Primeiro, foi Timur Mindich, um conhecido empresário do "showbiz" e antigo sócio de Volodymyr Zelensky numa empresa de produção de programas de televisão, a Kvartal 95, que produziu o "Servo do Povo", o programa de humor que serviu de rampa de lançamento para a eleição do actual Presidente ucraniano.
Essa série de ficção tinha como protagonista Zelensky na pele de um presidente impoluto e incorruptível, que serviu para o lançar como candidato de facto contra Petro Poroshenko, que concorria a um segundo mandato e foi esmagado nas urnas pelo actor sem experiência política na vida real mas que agora está na lista dos favoritos para voltar ao cargo.
O mesmo Timur Mindich, dias antes de explodir este escândalo de corrupção que tem como epicentro a Energoatom, a empresa que gere as centrais e a rede de serviço às centrais nucleares ucranianas, e vários contractos milionários para obras de recuperação e projectos de novas infra-estruturas, fugiu para Israel.
Recorde-se que Zelensky tentou, há cerca de dois meses, desmantelar as duas agências anti-corrupçãoo NABU, que investiga, e o SAPU, gerida por procuradores especiais, que acusa os suspeitos, que foram criadas pelos EUA e União Europeia, e foi obrigado a recuar por imposição de Washington, o que deixou no ar a possibilidade de se ter tratado de uma tentativa de proteger os seus aliados.
Aliados que, além de Timur Mindich, e dos ministros da Justiça e a da Energia (ver links em baixo), ambos já demitidos, se sabe agora que envolve, pelo menos está sob fortes suspeitas, o ex-ministro das Defesa, Rustem Umerov, que saiu do país há uma semana e não voltou, estando agora com paradeiro incerto, mas sem uma acusação formal ainda.
E o último acrescento a esta lista de suspeitos é, de longe, o mais relevante, porque se vier a ser formalmente acusado, todo o regime de Zelensky dificilmente se manterá, considerando que Andrii Yermak, que, tal como Mindich, está com Zelensky há décadas nos negócios dos programas de televisão, e era produtor de cinema na produtora Kvartal 95, é hoje o braço direito do Presidente e o seu mais influente conselheiro, além de Chefe de Gabinete.
Tal como os restantes suspeitos, Yermak surge envolvido neste escândalo porque o seu nome aparece em vários dos registos sonoros gravados pelo NABU durante as investigações, sob o nome de código "Ali Baba", o que, sendo as evidências pesadas, abriu espaço para o surgimento de protestos populares nas ruas de Kiev (ver foto), o que é não apenas raro mas normalmente punido com acusações de traição à pátria.
As provas contra Andrii Yermak são de tal relevância que nos media ucranianos, mesmo nos aliados de Volodymyr Zelensky, como o Ukrainskaya Pravda, já se pede publicamente a sua "cabeça", com vários deputados a dizer abertamente que o Presidente tem de se livrar dos fardos perigosos que tem a seu lado para não cair com eles.
E na oposição a Zelensky, que são partidos que com ele assumem uma frente anti-russa e pró-guerra, porque os outros foram todos abolidos, 11 no total, pede-se igualmente que o Presidente demita todos os suspeitos, desde logo Yermak, como é o caso do deputado Aleksey Goncharenko, do Partido da Solidariedade Europeia.
Russos aproveitam
Claramente com interesse neste assunto e a procurar ganhos de exposição dos podres do regime de Kiev, a imprensa russa tem estado focada neste drama ucraniano, procurando salientar não apenas as demissões de aliados de Zelensky mas com maior ênfase a pressão dos aliados europeus e norte-americano sobre o Presidente deixando em aberto a possibilidade de o próprio líder do país ser o alvo desta maquinação.
Entretanto, num momento de extremo melindre para o regime ucraniano, e quando em Moscovo o regime de Putin grita vitória quase todos os dias na linha da frente, Volodymyr Zelensky encetou um longo périplo por vários países europeus, desde a Grécia, passando por Espanha até França e, aparentemente, Turquia a seguir.
Ao mesmo tempo, Andrii Yermak saiu para a Turquia, onde teria um encontro de grande relevância com Steve Witkoff, o enviado especial da Casa Branca para o conflito ucraniano mas esse encontro estará, segundo a russa RT, a ser protelado pelos norte-americanos por causa do escândalo de corrupção em Kiev.
Isto, quando Rusten Umerov, que saiu do Ministério da Defesa para liderar o Conselho de Segurança Nacional da Ucrânia, segundo várias fontes, também já deixou a Ucrânia, primeiro para a Turquia, sob a justificação de negociar nova troca de prisioneiros com Moscovo, mas depois seguiu para o Catar sem se saber se voltará ou não a Kiev, onde corre o risco de ser pelo menos interrogado pelos agentes do NABU.
Perante este cenário, que está a crescer sobre um caso de corrupção altamente empolado pela própria imprensa ucraniana, porque, sendo este um dos países mais corruptos do mundo, e que fazia a esse propósito manchetes nos media ocidentais antes da invasão russa, a 24 de Fevereiro de 2022, 100 milhões USD não é uma verba "extraordinária", o Kremlin não parece querer perder tempo e procura usar a situação a seu favor.
Segundo a TASS, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, questionado pelos jornalistas, disse ser "tempo para os financiadores do regime de Kiev perceberem para onde está a ir o seu dinheiro", embora tal afirmação só faça sentido neste contexto de aproveitamento político porque 100 milhões é uma quantia irrisória num bolo global que é já superior a 400 mil milhões que EUA e União Europeia fez chegar à Ucrânia para manter a guerra com os russos.
Apesar dessa pouca expressão dos 100 milhões entre os mais de 400 mil milhões USD que já chegaram, neste quase 4 anos de guerra a Kiev, Peskov sublinhou que a corrupção "está fora de controlo" na Ucrânia e que essa realidade é hoje "uma enorme dor de cabeça" para os aliados de Zelensky no ocidente.
"Isto já não é um assunto interno da Ucrânia", apontou Peskov questionado pelo jornalista da Russia-1, acrescentando que "isto é dinheiro estrangeiro que está a ser roubado", defendendo mesmo que a maior parte do dinheiro que os EUA entregaram a Kiev foi desviado neste tipo de esquemas.
"O Regime de Kiev já perdeu o norte e os seus financiadores externos não podem deixar de estar preocupados com a sorte dos fundos que já enviaram para a Ucrânia", apontou ainda o homem que quando fala diz o que Vladimir Putin pensa.~
Sabotagem ou trama polaca para incriminar Moscovo?
Entretanto, ao mesmo tempo que a corrupção sai dos carris em Kiev, na Polónia, na estratégica linha de caminho-de-ferro que liga a Alemanha à Ucrânia, por onde passa grande parte do material militar fornecido aos ucranianos, foi detectada uma dupla sabotagem.
Sem danos significativos, demonstrando incompetência ou problemas nos explosivos, as equipas polacas rapidamente recuperaram as linhas ferroviárias, mas por resolver fica a explicação para esta dupla sabotagem, tendo o primeiro-ministro da Polónia, Donald Tusk, tornado publico rapidamente que as suspeitas recaiam sobre os russos.
Horas depois das pequenas explosões, no passado fim-de-semana, sem danos de monta, as autoridades polacas identificaram como autores dois ucranianos que dizem ter um passado ligado aos serviços de intelligentsia russos, o que deixa em perspectiva uma acusação formal contra a Federação Russa.
Dirigindo-se aos deputados no Parlamento polaco, Donald Tusk, citado por The Guardian, sublinhou ter-se tratado de "dois casos sem precedentes" e de uma "enorme gravidade quando se trata da segurança do Estado desde o começo da invasão russa".
O primeiro-ministro polaco apontou ainda que se está a "lidar com actos de sabotagem cujas consequências poderiam ser catastróficas, o que permite dizer já que foi trespassada uma certa linha", deixando no ar uma ameaça de represálias contra Moscovo.
E, ainda segundo o jornal britânico, tratou-se de um momento com marca de água russa que se enquadra num conjunto mais alargado das acções dos serviços secretos de Moscovo na Europa ocidental e não apenas na Polónia.
Na reacção a estas palavras de Donald Tusk, que não afastam totalmente a ideia de que a Polónia pode dar um passo mais sério no sentido de um conflito aberto com a Federação Russa, o que tem exponencialidade no contexto do ódio ruidoso que os polacos apresentam face aos russos, o Kremlin aponta em sentido contrário e menciona que mais uma vez se trata de ucranianos a tentarem enganar os seus aliados ocidentais.
"Seria muito estranho que a Polónia não viesse tentar implicar a Rússia neste actos de alegada sabotagem na ferrovia do país", apontou Dmitry Peskov ao canal Russia-1, onde o porta-voz do Kremlin acrescentou que, "apesar desse frenesim anti-russo nos polacos, a verdade é que, mais uma vez, cidadãos ucranianos surgem implicados em actos sabotagem e terrorismo contra infra-estruturas, o que é digno de nota".
Peskov citou o exemplo do cidadão ucraniano detido na Polónia e que os alemães identificaram como um dos autores da sabotagem do gasoduto Nord Stream 2, no Mar Báltico, em 2023, que cortou o fornecimento de gás russo à Alemanha, sendo que as autoridades polacas recusam extraditar para Berlim.
Para Moscovo, a alegada sabotagem da ferrovia que liga as cidades polacas de Varsóvia e Lublin, que segue para a Ucrânia e serve de escoamento de material de guerra oriundo da Alemanha e do resto da Europa ocidental, foi um episódio de "falsa bandeira" que serviria para implicar os russos, mas que correu mal...
Uma das teses que navegam nas redes sociais pró-russas é que se terá tratado de uma tentativa de Kiev desviar as atenções mediáticas do escândalo de corrupção em Kiev, enquanto do outro lado da barricada se lembra que os russos têm todo o interesse em danificar esta linha porque isso atrasa a chegada de material militar prometido pelos aliados da Ucrânia, nomeadamente as novas baterias anti-aéreas Patriot norte-americanas.




