Em causa está a denúncia feita pelo Gabinete Anti-Corrupção da Ucrânia (NABU), criado e financiado pela União Europeia com apoio dos EUA, de um esquema para desviar muitos milhões USD da Energoatom, a empresa estatal que gere as centrais nucleares.

Uma das questões mais problemáticas para o Presidente Zelensky neste contexto, sem esquecer que os envolvidos são todos seus amigos e aliados ou ministros do seu Governo, o da Justiça e a da Energia, é que ele próprio, há escassos dois meses, tentou desmantelar o NABU porque, claramente, sabia das investigações em curso.

E Zelensky só não conseguiu destruir esta agência anti-corrupção porque de Bruxelas e de Washington lhe chegaram avisos sérios de que o NABU era para manter intocado ou a torneira dos fundos ilimitados enviados pelos europeus e norte-americanos seria fechada.

E foi dessa forma, como notam vários analistas, que se chegou a este momento dramático para Volodymyr Zelensky e para o seu círculo restrito no poder em Kiev, porque envolve ainda de forma próxima o seu principal conselheiro e chefe de gabinete, Andri Yermak.

Isso, porque o oligarca ucraniano por detrás deste escândalo, Timur Mindich, que fugiu do país horas antes do escândalo rebentar, é, igualmente, um amigo próximo e de longa data de Yermak, que é visto como o verdadeiro poder por detrás do poder de Zelensky.

Segundo os media que primeiro relataram este assunto, os ucranianos, e entre estes o Kiyv Independent, em causa estão, num primeiro plano, 100 milhões USD desviados da Energoatom através de um esquema de pagamento de "luvas" montado por Timur Mindich e que envolvia a ministra da Energia, Svitlana Grinchuk, e o ministro da Justiça, German Galushchenko.

Além do porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, que se referiu a este assunto com ironia, dizendo que a corrupção é um tema cada vez mais conhecido dos financiadores do regime de Kiev porque é o dinheiro deles que está a ser desviado.

"Acreditamos que nas capitais europeias e nos EUA se está a dar atenção a este assunto, porque, no final de tudo, é o dinheiro deles que alimenta o regime de Kiev", apontou Peskov, acrescentando que "já é tudo tão óbvio que só não vê quem não quer ver" que o dinheiro deles está a ser "desviado pelos governantes ucranianos".

Isso mesmo parece estar a ser assumido até pela mais fulgurante apoiante de Zelensky e do seu regime e defensora de um apoio ilimitado à Ucrânia para manter a guerra com a Rússia, a chefe da diplomacia da União Europeia, Kaja Kallas.

Numa reacção a este escândalo, Kallas, que até o seu contido comentário de que se trata de uma situação "extremamente infeliz", defendendo, contudo, que "eles (os ucranianos) estão a agir com empenho contra a corrupção".

"Não pode haver espaço para a corrupção, especialmente agora. Quero dizer que se trata literalmente dinheiro do povo que devia estar a ir para a linha da frente da guerra", disse Kallas, citada pela Reuters, pedindo a Zelensky que encare este assunto de forma "muito séria".

Mas o problema está longe de se concentrar neste desvio de fundos da empresa estatal de energia nuclear, porque há anos que a Ucrânia aparece como um dos países mais corruptos do mundo e antes de 2022, quando ocorreu a invasão russa, e mesmo depois do golpe de Estado de 2014, que defenestrou o Presidente pró-russo Viktor Yanukovich, o país fazia manchetes na imprensa ocidental devido a esse "fardo".

Após 24 de Fevereiro de 2022, o assunto da corrupção na Ucrânia saiu dos media ocidentais mas outros, mais independentes ou pró-russos, continuaram a falar do problema e dos milhões de dólares gastos na Europa e nos EUA pelos dirigentes ucranianos em mansões e objectos e carros de luxo...

E se o dinheiro oferecido pelos aliados ocidentais pode estar há muito a ser desviado do país, o problema ganha contornos mais sérios quando, como foi já noticiado abertamente, algumas das armas fornecidas pelos norte-americanos e europeus da NATO começaram a surgir nas mãos de carteis mexicanos do narcotráfico ou de grupos jihadistas no Médio Oriente e em África.

Entretanto, mesmo este esquema em torno da Energatom está longe de ser conhecido na totalidade, porque o NABU, segundo os media ucranianos, o que permite a alguns analistas admitir que por detrás desta denúncia está uma trama para obrigar à demissão de Zelensky, veio falar em mais de 1.000 horas de gravações com intervenientes no esquema de corrupção.

Esquema esse que o Kiyv Independent explicou que passava, entre outras nuances, por cobrar avultadas somas aos fornecedores de serviços à empresa ou para ganhar empreitadas de algumas obras com orçamentos de milhões com prazos urgentes, incluindo reparações a centrais danificadas ou destruídas nos ataques russos.

Segundo alguns canais nas redes sociais, incluindo bloggers de guerra ucranianos, estão ruidosamente a falar sobre uma segunda parte deste escândalo envolvendo o Ministério da Defesa, onde são públicos os contractos avultados realizados com Timur MIndich.

O que permite facilmente admitir que há uma dimensão menos "pública" da relação deste amigo de longa data de Zelensky com o ministro da Defesa, Rustem Umerov, até porque é público que nas áreas de desenvolvimento de novas armas, como o míssil "Flamingo", Mindich tem contractos de muitos milhões que são na generalidade oriundos de doações europeias e norte-americanas.

A grande questão, incluindo nos media ocidentais, como os britânicos The Telegraph ou The Guardian, é saber se o próprio Presidente Volodymyr Zelensky passará incólume neste pesado, denso e, provavelmente, longo escândalo de corrupção que pode esconder, como vários analistas admitem, um plano intrincado para o afastar do poder e dar lugar a outro Presidente que permita injectar renovada energia na guerra com a Rússia.

É que, além de cansado de quatro longos anos de guerra, Zelensky está ferido de legitimidade devido ao adiamento sucessivo das eleições Presidenciais que já deviam ter tido lugar em Maio de 2024, e as perdas crescentes na linha da frente para Moscovo tiram-lhe qualquer possibilidade de renovar os ânimos das tropas mas não de querer voltar a candidatar-se, como parece ser a sua vontade, mesmo que todas as sondagens lhe garantam uma derrota clara contra quase todos os putativos concorrentes, desde logo Valeriy Zaluzhny, o antigo Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas da Ucrânia e actual embaixador no Reino Unido.