Para o Presidente ucraniano é, claramente, uma vitória na secretaria sobre os russos, o único campo de "batalha" onde, aparentemente, lhe corre bem a guerra, já que, no terreno, os russos parecem não ter dificuldades de maior a avançar para oeste.
Isto, porque Zelensky, com semblante sorridente, ao contrário do pânico visível quando lhe foi entregue por militares norte-americanos o plano de paz de Trump, com 28 pontos, veio dizer que este documento "já não tem, certamente, 28 pontos".
Pelas contas ucranianas, o documento americano, no encontro de segunda-feira, 24, em Genebra, Suíça, entre o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, e o chefe de gabinete de Zelensky, Andrii Yermak, foi encolhido para 19 pontos.
Dos 28 pontos iniciais aos 19 actuais, Zelensky, com o apoio dos europeus, que reuniram de urgência na capital angolana, onde decorre, até esta terça-feira, 25, a 7ª Cimeira União Africana/União Europeia, para o discutir, vê, agora, "viabilidade" para ser executado.
Zelensky sorri
Visivelmente satisfeito, o líder ucraniano garante que não será "um obstáculo à paz" e promete reunir com Donald Trump "muito em breve" para "discutir as questões mais melindrosas" porque esta versão do plano americano responde a "uma paz justa".
Entre os analistas mais alinhados com Kiev e os mais próximos de Moscovo, as abordagens a este plano americano são simples: era demasiado pró-russo, para os segundos, era inaceitável por não contemplar as exigências russas no essencial.
Na realidade, como esta terça-feira, 24, veio esclarecer o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, a Rússia desconhece oficialmente o documento de Donald Trump e menos ainda o plano modificado por ucranianos e europeus na reunião de Genebra.
Mas Peskov repetiu, em declarações ao canal Russia-1, que Moscovo está sempre disponível para negociar os termos da paz, frisando que as causas históricas do conflito devem ser um dos temas incontornáveis porque só assim a paz pode ser duradoura.
Duas caras no Kremlin?
Todavia, estas palavras de Dmitri Peskov soam ligeiramente estranhas porque se sabe que na segunda-feira, com continuidade anunciada para esta terça-feira, 25, norte-americanos e russos reuniram nos Emirados Árabes Unidos, para discutir este plano.
E da Rússia chegou outro sinal de que o Kremlin não está assim tão alheado destas negociações, porque Yury Ushakov, o conselheiro do Presidente Vladimir Putin, também veio dizer, citado pela RT, que "muitas partes do plano americano têm potencial para ser discutidas com seriedade".
Já em Washington, Karoline Leavitt, a porta-voz da Casa Branca, citada por The Washington Post, veio dar uma achega muito relevante ao garantir que as alterações ao documento das últimas horas estão a ser acompanhadas pelo Presidente Donald Trump e contam com a sua concordância.
Porém, entre as diversas notícias que nas últimas horas chegaram aos media internacionais, é muito difícil perceber se já existe uma versão final aceitável por Kiev e os seus aliados europeus para ser apresentada ao Presidente Trump para ser "imposta" aos russos.
Mas sabe-se que no Kremlin, pelo que está a ser dado à estampa nos media russos oficiais, como a agência TASS, a resposta a um documento que tenha o cunho da União Europeia e da Ucrânia terá como única consequência a continuação da guerra.
Porque os russos já deixaram claro que têm duas formas de alcançar os objectivos. Em síntese: Kiev, através de um acordo, descer as cinco regiões anexadas de 2014 a 2022 e ficar para sempre fora da NATO, ou, pela via da guerra, obrigar os ucranianos a ceder mais cedo ou mais tarde.
Putin coerente
Mas Vladimir Putin tem sublinhado que prefere conseguir os seus objectivos na mesa das negociações que nas trincheiras.
Mesmo quando em Julho de 2024 fez uma longa exposição sobre o que quer alcançar com a sua "operação militar especial", onde, além da questão territorial e da NATO, disse querer ver a língua, a religião e a cultura russas respeitadas e a desnazificação do país, entre outros pontos.
Mas o que o Kremlin não aceitará nunca, nas presentes condições, como querem os aliados europeus de Kiev, como a presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, deixou claro em Luanda, é ver militares ocidentais na Ucrânia numa espécie de força de manutenção de paz.
E não menos importante, congelar o conflito numa fórmula semelhante à da Península da Coreia onde, mesmo quase 80 anos depois do fim da guerra entre Norte e Sul, ainda não existe oficialmente um acordo de paz porque "não se resolveram as raízes históricas do conflito".
Mas, se se atender ás palavras de Yury Ushakov, o conselheiro especial de Putin, esse momento de seguir para a mesa negocial, está, ou esteve, pelo menos, muito perto, porque a primeira versão do "plano de paz" de Trump era do agrado mínimo da Rússia.~
Europa contra-ataca
Só que, tal como sucedeu após o encontro histórico do Alasca, em Agosto deste ano, entre Trump e Putin, onde parecia que russos e norte-americanos tinham tudo solidamente definido para "impor" a Kiev uma solução de fundo, também agora os europeus desferiram um golpe mortal nas intenções do Kremlin e da Casa Branca com um poderoso contra-ataque...
Isto, porque, como Ursula von der Leyen tem sublinhado amiúde, "não é possível definir um plano de paz para a Ucrânia sem a presença de Kiev e dos aliados europeus", numa reacção enfurecida ao facto de EUA e Rússia secundarizarem permanentemente Bruxelas nas suas negociações sobre o conflito na Ucrânia.
E se em Agosto, Ursula e os líderes francês, Emmanuel Macron, alemão, Fredrich Merz, e britânico, Keir Starmer, foram, logo após o encontro do Alasca, para Washington fazer um "golpe de mão" contra o entendimento russo-americano, desta feita, foi através de uma reunião de emergência em Luanda do Conselho Europeu que o plano de Trump foi "rasgado". (ver links em baixo)
Ou, pelo menos, dele foram cortados nove dos 28 pontos (ver aqui o documento inicial), afastando de uma abordagem positiva o Kremlin, o que deixa em perspectiva uma complexa teia diplomática misturada com os jogos de xadrez e de póquer.
Porquê? Porque logo que foi conhecido o plano dos 28 pontos, que o Kremlin disse desconhecer, soube-se que este tinha sido desenhado por Steve Witkoff, o enviado especial de Trump para estas negociações, e Kirill Dmitriev, o enviado de Putin com a mesma missão, num encontro derradeiro em Miami, na semana anterior.
E isso quer dizer apenas uma coisa... que o plano inicial era do agrado de Moscovo mas o Kremlin absteve-se de o afirmar para não dificultar o trabalho da Casa Branca para convencer Kiev a aceitá-lo.
"Póquer-axadrezado"!
Só que, apesar de Volodymyr Zelensky, na primeira hora, ter dito aos ucranianos que poderia ter de aceitar um mau acordo por imposição dos EUA, percebendo que sem Washington e o seu apoio em armas e informações e dinheiro, a guerra estaria na mesma perdida a prazo, a entrada em cena dos europeus, fez desmoronar a estratégia.
Estratégia essa que tinha muito de xadrez pela forma como Moscovo e Washington moveram as suas peças no tabuleiro, e de póquer, porque Donald Trump, assim que o documento foi entregue em mão a Zelensky por militares americanos, tentou um "bluff" dizendo que "ou Kiev aceita(va) as condições (nos 28 pontos) ou teria de continuar a lutar sem apoio americano".
O facto de antes de ser entregue aos russos, pelos mesmos enviados militares, chefiados pelo secretário do Exército dos EUA, Dan Driscoll, que o puseram nas mãos de Zelensky, em Kiev, ter perdido nove dos seus 28 pontos iniciais, só permite uma conclusão: os europeus responderam ao "bluff" e voltaram a ganhar neste "póquer axadrezado" com americanos e russos.
E mesmo sabendo-se que está a ser "negociado" em Abu Dabi com Moscovo para ver se é possível reajustar o documento de modo a ficar aceitável para o Kremlin, o resultado é já conhecido de antemão, porque Putin só não abandonou já o processo negocial porque não quer aparecer como sendo quem abandonou a sala...
Naquilo que é seguramente parte da teatralização em torno deste processo negocial morto à nascença, Yury Ushakov, visto em Moscovo como um dos homens de maior confiança de Putin, veio dizer que se trata # de um assunto muito importante" para a Federação Russa.
Admitindo que Trump e Putin podem voltar a encontrar-se para discutir este assunto, Ushakov avançou, citado pela RT, que o documento "ainda será sujeito a novas emendas, tanto do lado russo como do lado ucraniano, americano e europeu", avisando, no entanto, que, para já, "a colaboração europeia está a ser negativa".
Por fim, Trump, que tentou o "bluff" de ameaçar retirar todo apoio a Kiev, vem agora dizer, já nesta terça-feira, 25, que mantém "a esperança de uma solução" negociada a partir da sua proposta.
A única certeza que Trump tem, no entanto, é que na quinta-feira, 27, o seu "deadline" para Kiev aceitar o plano de paz, a guerra na Ucrânia não vai acabar... nem será nessa data que vai entrar na sua fase final, com alguns analistas pró-russos e pró-ucranianos, a admitirem que a guerra vai acabar onde sempre esteve destinada a acabar: no campo de batalha com a derrota ou a exaustão de um dos lados.











