as forças russas o vão fazer pela via militar".

Outra curiosidade em torno deste processo, que está em acelerada metamorfose desde que o plano de Trump com 28 pontos foi divulgado, devido a uma gigantesca fuga de informação para The New York Times, há semana e meia, é que as notícias sobre o envolvimento de Yermak no escândalo de corrupção estão a ser divulgadas em primeira mão pelo Ukrainskaya Pravda, o jornal mais próximo do poder em Kiev e que conta com apoio financeiro norte-americano declarado.

Tal elemento, como sugere o major-general Agostinho Costa, embora noutras circunstâncias, deixa perceber que existe um problema de coesão no circulo de poder em Kiev e que diversas forças estão em oposição, como, de resto, se percebe pela forma como o Parlamento ucraniano está a assumir uma posição muito dura nesta questão exigindo a Zelensky medidas radicais, como a demissão de Andrii Yermak.

Há, todavia, indícios de que também em Moscovo, onde alguns analistas, apesar de terem ao longo destes quase 4 anos de guerra, uma postura de compreensão para com as exigências russas, notam crescentes dificuldades económicas com as sanções, que podem estar a abrir brechas na sólida muralha de argumentos no Kremlin.

E isso nota-se inclusive na forma como Vladimir Putin aproveitou a sua ida a Bishkek, Quirguistão, para uma Cimeira de Segurança Regional Colectiva (CSTO), que agrega antigas Repúblicas soviéticas, onde disse, nesta quinta-feira, 27, que a saída dos ucranianos dos territórios anexados pela Rússia, Donetsk, Kherson e Zaporizhia, ainda parcialmente dominados por Kiev, é a condição mínima para interromper as hostilidades militares.

Isto significa que Moscovo está a amolecer a sua posição que, até aqui, vinha sempre acompanhada da exigência, entre outras, de Kiev assumir oficialmente a sua neutralidade e ficar fora da NATO para sempre, embora seja igualmente possível que tal redução das exigências no discurso resulte do facto de haver condições que já estão assumidas pelas partes, por exemplo, pelos Estados Unidos.

Até porque, como já foi reconhecido inclusivamente pelos media ucranianos oficiais, como o Ukrainskaya Pravda ou Kiyv Independent, e o próprio CEMGDA, general Sirsky, mesmo que nos media ocidentais isso ainda não seja reconhecido, não apenas as forças russas estão avançar de forma acelerada no terreno como as unidades ucranianas estão a perder rapidamente capacidade de combate por falta de armas, homens e dinheiro.